Primeiro, a igreja. Fingirei que nada aconteceu, por enquanto... Ah Soh não ousará contar qualquer coisa. A quem dizer primeiro? Hoag? André? Edward? O Sr. Skye?
Já conversara a respeito com Heavenly Skye. Seu conselho fora o de que não tinham opção senão esperar, descobrir o que Hoag faria, e depois o que Tess faria. A carta de Tess para ele fora sucinta: Prezado Sr. Skye: Sei que meu filho tinha negócios com você. Suspenda e desista de todas as ações, de meu filho e minhas. Nada de bom resultará disso.
— Uma escolha interessante das palavras — comentara Skye.
— Você parece assustado, como se já tivéssemos perdido.
— Absolutamente, Angelique. Nossa única posição é a de esperar. A iniciativa cabe a ela.
— Pela próxima correspondência, quero que você escreva para os advogados da Struan, pedindo um relatório sobre o espólio do meu marido.
Era uma idéia sugerida por André, favorável à abertura de uma ofensiva imediata.
— Com prazer, se você quiser cair na armadilha dela.
— Como assim?
— Sua única postura é a de criança-viúva magoada e injuriada, atraída a um casamento prematuro por um homem de vontade forte... não a viúva pobre e gananciosa de um marido rico e pródigo, que se pôs contra os desejos da mãe ao casar com uma mulher pobre, de antecedentes questionáveis... por favor, não se zangue, só estou lhe dizendo o que pode e provavelmente será dito. Deve esperar, minha cara, torcendo para que Tess se comporte como um ser humano deveria. Se a criança de Malcolm... hum... está a caminho, isso seria uma grande ajuda.
— E se não estiver?
— Vamos considerar essa possibilidade quando acontecer... isto é, quando não acontecer. Haverá muito tempo para...
— Não tenho muito tempo. Meu dinheiro vai acabar.
— Seja paciente...
— Mon Dieu, paciência! Ah, os homens e sua paciência!
Agora que Angelique sabia, sem a menor sombra de dúvida, que não esperava uma criança de Malcolm, tratou de pôr de lado todas as idéias que formulara para o caso de um bebê e concentrou-se no outro caminho.
Uma investida violenta e imediata contra aquela mulher? Não, isso fica para mais tarde, o Sr. Skye tem razão nesse ponto. Preciso primeiro descobrir o que ela vai fazer. Para isso, tenho de contar a Hoag ou Babcott. Hoag lhe entregara a mensagem, por isso deveria ser o escolhido. Não há necessidade que ele me apalpe. Nenhum dos dois. Posso contar a ele. Imediatamente ou mais tarde? Vale a pena consultar André, ou Edward? Acho que não.
Não ter um bebe para sustentar, para considerar, torna minha vida mais simples, melhora as minhas possibilidades de outro casamento. O que quer que aconteça, como toda moça no mundo, preciso ter um protetor, o marido certo... ou, em última análise, qualquer marido.
Sobre as minhas perspectivas: Não tenho dinheiro suficiente para voltar a Paris e lá me instalar. Não tenho perspectivas exceto por um acordo com a Struan... não, não com a companhia, mas com aquela mulher. Até mesmo Edward está preso a isso. Especialmente ele. Sem um bom acordo para mim, e a benevolência daquela mulher para seus negócios, o interesse dele por um casamento vai se dissipar. O que é justo, porque o meu vai se dissipar ainda mais depressa. Ele está apaixonado por mim, eu não estou apaixonada por ele, embora goste muito dele, mas a ligação não tem lógica sem a segurança financeira mútua.
Tudo sempre volta àquela mulher, qualquer que seja a idéia que surja, refletiu Angelique, satisfeita com a maneira como sua mente funcionava, fria e lógica, sem se angustiar, apenas avaliando todos os aspectos como uma mulher prudente devia fazer.
Posso me agüentar por um ou dois meses, não mais do que isso... se não der mais dinheiro a André. Daqui apouco meus vales acabarão e, a qualquer dia, Albert pode dar ordens para suspender meu crédito e me expulsar. Quase que posso ler sua mente rancorosa. Mas não importa, sempre posso me mudar para a legação francesa. Mas eles não me apoiariam por muito tempo.
Sir William? Não há razão para que ele faça mais do que já fez. André é o único fora do alcance daquela mulher que pode me ajudar. Pense com objetividade, Angelique, isso é um erro! Quando André perceber que a fonte do dinheiro está secando, ou já secou, não há como prever o que ele é capaz de fazer, em desespero. Pode vender a Tess aquele papel horrível, pode oferecer a ela a prova sobre... sobre o passado. Ele é um cínico, bastante insensível e bastante esperto para guardar a prova de que paguei o medicamento com os brincos que perdi. E se contentar com muito menos dinheiro do que eu. Mesmo assim, ele é o único homem por aqui bastante insidioso para combatê-la. Edward também pode enfrentá-la, mas apenas até certo ponto. Ele não se arriscaria a perder a Rothwell-Gornt.
Devo persuadir Edward a retornar a Hong Kong imediatamente? Ou Hoag, que é um amigo, ou uma espécie de amigo, e foi o homem que ela enviou a mim? Ou André? Não, ele não, pois neste caso eu não dormiria um instante sequer, sabendo de sua presença em Hong Kong com aquela mulher, sem que eu possa vigiá-lo.
Para ela, a igreja foi um imenso sucesso, mesmo com a sua melancolia. Vestira-se de preto, como sempre, um véu cobrindo o chapéu e o rosto. Com o livro de orações na mão, ela partiu pelo dia tempestuoso. Passou direto pela igreja católica no passeio, misturando-se com a multidão que seguia para a Santíssima Trindade. Entrou na igreja, sentou no último banco, vazio, no instante seguinte se ajoelhou e começou a rezar. Uma onda percorreu a nave, já cheia pela metade, ressoou pelos retardatários, adquiriu força, espalhou-se por toda a colônia, estendeu-se até a cidade dos bêbados.
— Deus Todo-Poderoso, Angel foi à igreja, à nossa igreja...
— À Santíssima Trindade? Não diga besteira. Ela é católica...
— Besteira ou não, ela está lá, na Santíssima Trindade, brilhante como um morango, toda vestida de vermelho e sem o calção por baixo...
— Ora, pelo amor de Deus, não espalhe rumores...
— Não é nenhum rumor, ela nunca usa um calção por baixo...
— Na Santíssima Trindade? Oh, Deus! Ela se tornou uma de nós?
— O velho Tweety vai se mijar de alegria...
Maureen e Jamie chegaram logo em seguida. Hesitaram por um momento, ao lado do último banco, prestes a dizer “podemos sentar com você?”, mas Angelique continuou ajoelhada, como se estivesse imersa em oração, e não olhou para eles, embora consciente da presença dos dois, nem um pouco invejosa do vestido de Maureen, de um verde alegre, casaco e chapéu combinando, com uma pluma de chiffon amarela pendendo por trás. Mais um instante e os dois seguiram adiante, sob a pressão dos outros, não querendo incomodá-la... justamente o que ela queria. Depois da fervorosa oração inicial, de agradecimento pela força para dominar seu vasto desapontamento, Angelique continuou ajoelhada, a almofada para os joelhos confortável. Protegida pelo véu, os olhos arregalados se mantinham atentos, querendo observar tudo o que aconteceria. Era o primeiro serviço protestante que ela testemunhava.