Hoag falou gentilmente, preocupado com a súbita palidez de Angelique. Essa moça ainda não se livrou da depressão, nem de longe.
— Quero saber.
— Ela me pediu para lhe entregar a carta, Angelique, se sua menstruação começasse. Gostaria de voltar agora? Levarei a carta à sua suíte.
— Obrigada, mas... esperarei enquanto você a pega, diante do prédio da Struan.
Ela esporeou a montaria, completou o circuito, indiferente aos outros... todos a observando. Num súbito impulso, virou para pegar o caminho num galope curto, a fim de desanuviar a cabeça do medo. Esporas, joelhos e mãos espicaçando e controlando o pônei.
À frente, podia divisar as torres das duas igrejas, a cerca do perímetro, a Yoshiwara, a ponte e a casa da guarda. Por um momento, sua mente voltou no tempo e foi como se estivesse na direção de tudo aquilo, dominada pelo pânico, a sangrenta Tokaidô para trás, sem o chapéu, as roupas rasgadas, quase morta de medo. A visão se dissipou quando puxou as rédeas... os acontecimentos pareciam muito distantes. Um tipo diferente de medo persistia. A sorte estava lançada.
A carta de Tess dizia:
Tenho certeza de que você vai concordar que não há necessidade de cortesias, que não têm o menor sentido entre nós.
Estou contente por saber que você não espera uma criança de meu filho. Isso torna o futuro mais simples, menos complicado. Não aceito ou reconheço o “casamento” ou que você tenha quaisquer pretensões legais em relação a ele... muito ao contrário.
No momento em que estiver lendo esta carta, a Casa Nobre já terá iniciado uma nova era ou se encontrará à beira da bancarrota. Se for a primeira coisa, será em grande parte uma decorrência de você ter me encaminhado aquela pessoa.
Por causa disso, como uma comissão, depositarei capital num fundo de investimentos, no Banco da Inglaterra, o necessário para lhe proporcionar uma renda de dois mil guinéus por ano — se, em troca, você me apresentar, no prazo de trinta dias, a contar da data de hoje (quando sua regra for confirmada), uma declaração escrita e juramentada, nos seguintes termos:
Primeiro, que repudia e renuncia para sempre a toda e qualquer reivindicação que você ou um representante seu possam fazer contra o espólio inexistente de meu filho — deve compreender que ele, como menor, nunca tendo sido legalmente credenciado como tai-pan, não tinha herança para deixar.
Segundo, que concorda em renunciar a todas as reivindicações e concorda em não mais usar o título de “Sra. Malcolm Struan” ou qualquer versão similar. (A fim de resguardar as aparências, para você, sugiro que anuncie, pesarosa, que decidiu fazer isso porque, sendo católica, aceita que o casamento não foi legal, segundo sua fé e sua Igreja, não que eu admita que a cerimônia foi válida, sob qualquer aspecto.)
Terceiro, que nunca mais porá os pés em Hong Kong, a não ser para baldeação, não tentará se encontrar comigo, não me escreverá, não fará qualquer contato comigo ou minha família, no futuro.
Quarto, que sua declaração, com o testemunho formal de Sir William Aylesbury, ministro de sua majestade no Japão, me seja entregue aqui, em Hong Kong, através do Dr. Hoag, para maior segurança, até 14 de fevereiro, pouco mais de trinta dias depois de hoje (a data em que sua regra foi confirmada).
Por último, que se você casar dentro de um ano, o capital será aumentado para que o estipêndio anual chegue a três mil guinéus, durante os dez primeiros anos. Por sua morte, o capital reverterá para mim ou meus herdeiros.
Três semanas depois de ler esta carta, deve se retirar, por favor, de qualquer propriedade da Struan. Dei instruções neste sentido ao Sr. Albert MacStruan, em carta enviada hoje, e também determinei que, a partir deste dia, seu crédito com a Struan está suspenso, e que qualquer vale dado ou supostamente dado por meu filho e apenas autenticado por seu sinete não devem ser honrados — excetuando os que ele assinou e datou pessoalmente, por isso mesmo de autenticidade incontestável.
Se, dentro de três semanas, sua declaração estiver assinada e pronta para o Dr. Hoag me trazer, então o Sr. MacStruan está autorizado a lhe conceder imediatamente um crédito de QUINHENTOS guinéus, por conta de seu fundo de investimentos, que será instituído em trinta dias, com a renda anual liberada em pagamentos trimestrais.
Caso recuse as condições acima (tem a minha palavra solene de que não são negociáveis) ou não procure o Dr. Hoag até a data especificada, 12 de fevereiro, no dia seguinte, 13 de fevereiro, sexta-feira, meus advogados entrarão com uma ação judicial contra você, arguindo o máximo que consideramos justificado, inclusive que foi uma premeditação dolosa que causou a morte do meu filho.
Um conselho: o Sr. Skye pode espernear e bradar que se trata de coação, que estas condições são ameaças contra sua pessoa. Não são. Meus advogados garantem que não são, que esta é uma maneira generosa e legal de remover um problema incômodo causado por meu filho, quaisquer que tenham sido as razões desavisadas.
Por favor, peça ao Dr. Hoag para voltar o mais depressa possível, com sua declaração juramentada, ou a não-concordância. Tess Struan, 28 de dezembro, Ano de Nosso Senhor de 1862, em Hong Kong.
Gornt levantou os olhos da carta.
— Não aceite.
— Foi exatamente o que o Sr. Skye me disse. — Um pouco da fúria de Angelique se dissipou. Sentava na cadeira alta, rígida, o rosto firme, Gornt à sua frente, no boudoir. — Fico contente por você concordar. Responderei nos mesmos termos para aquela mulher esta tarde.
— Não, seria um erro. Estou querendo dizer que não deve lutar, seria a pior coisa que poderia fazer. Chegue a um acordo.
Ela se tornou pálida de novo, mais do que furiosa.
— Acha que devo aceitar... essa sordidez?
— Estou apenas dizendo que pode chegar a um acordo, no momento oportuno — respondeu Gornt, a mente funcionando com perfeição, lógica, embora sentisse um aperto no peito e na garganta. — Tenho certeza de que pode melhorar as condições.
— Melhorar as condições? Quer dizer que aceita isso, em princípio? Aceita isso? Pensei que era um lutador, além de meu amigo, mas concorda em deixar que ela me arraste de cara na lama?
— Sei que ela disse que as condições são inegociáveis, mas não acredito nisso. Posso melhorar. A primeira oferta, dois ou três mil guinéus, já a deixa numa boa situação; com cinco mil já seria rica.
— Isso não compensa o comportamento infame daquela mulher, suas ameaças insidiosas, a constante hostilidade! Sou casada legalmente! Legalmente! — Angelique bateu com o pé no chão. — Não ser mais a Sra. Struan? Nunca mais pôr os pés em Hong Kong, ser tratada dessa maneira? Como ela ousa? Parece até que sou... que sou uma criminosa!
— Concordo. Posso renegociar, em seu nome.
— Jesus! Quero que ela seja humilhada, destruída!