Agora, ele observava Katsumata servir-se de mais saquê. A ira contraíra suas feições já afiladas, fazendo com que parecesse ainda mais perigoso.
— Hiraga, minha opinião é a de que devemos atacar amanhã.
— E minha opinião é a de que só devemos entrar em ação quando tivermos uma possibilidade de êxito — respondeu Hiraga, com igual firmeza —, não antes... sempre foi esse o seu conselho... a menos que sejamos surpreendidos em campo aberto e nos defrontemos com a morte ou a captura. Takeda, qual é a sua opinião?
— Primeiro, eu gostaria de saber qual seria o plano. Você conhece o alvo como ninguém. O que faria?
Hiraga tomou seu chá quente, aconchegou-se ainda mais na manta, fingindo pensar, grato porque Takeda tendia para a sua posição.
— Se ainda tivesse meu acesso normal, Akimoto e eu poderíamos pôr todos os inflamáveis nos lugares em três dias... já tenho quatro preparados e escondidos em minha casa na aldeia — disse ele, embelezando a história. — Precisamos de uns seis, o ideal seriam oito: um em cada dos dois prédios de dois andares, são de madeira, quase queimaram no terremoto; um na casa do líder dos gai-jin; um na casa ao lado; três ou quatro na cidade dos bêbados; um em cada igreja. Na confusão, podemos escapar em nosso barco para Iedo.
— Quanto tempo isso levaria? — indagou Katsumata, ainda mais rude, fazendo os dois se remexerem, apreensivos. — Quantos dias, agora que você não tem o “acesso normal”?
— Posso lhe dizer isso assim que souber por que os soldados me procuram — respondeu Hiraga.
As espadas de Katsumata se encontravam ao seu lado, as espadas de Hiraga tainbém ao alcance fácil. Assim que chegara, ele pedira as espadas a Raiko, que as havia escondido... para o caso de serem obrigados a efetuar uma fuga súbita por cima dos muros e pelo arrozal por trás da Yoshiwara. Todos haviam concluído que seria perigoso demais se esconderem no túnel.
— O que acha, Takeda?
— Proponho esperarmos até sabermos qual é o problema. Depois, podemos combinar um plano final, sensei... mas se pudermos fazer como Hiraga diz, sou a favor.
— Devemos atacar amanhã. Esse é o nosso plano final.
Pensando melhor agora, Hiraga lançou uma isca.
— Se pudéssemos fazer as duas coisas, afundar o navio e incendiar a colônia, seria o melhor — declarou ele, com a intenção de apaziguar Katsumata. — Seria possível se planejássemos assim, mas precisaríamos de mais homens. Uns poucos homens a mais, sensei.
Hiraga usou o título de respeito, que evitara até então, para lisonjear Katsumata ainda mais, e depois acrescentou:
— Poderíamos trazer três homens de Iedo. Takeda iria até lá, ele não é conhecido, voltaria com os homens em três ou quatro dias. Sou um homem marcado e não posso me movimentar até o ataque. Você nos comandará contra o navio... e posso dizer aos outros onde colocar os inflamáveis, explicar onde ir, como fazer.
— É um bom plano, sensei — disse Takeda, querendo aproveitar a oportunidade de escapar de barco, pois nunca fora favorável a um ataque suicida. — Irei até Iedo, e encontrarei os homens.
— Seria apanhado — garantiu Katsumata, os lábios contraídos numa linha fina. — Nunca chegaria lá... e mesmo que chegasse, não conheceria os lugares, não saberia para onde ir. Seria capturado.
Sua raiva se achava a pique de irromper, pois nunca poderia atacar sozinho, e precisava daqueles dois, ou de outros homens, e nada seria realizado sem um consenso. Se alguém tivesse de ir, só poderia ser ele. Tal pensamento não o desagradou, pois não gostava daquele lugar, não havia muitos pontos de fuga, nem esconderijos suficientes... só se sentia seguro em Quioto, Osaca ou Iedo, e também em sua terra natal, Kagashima. Ah, seria ótimo rever os amigos e a família. Mas eles devem esperar, pensou Katsumata, endurecendo seu coração: “Sonno-joi deve ser levado adiante, Yoshi tem de ser humilhado...” Ao mesmo tempo, os três homens estenderam as mãos para as espadas. Sombras apareceram na porta de shoji.
— Katsumata-sama? — Era Raiko. — Tenho uma criada comigo.
— Por favor, entre.
Eles relaxaram. Raiko entrou, fez uma reverência, a criada também, e eles retribuíram.
— Conte tudo, Tsuki-chan — disse Raiko à criada.
— Fui à casa do shoya, Sires. Ele disse que Akimoto-sama foi levado à presença do líder dos gai-jin e depois para a prisão. Ainda não foi possível falar com ele, mas com sua primeira refeição, servida por um dos nossos, poderemos descobrir mais.
— Ótimo. Ele foi espancado e arrastado? — perguntou Katsumata.
— Não, lorde, nenhuma das duas coisas.
— Tem certeza que ele não foi espancado?
— O shoya também ficou surpreso, Sire. Akimoto-sama assoviava e cantava e ouviram-no dizer, como se fosse parte da canção, “alguém traiu alguém”.
Hiraga comentou, sombrio:
— Foi isso que ele disse na aldeia. O que mais o shoya contou?
— O shoya diz que sente muito, mas ainda não sabe por que os soldados o procuram. Os guardas continuam lá. Assim que ele souber o motivo, enviará o aviso.
— Obrigada, Tsuki-chan — disse Raiko, dispensando-a em seguida.
— Se ele não foi espancado — murmurou Katsumata —, não seria porque deu a informação que eles queriam, e o puseram na prisão para protegê-lo de você?
— Não — respondeu Hiraga. — Ele não diria coisa alguma.
A mente de Hiraga divagava: quem seria o traidor? Seus olhos fixaram-se em Raiko, que estava dizendo:
— Talvez eu possa descobrir. Um cliente gai-jin, que pode saber de tudo, chegará a qualquer momento. Se ele não souber, com certeza pode descobrir.
André entrou na sala com um sorriso forçado.
— Boa noite, Raiko-san — disse ele, repugnado com a própria fraqueza. Ela cumprimentou-o com frieza, ofereceu chá. Depois de tomado o chá, André lhe entregou a bolsinha com as moedas.
— Aqui outro pagamento, sinto muito não tudo, mas bastante no momento. Quer falar comigo?
— Esperar um pouco é polido, Furansu-san, entre amigos — disse ela, irritada. Avaliando o peso da bolsa, Raiko sentiu-se secretamente contente pela quantia e por ter acertado essa primeira e importante questão. Mesmo assim, acrescentou, para manter a pressão, tão importante com os clientes: — Um pouco é aceitável, entre amigos, mas muito não é correto, de jeito nenhum.