— Jamie!
Ele se virou. E ficou paralisado. Maureen. A sua Maureen na porta! Maureen Ross, a touca azul-marinho, os olhos azuis espiando por cima das dobras da grossa echarpe de lã. Capote azul-marinho, vestido azul-escuro. Maureen Ross, vinte e oito anos. Alta, uma fração mais alta do que Tess... a altura média agora em torno de l,55 m, a rainha Victoria tendo 1,50 m.
— Deus Todo-Poderoso! — balbuciou ele, a voz estrangulada, incapaz de pensar.
— Olá para você, Jamie McFay. — Maureen permaneceu na porta, empertigada, como o pai, a voz melodiosa. — Posso entrar, por favor?
Ela tirou a echarpe, sorriu, hesitante. Jamie podia vê-la com nitidez agora. O mesmo rosto puro, não lindo, mas forte, curiosamente atraente, sardas castanhas, como ele a vira há pouco mais de três anos — no cais, em Glasgow — embora na ocasião houvesse lágrimas pela separação. Esquecera como os olhos de Maureen...
— Olá, Sparkles — murmurou ele, sem pensar, usando o apelido que lhe dava. — Por Deus... Maureen?
A risada foi ressonante.
— Considero isso como um sim; você não vai mais blasfemar, meu rapaz. Uma vez é compreensível, eu surgindo como uma aparição na noite, querendo lhe fazer uma surpresa.
O sorriso e a cadência da voz tornavam-na mais atraente do que realmente era, assim como a luz que faiscava em seus olhos, e o amor que usava como um escudo. Maureen fechou a porta, e tornou a contemplá-lo.
— Você está ótimo, Jamie, talvez um pouco cansado, mas ainda tão bonito quanto antes.
Ele se empertigara, mas continuava parado atrás da mesa, a mente atordoada, então é você, não Tess, foi fácil confundir no escuro, quase a mesma altura, porte ereto... recordando suas cartas desoladas, negativas, ao longo do último ano, e a derradeira, rompendo o noivado, a voz silenciosa dizendo sinto muito, Maureen, escrevi para você, não vamos casar, sinto muito, não quero casar, não posso agora, ainda mais agora que estou trabalhando por conta própria, o pior momento possível, e por que você não...
— Puxa, Jamie — disse ela, do outro lado da sala, observando e esperando, o sorriso aumentando —, não pode imaginar como me sinto feliz em vê-lo, por estar aqui finalmente; as aventuras por que passei na viagem encheriam um volume inteiro.
Como ele não se mexesse, nem respondesse, um pequeno franzido surgiu na testa de Maureen.
— Está fora de si, meu rapaz?
— Tess! — balbuciou ele. — Eu pensei... nós pensamos que era Tess Struan.
— A Sra. Struan? Não, ela ficou em Hong Kong. Uma mulher e tanto, arrumou tudo para que eu viesse até aqui, não me cobrou nada. “Vá se encontra com o seu Jamie McFay, com os meus cumprimentos”, disse ela, e me apresentou ao capitão Strongbow — que providenciou um camarote só para mim —, ao excelente Dr. Hoag e ao mister Irresistível Gornt.
— Como?
— Aquele rapaz pensa que é a dádiva de Deus para as mulheres, mas não para mim. Estou noiva, eu disse a ele, noiva, diante de Deus, do Sr. Jamie McFay. Ele disse que era seu amigo, Jamie, e o Dr. Hoag me contou que Gornt salvou sua vida, e por isso me mostrei simpática, mas mantive distância. Puxa, meu rapaz, há muito o que saber, muito o que contar.
— Por Deus, — murmurou ele, sem ouvi-la, — foi fácil cometer o erro, com a echarpe em seu rosto, você e Tess são do mesmo tamanho, o mesmo porte...
— Chega! — Os olhos de Maureen faiscaram de repente. — Eu agradeceria se você não usasse o nome do Senhor em vão, e ela é um pouco mais baixa, muito mais corpulenta, muito mais velha, tem os cabelos grisalhos, enquanto os meus são castanhos, e nem mesmo no escuro somos parecidas!
