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Ele deixou que seu olhar pairasse além dos palácios, contemplando a capital de um milhão de almas, que servia ao castelo, e dele se alimentava, uma cidade cruzada por riachos e pontes, quase todas de madeira. Havia agora muitos incêndios — as flores dos terremotos — por todo o caminho até o mar. Um enorme palácio de madeira estava em chamas.

Yoshi notou que pertencia ao daimio de Sai. Ótimo. Sai apoia Anjo. As famílias foram embora, mas o conselho pode ordenar que reconstruam o que for destruído, e o custo vai onerá-lo para sempre.

Ora, esqueça-o. Qual é o nosso escudo contra os gai-jin? Tem de haver algum! Todo mundo diz que eles podem incendiar Iedo, mas não invadir o castelo ou manter um sítio prolongado. Não concordo. Ontem, Anjo tornou a relatar aos anciãos a história bem conhecida do sítio de Malta, há cerca de trezentos anos, como os exércitos turcos não conseguiram desalojar de seu castelo seiscentos bravos cavaleiros. Anjo dissera:

— Contamos com dezenas de milhares de samurais, todos hostis aos gai-jin. Devemos vencer, e eles irão embora.

— Mas nem os turcos nem os cristãos dispunham de canhões — ressaltara Yoshi. — Não esqueçam que o xógum Toranaga destruiu o castelo Osaca com canhões dos gai-jin... e aqueles vermes podem fazer a mesma coisa aqui.

— Mesmo que conseguissem, já teríamos nos retirado sãos e salvos para as montanhas muito antes — respondera Anjo, desdenhoso. — Enquanto isso, todos os samurais, todos os homens, mulheres e crianças do país... até mesmo os sórdidos mercadores... se aliariam sob a nossa bandeira e cairiam em cima deles como gafanhotos. Nada temos a temer. O castelo Osaca foi diferente, um combate de daimio contra daimio, não uma invasão. O inimigo não pode sustentar uma guerra em terra. Por isso, é inevitável a nossa vitória numa guerra assim.

— Eles devastariam tudo, Anjo-sama. Nada nos restaria para governar. Nosso único recurso é envolver os gai-jin numa teia, como a aranha faz com uma presa muito maior. Devemos ser uma aranha, e devemos encontrar uma teia.

Mas os outros se recusaram a escutá-lo. Qual é a teia?

Primeiro, é preciso conhecer o problema”, escrevera Toranaga, em seu legado. “Depois, com paciência, pode-se encontrar a solução.”

A essência do problema com os estrangeiros é simplesmente a seguinte: como podemos obter seus conhecimentos, armamentos, esquadras, riqueza e comércio em nossos termos, e ao mesmo tempo expulsar a todos, cancelar os tratados desiguais, e nunca permitir que um só deles ponha os pés em nossa terra sem as mais severas restrições?

O legado continuava: “As respostas a todos os problemas de NOSSA terra podem ser encontradas aqui, ou em A arte da guerra, de Sun-tzu... e pela paciência.”

O xógum Toranaga fora o soberano mais paciente do mundo, refletiu Yoshi impressionado pela milionésima vez.

Embora Toranaga fosse supremo em todo o Japão, à exceção do castelo Osaca, o baluarte invencível construído por seu antecessor, o ditador Nakamura, esperara doze anos para acionar a armadilha que preparara, ordenando o sítio. O castelo se encontrava sob o poder absoluto da dama Ochiba, a viúva do ditador, do filho e herdeiro de sete anos, Yaemon — a quem Toranaga prestara um juramento solene de fidelidade — e de oitenta mil samurais de uma lealdade fanática.

Dois anos de sítio, trezentos mil soldados, os canhões do navio corsário holandês Erasmus, de Anjin-san, o inglês que o levara ao Japão, um regimento armado com mosquetes, treinado por ele, cem mil baixas, toda a astúcia de Toranaga, e mais um traidor vital dentro do castelo, tudo isso fora necessário antes que a dama Ochiba e Yaemon cometessem o seppuku, para não serem capturados.

Depois de ocupar o castelo Osaca, Toranaga inutilizara os canhões, dispersara o regimento de mosquetes, proibira a fabricação ou importação de toda e qualquer arma de fogo, acabara com o poder dos padres jesuítas portugueses e dos daimios cristãos, redistribuíra os feudos, livrara-se de todos os inimigos, instituíra as leis do legado, proibira todas as rodas, a construção de navios oceânicos, e reivindicara um terço de toda receita para si mesmo e sua família imediata.

— Ele nos fez fortes — murmurou Yoshi. — Seu legado deu-nos poder para manter a terra pura e em paz, como era seu desígnio.

Não devo lhe faltar.

Mas que homem extraordinário! E quanta sensatez de seu filho, Sudara, o segundo xógum, ao trocar o nome da dinastia para Toranaga, em vez do nome verdadeiro da família de Yoshi... a fim de que jamais esqueçamos a fonte de tudo.

O que ele me aconselharia a fazer?

Primeiro, paciência, depois ele citaria Sun-tzu: Conheça seu inimigo como conhece a si mesmo, e não precisará temer uma centena de batalhas; conheça a si mesmo, mas não ao inimigo, e em cada vitória conquistada também sofrerá uma derrota; não conheça nem ao inimigo nem a si mesmo, e sucumbirá em cada batalha.

Conheço algumas coisas sobre o inimigo, mas não o suficiente.

Abençoo meu pai por me fazer compreender o valor da educação, por me proporcionar tantos mestres variados e especiais ao longo dos anos, não apenas japoneses, mas também estrangeiros. É lamentável que eu não tivesse talento para línguas e, assim, tive de aprender através de intermediários: mercadores holandeses para a história mundial, um marujo inglês para conferir a verdade holandesa e me abrir os olhos — assim como Toranaga usou o Anjin-san em seu tempo — e todos os outros.

O chinês que me ensinou sobre governo, literatura e a arte da guerra; o velho padre renegado francês de Pequim, que passou meio ano me ensinando sobre Maquiavel, traduzindo-o em caracteres chineses para mim, enquanto tinha permissão para viver nos domínios de meu pai e desfrutar o mundo dos salgueiros, que tanto amava; o pirata americano abandonado em Izu, que me contou sobre canhões e sobre os oceanos de relva chamados pradarias, sobre o castelo de sua terra chamado Casa Branca, e as guerras em que exterminaram os nativos do país; o condenado russo emigrado de um lugar chamado Sibéria, que alegava ter sido um príncipe com dez mil escravos, e contou fábulas de lugares chamados Moscou e São Petersburgo; e todos os outros, alguns ensinando por uns poucos dias, outros por meses, mas nenhum jamais completando um ano, nenhum deles tendo conhecimento de quem eu era, e eu proibido de lhes revelar, o pai sempre tão cauteloso e reservado, tão terrível quando era provocado.

— Quando esses homens vão embora, pai — indagara ele, no início —, o que lhes acontece? Todos se mostram muito assustados. Por que deveriam? Não lhes promete recompensas?

— Tem onze anos, meu filho. Perdoarei sua grosseria por me interrogar, mas apenas uma vez. E para que não se esqueça de minha magnanimidade, passará três dias sem comida, subirá o monte Fuji sozinho e dormirá sem qualquer coberta.