— Não posso mudar, depois de tanto tempo. Tess disse para explicar a Sir William o motivo da minha volta, a Albert e a você, a mais ninguém.
— Não se preocupe. Tem toda razão, não haverá um único homem em Iocoama que não compreenda o motivo de sua presença aqui. Para quem mais você trouxe correspondência de Tess?
— Não... Sir William.
— Quem mais? Quem mais, pelo amor de Deus?
— Heavenly Skye.
Fingindo uma tranqüilidade que não sentia, Hoag entregou a Angelique o envelope, lacrado com o sinete da Casa Nobre. Seu estômago se agitava desde que Jamie lhe dissera quem chegara com o Prancing Cloud, por mais que tentasse parecer indiferente. Nem mesmo a informação quase imediata de Vargas de que a mulher era a noiva do senhor McFay, e não Tess Struan, conseguira tranqüilizá-la. Nem o relato desconexo de Hoag sobre o funeral de Malcolm, que a confundira ainda mais. Estava escrito no envelope: “Angelique Richaud, em mãos.”
— Por que não lê enquanto estou aqui? — sugeriu ele, preocupado com o repentino rubor de Angelique.
— Para o caso de eu desmaiar? — indagou ela, ríspida, sentada na cadeira ao lado do fogo, a cadeira de Malcolm, que tirara da suíte, antes de desocupá-la para Albert MacStruan.
Hoag explicou, gentilmente:
— Porque você pode querer conversar. Sou um amigo, além de médico.
Ele subira correndo, ao sair da sala de Jamie, contente por escapar da inquisição, cumprimentara-a e abraçara-a, evitara a sua indagação imediata, sobre o que acontecera em Hong Kong, dizendo:
— Espere um instante. Deixe-me primeiro contemplá-la. Examinara-a com cuidado, primeiro como médico, depois como amigo. Nos dois casos, ficara satisfeito com o que vira.
— Foi apenas uma sugestão, Angelique.
— A carta não está endereçada da maneira correta. Deveria ser Sra. Angelique Struan ou Sra. Malcolm Struan.
Contrafeita, ela devolveu a carta.
— Tess previu que você faria isso.
Hoag falou em tom gentil.
— Se ela é tão esperta, por que não endereçou da maneira correta?
— É difícil para ela, assim como é difícil para você. Afinal, é uma mãe que perdeu o filho. Seja paciente, Angelique.
— Paciente? Eu? Quando estou sendo atacada por casar e amar um homem maravilhoso, que... Você está do lado dela, é a Struan que paga seu salário.
— É verdade, mas meu lado é o que julgo certo, e isso não se encontra à venda, nem mesmo para você.
Hoag sentou, sempre amável. A sala era aconchegante e feminina, impregnada de tensão. Ele viu a veia no pescoço de Angelique pulsar forte, os dedos tremendo um pouco.
— Eu a ajudei e a Malcolm, mas apenas porque achei que era o mais certo. Para seu conhecimento particular, pedi demissão quando cheguei em Hong Kong, Este é meu último serviço para a Casa Nobre.
Angelique ficou surpresa.
— Por que fez isso?
Outra vez o mesmo sorriso estranho.
— Voltarei para a índia. Vou tentar descobrir o que perdi. O mais depressa possível.
— Ah, Arjumand! — Isso a fez sentir-se melhor. Inclinou-se, pôs a mão no braço de Hoag. — Desculpe o que eu disse. Estava enganada. Desculpe... sinto muito.
— Não pense mais nisso. Lembre-se de que sou médico e compreendo a tensão a que você está submetida. Havia me preparado para algo pior.
Ele rompeu o lacre, abriu o envelope.
— Ela me disse para fazer isso. — Dentro, havia outro envelope. Endereçado mais simplesmente: Angelique. — Uma concessão, hem? Uma concessão sugerida.
— Por você?
— Isso mesmo.
— Sabe o que diz a carta?
— Não. Juro por Deus. Quer que eu saia?
O olhar de Angelique fixou-se na carta. Um momento depois, ela sacudiu a cabeça, e Hoag foi até a janela, a fim de lhe proporcionar um mínimo de privacidade, abriu as cortinas, observou a noite, seu próprio coração disparado.
Angelique hesitou, depois abriu o segundo envelope. Sem cumprimentos. Sem nome.
Não posso perdoá-la pelo que fez a meu filho.
Acredito sinceramente que, a pedido e exortada por seu pai, você deu em cima de meu filho, a fim de atraí-lo para o casamento, qualquer tipo de casamento. Seu “casamento” com meu filho não é válido, tenho certeza. Esse “casamento” precipitou a morte dele, tenho certeza — o atestado de óbito indica isso. Nesse sentido, os advogados da Struan estão preparando petições, a serem apresentadas o mais depressa possível no Tribunal Superior de Hong Kong. Mesmo que esteja esperando uma criança de meu filho, isso não desviará o curso da justiça, nem evitará a declaração de que a criança é ilegítima.
Não posso deixar de lhe agradecer pelas valiosas informações que me foram transmitidas, por instigação sua, pelo nosso conhecido comum.
Se, como acredito que acontecerá, o material provar ser válido, eu e a Casa Nobre ficaremos em dívida com você e com essa pessoa, a um preço inestimável. O fato de que ele indicou um preço, razoável, considerando-se o seu valor, não é da sua conta, já que nada pediu e nada receberá. Mas seu presente para a memória de meu filho e o futuro da Struan merece alguma consideração.
Como resolver esse impasse?
A solução, se é que alguma pode ser encontrada, deve ficar entre nós, como inimigas — sempre seremos inimigas — e como mulheres.
Primeiro, peço que coopere com o Dr. Hoag, permitindo que ele a examine na ocasião oportuna, para confirmar se espera ou não uma criança. Claro que o Dr. Babcott ou qualquer outro médico que desejar pode ser consultado, para corroborar o diagnóstico.
Segundo, vamos esperar até o segundo mês, para haver certeza, e depois seguiremos adiante. A esta altura, a petição já estará preparada, e pronta para ser apresentada ao tribunal... e não digo isso como uma ameaça, apenas como um fato. A esta altura, as informações de nosso conhecido já terão dado resultados, pelo menos parciais. No momento, não imagino como podem falhar. O fato de que o persuadiu a me procurar contribuiu para criar, como já ressaltei, uma obrigação minha e da Casa Nobre com você.
Talvez, a esta altura, com a ajuda de Deus, o impasse possa ser resolvido. Tess Struan, Hong Kong, 30 de dezembro de 1862.
A mente de Angelique oscilava entre a felicidade e o terror, vitória e derrota. Vencera ou fracassara? Tess Struan nada prometia, mas acenara com um ramo de oliveira? Petição legal? Tribunais? Banco das testemunhas? Pálida agora, ela recordou as palavras de Skye, como seria fácil para a oposição descrevê-la como uma Jezebel sem dinheiro, filha de um criminoso, e outras horríveis verdades distorcidas. “Impasse” e “solução”? Isso não significava que ela vencera, pelo menos uma vitória parcial?