— Está com frio, Jamie querido?
— Não, não... estou bem.
— Phillip, diga outra vez ao capitão Abeh que sinto muito, mas Hiraga não pode ser encontrado no momento. — Sir William postava-se de costas para a lareira, numa das salas de recepção da legação. Tyrer, Babcott e Abeh haviam acabado de chegar de Iedo. Era o crepúsculo. — Ainda estamos procurando por toda parte. E mais uma coisa, Phillip, tire esse sorriso de satisfação do rosto, ou quer realmente irritá-lo?
Abeh estava furioso. E Sir William também. Fizera tudo o que podia, a colônia fora vasculhada e os soldados efetuavam outra revista na cidade dos bêbados e na aldeia. A Yoshiwara era mais difícil. Não se permitia armas ali, o acesso às estalagens era quase impossível sem arrombamento, uma idéia inconcebível, e fadada a criar um incidente internacional. Se ele assim ordenasse, os samurais nos portões insistiriam no mesmo direito. No começo da colônia, ficara acertado que a Yoshiwara seria deixada em paz, para prestar seus serviços, desde que não houvesse tumultos ali.
— Ele diz que não pode voltar sem Hiraga, e que foi prometido que Hiraga seria entregue a lorde Yoshi hoje.
Sir William reprimiu a imprecação. Em vez disso, murmurou:
— Por favor, peça a ele para esperar. Na casa da guarda. Tenho certeza que Hiraga será encontrado em breve, se ainda estiver por aqui.
— Ele pergunta: Ainda aqui? Se não aqui, onde ele está?
— Se eu soubesse, já teria mandado capturá-lo para lorde Yoshi. Talvez ele tenha fugido para Iedo, Kanagawa ou algum outro lugar.
Até mesmo Sir William ficou chocado com a fúria intensa no rosto de Abeh, que disse algumas palavras em japonês, a voz ríspida, depois virou-se e saiu.
— Mas que patife grosseiro!
— Ele disse que é melhor encontrar logo Hiraga, Sir William. — Tyrer esfregou o rosto com a barba por fazer, sentindo-se sujo, ansioso em tomar um banho, receber uma massagem e fazer a sesta, antes de ir se encontrar com Fujiko. A maior parte de sua fadiga se dissipara ao saber que Hiraga não se encontrava preso e agrilhoado. — Não posso deixar de sentir pena de Abeh, senhor. Ele não pode voltar sem Naka... sem Hiraga, pois sua vida está em jogo.
— O problema é dele. Tem alguma idéia do possível paradeiro de Nakama?
— Não, senhor, se ele não estiver na aldeia ou na Yoshiwara.
— Tente descobrir, pois obviamente é importante. — Sir William olhou para Babcott. — Agora, o mais importante. E o paciente, George? Era Anjo?
— Era, sim.
— Viva! Phillip, você parece exausto. Não precisa esperar. Podemos conversar mais tarde. George pode me contar tudo. Se Nakama-Hiraga aparecer, ponha-o a ferros imediatamente.
— Certo, senhor, e obrigado. Antes de eu sair, posso perguntar o que aconteceu em Hong Kong?
Ao chegarem, ambos haviam perguntado, ao constatarem, ansiosos, que o Prancing Cloud voltara, mas Sir William responderia que primeiro tratariam de Abeh.
— Está tudo tranquilo em Hong Kong e tudo tranquilo aqui, graças a Deus Sir William falou sobre o funeral, o retorno de Hoag e o motivo para isso.
— A razão deveria ser confidencial, mas é do conhecimento comum. Tudo se resume a um jogo de espera. Tess está esperando, parece que Angelique concordou em esperar, pelo que diz Hoag, não que ela tenha outra coisa a fazer. Ou está grávida ou não está.
— Se não estiver, saberá dentro de poucos dias — comentou Babcott. — E nós também saberemos.
— Oh, Deus! — murmurou Tyrer. — O que acontece, se ela estiver ou se não estiver?
Sir William deu de ombros.
— Temos de esperar também. E agora pode ir, Phillip. Uísque ou conhaque, George? Importa-se de me contar tudo agora... ou sente-se muito cansado?
— Não. — Os dois se encontravam a sós agora. — Conhaque, por favor. Iedo foi muito interessante.
— Saúde! O que aconteceu?
— Saúde. Antes de Iedo, sabemos mais sobre Hong Kong.
Sir William sorriu. Os dois eram amigos antigos e Babcott era o vice-ministro.
— Tudo correu muito bem. Isso mesmo. Tess me escreveu uma carta particular de agradecimento. Posso lhe contar a maior parte agora. Hoag trouxe três cartas para Angelique, mas ela não sabe disso, diga-se de passagem. Hoag entregou a primeira assim que chegou, não houve reação perceptível, de um jeito ou de outro, nenhuma pista, ele presumiu que era apenas um pedido para que Angelique esperasse. Tess me confirmou o conteúdo dessa carta, que propôs uma trégua, até se determinar se Angelique está ou não grávida. Se Angelique tiver a menstruação, ele entrega uma carta; se não, espera o segundo mês para ter certeza e entrega a outra carta. Hoag jurou que não conhece o conteúdo de nenhuma das duas e Tess nada revelou na carta que me escreveu.
Ele tomou um gole de uísque, pensativo.
— Mas, infelizmente, um item da carta de Tess indica seu pensamento. Os advogados da Struan estão preparando uma petição para pedir no tribunal a anulação do casamento, a “cerimônia ridícula”... ela sublinhou isso... independentemente da legalidade ou ilegalidade, independentemente do resultado da gravidez. Também vão contestar qualquer testamento, se for encontrado alguns em Hong Kong ou no Japão.
— Que coisa! Pobre Angelique... uma coisa terrível!
— Um enfático sim a isso. Minha carta pedindo clemência não teve efeito. Terrível, não é? — Sir William foi até sua mesa, pegou um despacho. — É isso o ue eu queria realmente discutir... confidencial, é claro.
Babcott acendeu o lampião. A luz do dia diminuía depressa. O governador de Hong Kong escrevera, formalmente:
Prezado Sir William:
Obrigado por seu despacho do dia 13. Receio que não seja possível enviar tropas extras no momento. Acabei de receber o aviso de Londres de que todas as tropas são necessárias em outros lugares, que considerações orçamentarias impossibilitam a mobilização de novos recrutas na índia ou em qualquer outro lugar; assim, você terá de operar com o que tem. Contudo, estou enviando outra fragata a vela, de vinte canhões, H.M.S. Avenger, num empréstimo temporário. Mas pode ter certeza de que se houver um grande ataque a Iocoama, este será devidamente punido, no momento oportuno.
Fui instruído por Londres a informá-lo das seguintes diretivas, para ação prudente imediata: deve cobrar a indenização exigida, junto com a entrega dos assassinos (ou testemunhos de seu julgamento e execução), punir e submeter o tirano responsável, Sanjiro de Satsuma. Devo ainda comunicar que os efetivos da marinha e exército que têm agora à sua disposição são considerados mais do que adequados para lidarem com um príncipe insignificante.
Babcott soltou um assovio e só falou após longo momento:
— Um bando de idiotas, todos eles.
Sir William riu.