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O tairo chegara num palanquim fechado e anônimo, protegido por sua própria guarda; afinal, a tentativa de assassiná-lo ocorrera a poucos mais de cem metros dali. Isso e mais o ataque em massa dos shishi ao xógum Nobusada e os vários atentados contra Yoshi haviam aumentado a preocupação e necessidades de segurança dos anciãos.

Yoshi, com Babcott e Phillip Tyrer ao seu lado, recebera o palanquim clandestino no pátio. Fizeram uma reverência, a de Yoshi a mais profunda, rindo por dentro, enquanto Anjo, com uma dor evidente, era ajudado a saltar.

Tairo, este é o doutor gai-jin, B’bc’tt, e o intérprete, Firrup Tiara. Anjo ficara boquiaberto ao olhar para Babcott.

— Ei, o homem é mesmo grande como uma árvore! Grande demais, parece um monstro! Seu pênis terá a mesma proporção? — Depois, ele fitara Phillip Tyrer e rira. — Cabelos de palha, cara de macaco, olhos azuis de porco e um nome japonês... é um dos seus nomes de família, Yoshi-dono, neh?

— O nome tem quase o mesmo som — respondera Yoshi, bruscamente e depois acrescentara para Tyrer: — Quando o exame acabar, mande esses dois homens ao meu encontro.

Ele apontara para Misamoto, o pescador, seu espião e falso samurai, e o constante guarda de Misamoto, o samurai que tinha a ordem para nunca deixá-lo a sós com qualquer gai-jin.

— Anjo-dono, creio que sua saúde está em boas mãos.

— Obrigado por arranjar este encontro. O doutor será enviado a você quando me aprouver, não há necessidade de deixar estes homens aqui, nem qualquer de seus homens...

Isso acontecera ontem. Yoshi se preocupara durante toda a noite e pelo início da manhã. Seus aposentos haviam mudado. Eram agora mais austeros. Todos os vestígios de Koiko foram removidos. Dois guardas postavam-se atrás dele e dois na porta. Irritado, Yoshi afastou-se da mesa de escrever, foi até a janela, inclinou-se para fora. Podia avistar o palácio do daimio lá embaixo, no círculo interior. Os homens do tairo montavam guarda ali. Nenhum outro sinal de atividade. Acima dos telhados de Iedo dava para ver o oceano e as trilhas de fumaça de navios mercantes e um navio de guerra, a caminho de Iedo.

O que eles transportam?, especulou Yoshi. Armas? Soldados e canhões? Que insídia os gai-jin planejam?

A fim de controlar os nervos, ele voltou a sentar à mesa, e continuou a praticar caligrafia. Em circunstâncias normais, o exercício o tranquilizava. Hoje, porém, não lhe proporcionou qualquer paz. Os traços refinados de Koiko continuavam a se formar no papel e ele não conseguia, por mais que tentasse, impedir que o rosto dela aflorasse em sua mente.

Baka! — exclamou ele, fazendo um traço errado, arruinando uma hora de trabalho.

Jogou o pincel longe, esparramando tinta no tatame. Os guardas se remexeram, apreensivos, e Yoshi censurou-se pelo lapso. Deve controlar sua memória. De qualquer maneira.

Koiko o assediava desde aquele dia sinistro. A delicadeza de seu pescoço, mal sentindo o golpe, depois se afastando apressado, sem acender sua pira fúnebre, as noites piores que os dias. Solitário ao deitar, com frio, mas sem o desejo do corpo de uma mulher, ou de socorro, todas as ilusões perdidas. Depois da traição de Koiko, permitindo o acesso a seus aposentos da mulher-dragão Sumomo... nenhuma desculpa era aceitável para isso, absolutamente nenhuma, ele disse a si mesmo de novo, absolutamente nenhuma. Ela devia saber sobre Sumomo. Não há desculpa, não há perdão, nem mesmo o seu sacrifício, como ele acreditava agora, de se adiantar para receber o shuriken que o teria abatido. Nunca mais poderia confiar em nenhuma mulher. Exceto sua esposa, talvez, e a consorte, talvez. Não mandara chamar nenhuma das duas, apenas escrevera, dizendo-lhes que esperassem e guardassem seus filhos, mantendo o castelo são e salvo.

Yoshi não sentia nenhuma alegria genuína, nem mesmo por sua vitória sobre os gai-jin, embora tivesse certeza de que fora um magnífico passo à frente e também que os anciãos ficariam extasiados, quando lhes contasse. Até mesmo Anjo. Será que aquele cão está mesmo muito doente? Espero que sim e que seja uma doença fatal. O gigante fará sua magia, conseguirá curá-lo? Ou devemos acreditar naquele doutor chinês, o que Inejin garantiu que nunca erra, e que sussurrou uma morte em breve?

Não importa. Anjo, doente ou não, vai me escutar mais agora, os outros tombem escutarão, e concordarão com minhas propostas. Por que não? Os gai-jin foram contidos, agora não há mais ameaça da esquadra e podemos considerar que Sanjiro será destruído pelos gai-jin; Ogama continuará em Quioto, satisfeito. O xógum Nobusada receberá a ordem de retornar a Iedo, que é o lugar a que ele pertence, depois que explicasse o papel que o menino deveria desempenhar no grande plano. E não apenas voltará, mas também voltará sozinho, deixando a esposa hostil, a princesa Yazu, para “segui-lo em poucos dias”, o que jamais aconteceria, se Yoshi pudesse prevalecer. Não havia necessidade de revelar o que pretendia fazer aos outros. Só a Ogama.

E o próprio Ogama não saberia de tudo, apenas a parte para manipular a princesa e levá-la ao divórcio, por “solicitação” imperial. Ogama cuidaria para que ela não interferisse, até que fosse neutralizada em caráter permanente, contente em viver para sempre nas areias movediças palacianas, de competições de poesia, misticismo e outros cerimoniais temporais. E teria um novo marido. Ogama.

Não, não Ogama, pensou, cínico e divertido, embora eu vá propor a união. Não, um outro, alguém com quem ela se contente... o príncipe a quem foi outrora prometida e a quem ainda adora. Ogama será um excelente aliado. Sob muitos aspectos. Até seguir para o outro mundo.

Enquanto isso, não há necessidade de partilhar uma verdade imortal que descobri sobre os gai-jin... nem com Ogama, nem com Anjo, nem com qualquer outro: Os gai-jin não compreendem o tempo como nós, não consideram ou pensam sobre o tempo como nós. Pensam que o tempo é finito. O que não acontece conosco. Preocupam-se com o tempo, minutos, horas, dias... os meses são importantes para eles, os prazos exatos são sagrados. Sua versão do tempo os controla. Portanto, esse é o instrumento que podemos usar para derrotá-los.

Ele sorriu para si mesmo, adorando segredos, sonhando com mil maneiras de usar o tempo dos gai-jin contra o tempo real para dominá-los, e também o futuro, por intermédio deles. Paciência, paciência, paciência.

Enquanto isso, ainda tenho os nossos portões, embora os homens de Ogama controlem meus homens que guardam os portões. Isso não importa. Muito em breve os possuiremos por completo e prevaleceremos sobre o filho do céu. Viverei para testemunhar isso? Se viver, testemunharei; se não viver, não testemunharei. Karma.

A risada de Koiko provocou um calafrio por sua espinha. Ah, Tora-chan, você e o karma! Surpreso, Yoshi olhou ao redor. Não era ela. A risada vinha do corredor, misturada com vozes.