— Acha mesmo que as autoridades, esse tal de Bakufu, não vão atender as nossas exigências?
— Não sem alguma demonstração de força. Recebi outro pedido de desculpas deles à meia-noite, com a solicitação do prazo de um mês para poderem “consultar os superiores”, essas bobagens... como eles sabem tergiversar! Mandei o mensageiro de volta com a pulga atrás da orelha, levando um recado um tanto grosseiro, de que queremos satisfações imediatas, ou eles vão se arrepender.
— Agiu muito bem.
— Quando ancorarmos ao lago de Iedo, podemos disparar tantas salvas quanto for possível, criando uma sensação?
— Daremos uma salva de vinte e um tiros, uma saudação real. Suponho que esta missão pode ser interpretada como uma visita formal à realeza dos japoneses. — Sem se virar, o almirante acrescentou, em tom outra vez ríspido: — Sr. Marlowe, dê a ordem, para toda a esquadra; pergunte ao almirante francês se pode fazer a mesma coisa.
— Pois não, senhor.
Marlowe tornou a bater continência e se afastou, apressado.
— O plano para Iedo ainda é o que combinamos?
Sir William acenou com a cabeça.
— É, sim. Eu e meu grupo vamos desembarcar, iremos até a legação... uma centena de soldados, como guarda de honra, deve ser suficiente. Os Highlanders, com seus uniformes e gaitas de foles, causarão a maior impressão. O resto do plano continua como antes.
— Otimo. — Apreensivo, o almirante olhou para a proa. — Poderemos avistar Iedo depois que contornarmos aquele promontório.
Ele fez uma pausa, contraiu o rosto e acrescentou:
— Uma coisa é fazer ameaças e disparar salvas de canhão, mas não concordo em bombardear e incendiar a cidade... sem um estado de guerra legal.
Sir William respondeu com todo cuidado:
— Vamos torcer para que eu não tenha de pedir a Lorde Palmerston por uma declaração de guerra, nem ser obrigado a legalizar um conflito que nos imponham. Enviei um relatório completo. Só teremos sua resposta daqui a quatro meses e, naturalmente, antes disso, temos que fazer o melhor que pudermos, como sempre. Os assassinatos devem cessar e o Bakufu deve ser controlado, de um jeito ou de outro. Este é o momento perfeito.
— As instruções do almirantado são para ter prudência.
— Pelo mesmo correio, enviei uma mensagem urgente ao governador de Hong Kong, comunicando o que planejava fazer, e indagando que reforços de navios e homens estariam disponíveis, em caso de necessidade. Também perguntei pelo estado de saúde do Sr. Struan.
— É mesmo? Quando despachou essa mensagem, Sir William?
— Ontem. A Struan tinha um clíper disponível e o Sr. McFay concordou que o problema exigia toda urgência possível.
Ketterer comentou, em tom cáustico:
— Todo esse incidente parecer ser uma causa célebre da Struan. O homem assassinado mal é mencionado, só ouço falar em Struan, Struan, Struan.
— O governador é amigo pessoal da família, e a família... hum... é muito bem relacionada, muito importante para os interesses comerciais de sua majestade na Ásia e na China.
— Sempre achei que não passavam de um bando de piratas, contrabandeando armas e ópio, qualquer coisa pelo lucro.
— As duas coisas são legais, meu caro almirante. A Struan é altamente respeitável, almirante, com ligações muito importantes no Parlamento.
O almirante não se mostrou impressionado.
— Há muita gente que não presta ali, se não se importa que eu o diga. Uns idiotas, durante a maior do tempo tentando cortar as verbas da marinha, reduzir nossas esquadras... uma estupidez, já que a Inglaterra depende do poder marítimo.
— Concordo que precisamos da melhor marinha, com os oficiais mais competentes, para executar a política imperial — declarou Sir William.
Marlowe, perto do almirante, percebeu a farpa mal disfarçada. Um rápido olhar para a nuca do seu superior confirmou que a farpa fora registrada. Ele se preparou para o inevitável.
— Política imperial? — repetiu o almirante. — Parece-me que a marinha passa a maior parte do seu tempo livrando civis e mercadores de enrascadas, quando sua ganância e hipocrisia os levam a situações em que nunca deveriam se meter, em primeiro lugar. Quanto aos bastardos ali... — o dedo grosso apontou para Iocoama, a bombordo. — ...são os piores canalhas que já conheci.
— Alguns são, a maioria não, almirante. — Sir William empinou o queixo. — Sem mercadores, sem comércio, não haveria dinheiro, nem império, nem marinha.
O pescoço vermelho se tornou púrpura.
— Sem a marinha não haveria comércio e a Inglaterra não teria se tornado a maior nação do mundo, a mais rica, com o maior império que o mundo já conheceu!
“Isso é besteira”, Sir William teve vontade de gritar, mas sabia que se o fizesse ali, no tombadilho superior da nave capitânia, o almirante teria um ataque apoplético. Marlowe e todos os marujos nas proximidades ficariam furiosos. O pensamento divertiu-o e removeu a maior parte do veneno que as noites insones pelo incidente na Tokaidô haviam causado, permitindo-lhe ser diplomático.
— A Marinha é a força principal, almirante, e muitos partilham sua opinião. Posso supor que chegaremos no prazo previsto?
— Claro que chegaremos.
O almirante relaxou os ombros, um tanto apaziguado, com dor de cabeça devido à garrafa de porto que consumira depois do jantar, somando-se à de clarete.
O navio desenvolvia uma velocidade de cerca de sete nós, contra o vento, o que o retardava. Ele verificou a disposição da esquadra. Agora a H.M.S. Pearl se mantinha bem na popa, com as chalupas de roda, cada uma equipada com dez canhões, a bombordo. A nave capitânia francesa, uma fragata de três mastros, toda revestida de ferro, vinte canhões, navegava descuidadamente a boreste.
— O timoneiro deles devia ser posto a ferros! Aquele navio precisa de uma nova camada de tinta, um novo massame, uma fumigação para acabar com o cheiro de alho, uma boa esfregada nos conveses e um severo castigo para toda a tripulação. Não concorda, Sr. Marlowe?
— Claro que concordo, senhor.
Depois de se certificar de que tudo estava correto, o almirante tornou a se virar para Sir William.
— Essa família Struan e sua Casa Nobre são mesmo tão importantes assim?
— São sim. O comércio que promovem é enorme, sua influência na Ásia, em particular na China, não tem comparação, exceto pela Brock & Sons.
— Conheço os clíperes que eles usam. São bem construídos e muito bem armados. — Uma pausa e o almirante acrescentou, abruptamente: — Por Deus, espero que não tentem negociar ópio ou armas de fogo aqui.
— Pessoalmente, eu concordo, embora não seja contra a atual lei.
— Mas é ilegal, pela lei chinesa. Ou pela japonesa.