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— Angelique, olhe ali!

Struan parou seu pônei, apontando. Cerca de cem metros à frente, no fundo de uma pequena colina, ficava a estrada principal. Todos pararam ao seu lado.

— Nunca pensei que a Tokaidô fosse tão grande, nem tão movimentada — comentou Philip Tyrer.

Exceto por uns poucos pôneis, todos os viajantes andavam a pé.

— Mas... mas onde estão as carruagens e carroças? — indagou Angelique. — E mais do que isso, onde estão os mendigos?

Struan riu.

— É fácil explicar, Angelique. Como quase tudo o mais por aqui, elas são proibidas. — Struan inclinou a cartola para um ângulo mais elegante. — Não se permitem rodas de qualquer tipo no Japão. Ordens do xógum. Absolutamente nenhuma!

— Mas por quê?

— É um meio seguro de manter o resto da população em ordem, não é mesmo?

— Tem toda razão. — Canterbury riu, sardônico, e gesticulou para a estrada.

— E acrescente-se a isso que cada Tom, Dick ou Mary, alto ou baixo, tem de carregar documentos de viajar, permissão para viajar, mesmo para sair de sua aldeia, o que se aplica aos príncipes e aos pobres. E observem os samurais... são os únicos em todo o Japão que podem andar armados.

— Mas sem diligências e ferrovias, como o país pode funcionar direito? — indagou Tyrer, perplexo.

— Funciona ao estilo do Japão — respondeu Canterbury. — Nunca se esqueça de que os japoneses só têm uma maneira de fazer as coisas. Apenas uma. A sua maneira. Os japoneses não são como os outros, muito menos como os chineses, não concorda, Sr. Struan?

— É verdade, não são mesmo.

— E não há rodas em parte alguma, senhorita. Assim, tudo por aqui, todas as mercadorias, alimentos, carne, peixe, material de construção, feixe de lenha, fardo de algodão, caixa de chá, barril de pólvora... cada homem, mulher ou criança que pode agüentar... tem de ser transportado nas costas de alguém... ou ir de barco, o que significa por mar, porque não existem rios navegáveis, pelo que estamos informados, apenas milhares de córregos.

— Mas o que me diz da colônia? As rodas são permitidas ali, Sr. Canterbury.

— É isso mesmo, temos todas as rodas que queremos, embora suas autoridades reclamem como malditos... desculpe, senhorita — ele se apressou em acrescentar, embaraçado. — Não estamos acostumados a damas na Ásia. Como eu estava dizendo, as autoridades japonesas, conhecidas como Bakufu, são como nosso serviço público civil, discutiram a respeito por anos, até que nosso ministro disse para se fo... ahn, para esquecerem, porque nossa colônia era nossa colônia. Quanto aos mendigos, também são proibidos.

Angelique balançou a cabeça, e a pluma em seu chapéu dançou alegremente.

— Parece impossível. Paris é... Paris está cheia de mendigos, são encontrados por toda a Europa, é impossível acabar com a mendicância. Mon Dieu, Malcolm o que dizer de Hong Kong?

— Hong Kong é o pior de todos os lugares — confirmou Malcolm Struan, sorrindo.

— Mas como podem proibir a mendicância e os mendigos? — perguntou Tyrer, outra vez perplexo. — Mademoiselle Angelique tem razão, é claro. Toda a Europa fervilha de mendigos. Londres é a cidade mais rica do mundo, mas está inundada.

Canterbury exibiu um sorriso estranho.

— Não há mendigos porque o imperador todo-poderoso, o xógum, rei de todo mundo, diz que não se deve mendigar, e assim vira lei. Qualquer samurai pode usar sua lâmina em qualquer mendigo, a qualquer momento... ou em qualquer outro saca... perdão... em qualquer outra pessoa, desde que não seja samurai. Se alguém for apanhado a mendigar, está violando a lei, por isso vai para a prisão, e depois que entra ali, a única pena possível é a de morte. O que também é lei.

— Não há mais nenhuma outra? — indagou a moça, chocada.

— Infelizmente, não. Por isso, os japoneses são tão meticulosos no respeito à lei.

Canterbury soltou outra risada sardônica, e olhou para a estrada sinuosa, interrompida abruptamente a menos de um quilômetro de distância, por um córrego raso e largo, que todos tinham de vadear, ou serem carregados na travessia. Havia uma barreira na outra margem. Ali, os viajantes faziam uma reverência e apresentavam seus documentos aos inevitáveis guardas samurais.

Os desgraçados, pensou Canterbury, odiando-os, mas adorando a fortuna que estava ganhando ali... e seu estilo de vida, que girava em torno de Akiko, sua amante há um ano. Ah, amor, você é a melhor, a mais especial, a mais carinhosa, em toda Yoshiwara.

— Olhem ali! — exclamou Angelique.

Na Tokaidô, grupos de viajantes haviam parado, apontavam para eles, espantados, falavam em voz alta, acima do rumor permanente de movimento — e havia ódio em muitos rostos, medo também.

— Não lhes dê atenção, senhorita. Somos apenas estranhos para eles, isso é tudo, não sabem de nada. É bem provável que seja a primeira mulher civilizada que já viram. — Canterbury apontou para o norte. — Iedo fica nessa direção, a cerca de trinta quilômetros. Claro que é uma cidade proibida para nós.

— Exceto para as delegações oficiais — ressaltou Tyrer.

— É verdade, mas só com permissão, o que Sir William não obteve uma única vez, pelo menos desde que cheguei aqui, e fui um dos primeiros. Os rumores são de que Iedo é duas vezes maior do que Londres, senhorita, de que mais de um milhão de almas habitam ali, possui uma riqueza fantástica, e o castelo do xógum é o maior do mundo.

— Não poderia ser tudo mentira, Sr. Canterbury? — perguntou Tyrer.

O mercador sorriu.

— Eles são tremendos mentirosos, essa é a pura verdade de Deus, Sr. Tyrer, os melhores mentirosos que já existiram, fazem até com que os chineses pareçam, em comparação, com o arcanjo Gabriel. Não o invejo por ter de interpretar o que eles dizem, que nunca é, tão certo quanto Deus criou a pervinca, o que de fato estão pensando!

Normalmente, ele não era tão loquaz, mas estava determinado a impressionar Angelique e Malcolm Struan com seus conhecimentos, enquanto tinha a oportunidade. Toda aquela conversa o deixara com uma tremenda sede. Levava no bolso do lado um frasco fino de prata, mas refletiu, pesaroso, que seria uma demonstração de maus modos tomar um trago de uísque na presença da moça.

— Poderíamos obter permissão para ir até lá, Malcolm? — indagou ela. — Para visitar essa tal de Iedo?

— Duvido muito. Por que não pergunta a monsieur Seratar’?

— É o que farei. — Angelique notou que ele pronunciara o nome da forma correta, omitindo o “d”, como lhe ensinara. Isso é ótimo, pensou ela, tornando a desviar os olhos para a Tokaidô. — Onde termina a estrada?