— Não, Sire, o traidor Hiraga não foi visto por aqui, oh, não, Sire, obrigado, Sire, imediatamente, Sire, não, Sire, não o conheço.
Quase todos sabiam onde Hiraga se encontrava, mas preferiam manter sua paz, odiando os vigilantes, e também sabendo que nenhuma recompensa seria bastante grande para impedir a vingança dos shishi ou a repulsa do mundo flutuante por tal traição. Naquele mundo, os segredos eram o condimento e a essência da vida, aumentando o excitamento do dia.
O progresso da patrulha parecia ao acaso. Mas, de repente, o sargento mudou de rumo, entrou na viela da casa das Três Carpas e foi bater com toda força no portão na cerca.
Hiraga ficou acuado. Sempre que havia patrulhas nas proximidades, os vigias alertavam-no a tempo de fugir para o esconderijo subterrâneo, no túnel, onde tinha agora uma cama, velas, fósforos, comida, suas espadas e a pistola, além dos explosivos de Katsumata. Hoje, quando o alarme o alcançou, Hiraga descobriu que outros samurais vasculhavam os jardins, e assim não havia nenhuma possibilidade de chegar ao poço.
Em pânico, ele correu para a área da cozinha e mal teve tempo de assumir um disfarce, ali guardado, um presente de Katsumata, enquanto o sargento, a poucos metros de distância, a vista obstruída por uma sebe, dava um empurrão no porteiro subserviente, tirava suas sandálias e subia para a varanda da casa principal.
Sem saber que Hiraga se encontrava ali perto, Raiko saiu para cumprimentar o sargento, ajoelhou-se, fez uma reverência, seu rosto um charme só, as entranhas palpitando, pois aquele era o terceiro dia de buscas... um exagero que não permitia qualquer sossego.
— Boa tarde, Sire. Sinto muito, mas as damas estão descansando, ainda não se prepararam para receber os clientes.
— Desejo revistar a casa.
— Com todo prazer. Por favor, acompanhe-me.
— Vamos para a cozinha.
— Cozinha? Por favor, acompanhe-me.
Raiko seguiu na frente, afável. Ao deparar com Hiraga na cozinha, de cabeça baixa, entre a dúzia de pessoal da cozinha, seus joelhos quase vergaram.
Hiraga estava imundo, a cabeça coberta pela peruca emaranhada que Katsumata usara em Hodogaya, trajando apenas uma sunga suja e uma camiseta rasgada.
— Prenda um seixo sob o pé, Hiraga — aconselhara Katsumata. — Seu andar, tanto quanto o rosto, pode denunciá-lo. Passe sujeira no rosto e nas axilas, estrume é o melhor, finja ser um ajudante de cozinha, e não represente, seja de fato. Enquanto espera, prepare os artefatos incendiários, instrua Takeda a respeito, e esteja pronto para o momento em que eu voltar...
O sargento de rosto curtido parou, as mãos nos quadris, em meio ao silêncio, e olhou ao redor. De forma meticulosa. Cada canto, armário ou despensa foi inspecionado. Fileiras de condimentos, chás, barris de saquê e garrafas das bebidas dos gai-jin, sacos com o melhor arroz. Ele soltou um grunhido para ocultar sua inveja.
— Você! Cozinheiro-chefe!
O homem corpulento, aterrorizado, levantou a cabeça e o sargento acrescentou:
— Fique parado ali! E todos vocês, entrem em fila!
Em sua pressa para obedecer, todos esbarraram uns nos outros. Hiraga, claudicando bastante, imundo, nu, exceto pela tanga suja e a camiseta rasgada, encaminhou-se para a fila. Murmurando imprecações, o samurai observou atentamente cada homem, enquanto percorria a fila. Ao se aproximar de Hiraga, suas narinas tremeram em repulsa pelo mau cheiro e depois passou para o homem seguinte, e o outro, e o outro, descarregando sua raiva acumulada aos gritos no último homem, que arriou no chão, apavorado. O sargento voltou pela fila, parou diante de Hiraga, os pés bem plantados no chão.
— Você! — berrou ele. — Você!
Raiko gritou, quase desfaleceu, todos pararam de respirar. Hiraga se prostrou de cara no chão, rastejando, gemendo, apoiando os pés na parede, a fim de se lançar para a frente, contra as pernas do sargento. Mas o samurai pôs-se a arengar:
— Você é uma desgraça para uma cozinha, e você... — Ele virou-se para Raiko, que recuou contra a parede, assustada, enquanto Hiraga mal conseguia conter a investida. — Você deveria se envergonhar de ter um vagabundo coberto de estrume como este numa cozinha para os ricos!
O dedão duro como ferro acertou o homem imundo no pescoço e articulação do ombro. Hiraga soltou um grito de dor autêntico, a peruca quase caiu, ele segurou-a em pânico, pondo as mãos na cabeça.
— Livre-se dele! Se este saco de piolhos estiver aqui ou em qualquer outro lugar da Yoshiwara ao pôr-do-sol, fecharei esta casa por sujeira! Raspe a cabeça dele!
Outro pontapé e o sargento saiu. Ninguém se mexeu, até que veio o aviso de tudo limpo. Mesmo assim, todos começaram a se movimentar com a maior cautela, criadas foram buscar sais de cheiro para Raiko, que se retirou a passos trôpegos, apoiando-se nelas, enquanto o pessoal da cozinha ajudava Hiraga a se levantar. Ele sentia dor, mas não deixou transparecer. No mesmo instante, despiu-se e foi para a área dos criados, onde se lavou, esfregando e esfregando, cheio de repulsa... tivera tempo apenas de enfiar as mãos no balde de dejetos noturnos mais próximo, sujar-se e correr para um lugar perto dos fogos.
Depois de parcialmente satisfeito com a limpeza, ele se encaminhou para sua casa, nu, a fim de tomar outro banho, desta vez com água quente, convencido de que nunca mais tornaria a ficar limpo de fato. Raiko interceptou-o na varanda, não de todo recuperada de seu alarme.
— Sinto muito, Hiraga-sama, o vigia deixou de nos avisar a tempo, mas os samurais nos jardins... Água quente e uma criada de banho lhe esperam lá dentro. Mas agora, sinto muito, talvez deva ir embora, é perigo...
— Estou aguardando Katsumata, só depois partirei. Ele lhe pagou muito bem.
— É verdade, mas os vigi...
— Baka! Você é responsável pelo sistema de alerta. Se houver outro, engano, sua cabeça rolará para o balde!
Com uma expressão sombria, Hiraga entrou na casa de banho, onde a criada ajoelhou-se, faz uma reverência tão apressada que bateu com a cabeça no chão.
— Baka! — rosnou ele, ainda não superado o seu pavor intenso, o gosto amargo do medo ainda em sua boca. Acocorou-se no pequeno banco, pronto para que a criada começasse a esfregar. — Depressa!
Baka, pensou ele, enfurecido. Todos são baka, Raiko é baka, mas não Katsumata... ele não é baka, estava certo de novo: sem a bosta, eu teria morrido ou, pior, seria capturado vivo.
IEDO
O crepúsculo era uma ocasião de intenso movimento para os habitantes da Yoshiwara de Iedo, a maior e a melhor em todo o Nipão, um labirinto de pequenas ruas e lugares agradáveis, à beira da cidade, cobrindo quase oitenta hectares, onde Katsumata e outros shishi, ou ronin, podiam se esconderem segurança... se fossem aceitáveis.