Angelique estremeceu.
— Acha que há alguma possibilidade de paz comigo?
— Creio que sim, mas deixe-me terminar, em seqüência. Ela perguntou de novo se o acordo que Malcolm assinara ainda era uma recompensa aceitável e respondi que sim. E ela disse: “Amanhã o substituirei por um documento mais legal, assinado e sacramentado, como o outro. Agora, vamos à última questão Sr. Gornt. O que devo dar “àquela mulher?” Eu tinha dito a ela, Angelique, que você não me pedira nada, só queria que os desejos e esperanças de seu marido fossem apresentados a ela, e que, se fossem úteis... afirmei a ela que você nada sabia do conteúdo... essa seria toda a sua recompensa.
— Usou essa palavra, “marido”? E ela deixou passar?
— Deixou, mas disse logo em seguida: “Fui informada de que esse casamento, independente do que ela alega, ou do que Sir William diz, não é válido.”
Angelique começou a se eriçar, mas Gornt disse:
— Não tão depressa, minha cara, seja paciente. Estou lhe contando o que ela disse. Seja paciente, há tempo suficiente para fazermos o nosso jogo. Depois desse encontro, ela queria outro, na noite seguinte. Para manter tudo às claras, eu disse a ela que estivera com os Brocks e lhes contara a mesma história de Iocoama, em particular sobre o duelo, entregando uma cópia do inquérito sobre a morte de Norbert. O velho Tyler ficou tão furioso quanto um buldogue atiçado, mas Morgan acalmou-o, disse que atirar em Jamie McFay pelas costas os prejudicaria muito mais do que a perda de um gerente, facilmente substituível.
Angelique observou-o organizar seus pensamentos; seu coração batia forte, de tantas perguntas ainda sem respostas.
— Ela vai... vai agir com base nas informações?
— Vai, sim, e depressa. Terei minha vingança e você conseguirá um acordo.
— Por que tem tanta certeza?
— Porque tenho, madame, não se preocupe. Precisei de anos mordendo a língua, bancando o subserviente, mas muito em breve... vai ver só! Quando lhe falei sobre o meu encontro com os Brocks... ela se pôs a me fazer perguntas sobre eles, qual fora a reação de Tyler ao casamento e morte de seu filho, e nem uma única vez usou o termo “pai”. Contei a ela, com toda franqueza, que os dois haviam rido de seu casamento naval, por ter ido contra os desejos dela, e que o velho Brock declarara: “É uma boa lição para aquela vaca, por ter agido contra a minha vontade!” Disse que os dois se mostraram exultantes pela morte de Malcolm, Morgan dizendo que agora que eles não têm tai-pan e quando chegar 1o de fevereiro, Tess sairá do Jóquei Clube, ficará arruinada em Hong Kong, com Tyler acrescentando e eu serei O Tai-pan, o nariz de Dirk ficará na merda e a Casa Nobre e seu nome serão esquecidos para sempre!
— Disse isso a ela? — indagou Angelique, aturdida.
— Disse, madame, mas apenas repeti o que Tyler falou... e juro que falou isso mesmo. E ele é o meio de levá-la à loucura, por isso que deveria relatar acuradamente. Quando o fiz, madame, a cabeça dela tremia tanto que os olhos tinham dificuldade em acompanhar e pensei que a Medusa ia voltar. Mas não voltou, não desta vez. O fogo do ódio foi contido desta vez, mas não desapareceu, madame de jeito nenhum. Só que ela o reprimiu, manteve-o lá no fundo, mas mesmo assim tenho certeza... desculpe, estou especulando. Não é próprio para uma mulher sentir tanto ódio assim, mas depois de conhecer Tyler e Morgan, é fácil compreender de onde veio.
Gornt pensou por um instante.
— Depois que ela esfriou um pouco, contei a ela que Tyler acabara concordando com a sugestão de Morgan de que eu deveria voltar para cá como gerente, em experiência pelo prazo de um ano, com uma porção de ameaças sinistras por um eventual fracasso. Ela perguntou meu salário e disse: “Excelente. Em público, seremos inimigos, mas secretamente seremos aliados e, se a Brock and Sons naufragar para sempre, o que peço a Deus que aconteça, a sua Rothwell-Gornt tomará o lugar.” Isso é tudo, Angelique, exceto que ela resolveu mandar Hoag de volta para cá, e estava lhe escrevendo uma carta.
Ele tomou um gole do bourbon, o gosto se tornando suave.
— Não perguntei o que a carta continha, e não fiz outra defesa sua, além de continuar a dizer, de vários modos, que se meu plano ajudasse a destruir os Brocks, ela teria de agradecer a você também. O que havia na carta?
Angelique entregou-lhe a carta.
— Um monte de esterco com os fardos de algodão — comentou Gornt, devolvendo-a. — É a primeira posição de barganha de Tess Struan... e deixa evidente que cumpri minha parte do acordo: ela está convencida de que deve lhe agradecer também. Você vai ganhar.
— Ganhar o quê? Não haverá uma ação judicial?
— Isso e mais um estipêndio. Ela admite que tem uma dívida com você.
— Pode ser, mas não há mais nada, só ameaças.
— Temos alguns trunfos?
— Quais?
Eles ouviram vozes lá fora.
— O tempo, entre outros, Angelique. Esta noite a convidarei para um jantar informal. Poderemos conversar em segurança e...
— Não no prédio da Brock, nem a sós — apressou-se em dizer Angelique. — Devemos ter cuidado. Por favor, convide também Dmitri e Marlowe. Precisamos ter muito cuidado, Edward, devemos simular que não somos muito ligados... pois isso deixaria aquela mulher desconfiada; seria inevitável que ela soubesse, já que Albert está totalmente do seu lado. Se não for possível conversarmos esta noite, darei uma volta pelo passeio amanhã, às dez horas, e poderemos continuar...
A fim de prevenir o abraço, que sentira iminente, Angelique beijou-o de leve no rosto, e estendeu-lhe a mão, agradecendo, efusiva.
Quando ficou sozinha de novo, na privacidade de seu boudoir, ela deixou a mente vaguear. Que trunfos? Que ases? E por que o sorriso estranho? E o que ele acertara de fato com Tess? É verdade, a julgar pela carta, que ele a convenceu da minha ajuda e isso é importante. Ou será apenas estou sendo desconfiada demais? Se ao menos eu estivesse presente na ocasião...
E, depois, o estou-ou-não-estou dominou-a, deixando agoniada. Num momento assim, assustada, ela mencionara a questão a Babcott, que respondera.
— Seja paciente e não se preocupe.
Por um instante, ela especulou se Babcott e Phillip Tyrer voltariam de Iedo, escapando das teias do inimigo, em que haviam se metido de bom grado, enviados por Sir William.
Os homens com sua estupidez de paciência, falsidade e prioridades erradas... o que eles sabem?
No castelo, em Iedo, Yoshi sentia-se ansioso e irritado. Era o meio da manhã, ele se encontrava em seus aposentos, e ainda não tinha qualquer notícia sobre o exame do tairo pelo doutor gai-jin. Ao chegar a Iedo, de volta de Kanagawa, no dia anterior instalara Babcott e Tyrer num dos palácios de daimio fora dos muros do castelo escolhido com o maior cuidado, guarnecido e cercado por guardas de confiança com segurança adicional, e logo em seguida convidara Anjo para o exame.