Como o súbito sorriso pelo próprio gracejo não o afetasse, ela suspirou. Exasperada, correu os olhos pela sala. Viu a garrafa de cristal. No mesmo instante foi até lá, farejou para se certificar de que era uisque, torceu o nariz em repulsa, mas serviu-lhe um copo, algumas gotas em outro.
— Tome aqui. — Maureen fitou-o, de perto pela primeira vez, com um sorriso radiante. — Papai sempre precisava de uma dose de uisque quando o choque de a Escócia ser parte das ilhas britânicas o atingia.
O encantamento se desfez. Jamie riu, abraçou-a, dando as boas-vindas; os copos nas mãos de Maureen quase derramaram.
— Cuidado, meu rapaz! — balbuciou ela.
Maureen conseguiu largar os copos na mesa, abraçou-o também, na maior ansiedade, depois de tanta espera, finalmente em sua presença, vendo o choque de Jamie, não a recepção que esperava, tentando ser forte e adulta, sem saber o que fazer ou como dizer que o amava e não pudera suportar o pensamento de perdê-lo, por isso arriscara, deixara seu santuário, depositara sua confiança em Deus, pegara o livro de orações e a Bíblia, pusera a pequena pistola do pai na bolsa e partira às cegas, por quinze mil quilômetros de medo. Por dentro. Mas não por fora... oh, não, jamais, não é esse o estilo da família Ross!
— Puxa, Jamie, meu rapaz...
— Está tudo bem agora — murmurou ele, desejando que Maureen parasse de tremer.
Jamie tirou-lhe a touca, deixou que caísse a trança comprida, de cabelos castanho-avermelhados.
— Assim é melhor. Você é um homem bonito. Obrigada.
Ela entregou-lhe um copo, pegou o outro, bateram num brinde.
— Escócia para sempre — murmurou Maureen, e tomou um gole. — O gosto é horrível, Jamie, mas nem imagina como me sinto contente por vê-lo.
O sorriso era ainda mais hesitante agora, pois ela perdera parte de sua confiança. O abraço de Jamie fora como o de um irmão, não o de um apaixonado, oh, Deus, Deus, Deus... Para ocultar sua expressão, Maureen tornou a olhar ao redor, enquanto tirava o capote e as luvas. O vestido era quente, bem cortado, outra tonalidade de azul, realçava suas curvas, a cintura de ampulheta.
— O seu Sr. MacStruan diz que você pode usar a suíte dele, eu ficarei nos aposentos ao lado, até termos o nosso próprio lugar. Já arrumou outros aposentos, Jamie?
— Ainda não. — Confuso, sem saber como iniciar, mas certo de que tinha de fazê-lo. E o mais depressa possível. — Isto... arrumei primeiro todos os meus papéis e livros; ia começar lá em cima amanhã. Todo o resto, os móveis aqui e lá em cima, pertencem à Struan.
— Não importa. Podemos comprar os nossos.
Maureen sentou na cadeira diante da mesa e fitou-o. Com as mãos no colo. Esperando. Certa, agora, de que tinha de morder a língua e esperar que ele começasse. Fizera sua parte, ao chegar. Talvez até tivesse exagerado, chegando sem avisar, mas pensara a respeito com todo cuidado e fizera o melhor que podia, escrevendo a carta, e imaginara o reencontro, hora após hora, ao longo dos meses nauseantes no mar, durante as tempestades, e uma ocasião, nos mares da China, ao largo de Cingapura, durante um motim dos passageiros chineses da terceira classe, entre os quais havia piratas, e que fora reprimido de forma sangrenta. Jamie era sua estrela guia e agora chegara o momento do ajuste de contas.
— Ele é um homem que não presta, esse Jamie McFay — dissera sua mãe, quando anunciara a decisão. — Já falei e repeti, ele não será bom para você, menina. Suas cartas são tudo menos encorajadoras, justamente o contrário.