Выбрать главу

Era a parte insalubre da colônia, onde ficavam os bares e pensões mais sórdidos, em torno do único bordel europeu.

— É para os soldados e marujos, para a gentalha, os vagabundos, imigrantes sem dinheiro, jogadores e aventureiros, que ali se reúnem, no maior sofrimento. Em cada porto se encontra um lugar assim, porque ainda não temos polícia, nem leis de imigração. Talvez a cidade dos bêbados seja uma válvula de segurança, mas é insensato visitá-la depois do escurecer. Se preza a sua carteira e suas partes privadas, não as leve até lá. Musuko-san merece melhor.

— O que significa isso?

— É uma palavra muito importante. Musuko significa filho ou meu filho. Musuko-san significa literalmente honorável filho ou senhor meu filho. Só que na gíria é pau, ou meu honorável pau, pura e simplesmente. As mulheres são chamadas de musume. Na verdade, a palavra significa filha ou minha filha, mas no mundo dos salgueiros é vagina. Você tem de dizer à sua mulher “Konbanwa, musume-san”. Boa noite, chérie. Mas se você o diz com um piscar dos olhos, ela compreende o que está querendo dizer: Como está ela? Como está seu rego de ouro, como os chineses às vezes chamam a passagem de um homem para o paraíso... são muito espertos, os chineses, porque os lados são sem dúvida revestidos de ouro, o todo é nutrido por ouro, e só se consegue abrir com ouro, de um jeito ou de outro...

Tyrer recostou-se, o caderno de anotações esquecido, o cérebro fervilhando. Quase sem perceber o que fazia, abriu o livro de ukiyo-e, que escondera na pasta, e pôs-se a examinar as ilustrações. Abruptamente, tornou a guardá-lo.

Não havia futuro em olhar imagens obscenas, refletiu ele, dominado pela repulsa. A vela gotejava agora. Ele soprou a vela, deitou-se, sentindo a dor familiar entre as pemas.

André é mesmo um homem de sorte. É óbvio que ele tem uma amante. O que deve ser maravilhoso, mesmo que só a metade do que ele diz seja verdade.

Será que eu também poderia ter uma? Poderia comprar um contrato? André disse que muitos por aqui fazem isso, alugam casas pequenas em Yoshiwara, que podem ser secretas e discretas, para quem assim desejar.

— Correm rumores de que todos os ministros possuem uma, e Sir William com certeza, vai lá pelo menos uma vez por semana... ele acha que ninguém sabe. mas todos o espionam e riem... menos o holandês, que é impotente, segundo os rumores, e o russo, que abertamente prefere experimentar casas diferentes...

Devo me arriscar, se tiver condições? Afinal, André me forneceu um motivo niuito especiaclass="underline"

— Para aprender japonês depressa, monsieur, adquira um dicionário vivo... é o único jeito.

Mas seu último pensamento, antes que o sono o dominasse, foi outro: Gostaria de saber por que André foi tão gentil comigo, tão loquaz. É raro para um francês se abrir com um inglês. Muito raro. E é estranho que ele não tenha mencionado Angelique uma única vez...

Faltava pouco para amanhecer. Ori e Hiraga, outra vez em roupas de ninja, saíram de seu esconderijo, no terreno do templo, acima da legação, desceram correndo a ladeira, sem fazer barulho, atravessaram a ponte de madeira, entraram numa viela, percorreram-na, continuaram por outra. Hiraga seguia na frente. Um cachorro os viu, rosnou, avançou para os dois, e morreu. O golpe curto e hábil da espada de Hiraga causou a morte instantânea, e ele seguiu adiante, apressado, a lâmina desembainhada, sem perder um passo, aprofundando-se mais e mais pela cidade. Ori o seguia com o maior cuidado. Hoje seu ferimento começara a infeccionar. À sombra de uma cabana, numa esquina discreta, Hiraga parou.

— É seguro aqui, Ori — sussurrou ele.

Os dois tiraram as roupas de ninja e as guardaram numa bolsa macia que Hiraga trazia, pendurada ao ombro, substituindo-as por quimonos comuns. Com extremo cuidado, Hiraga limpou sua espada com um pedaço de seda, carregado para esse propósito por todos os espadachins, e enfiou-a na bainha.

— Pronto?

— Pronto.

Hiraga tornou a seguir na frente, pelo labirinto de vielas, em passos seguros, permanecendo sob cobertura onde podia, hesitando diante de cada espaço aberto, até se certificar de que não havia perigo, não veriam ninguém, não encontrariam ninguém, depois seguindo adiante, a caminho da casa segura.

Haviam vigiado a legação desde o início da manhã, os bonzos — sacerdotes budistas — fingindo não notá-los, depois de se convencerem de que não eram ladrões, e de Hiraga ter se identificado e explicado sua missão: espionar os gai-jin. Todos os bonzos eram xenófobos fanáticos, contra os gai-jin, para eles sinônimo de jesuítas, ainda os seus mais odiados e temidos inimigos.

— Ah, vocês são shishi, então são bem-vindos — dissera o velho monge. — ademais esquecemos que os jesuítas nos arruinaram, e que os xóguns de Toranaga foram o nosso flagelo.

De meados do século XV e até o início do século XVI, só os portugueses conheciam o caminho para o Japão. Éditos papais também lhes concederam exclusividade sobre as ilhas, e aos jesuítas portugueses o direito exclusivo de proselitismo. Em poucos anos, eles converteram tantos daimios ao catolicismo, e por conseguinte seus súditos, que o ditador Goroda os usara como uma desculpa para massacrar milhares de monges budistas, que naquele tempo eram militantes dominantes no país, e se opunham a ele.

O tairo Nakamura, que herdara seu poder, expandira-o imensamente e jogara os bonzos contra os jesuítas, com perseguições, sofrimentos e mortes. E depois viera Toranaga.

Tolerante com todas as religiões, embora não com a influência estrangeira Toranaga observara que todos os daimios convertidos haviam inicialmente lutado contra ele, em Sekigahara. Três anos depois tornara-se o xógum, e dois anos mais tarde renunciara em favor do filho, Sudara, embora mantivesse o poder de fato— um antigo costume japonês.

Durante sua vida, controlara com todo rigor os jesuítas e budistas, e eliminara ou neutralizara os daimios católicos. Seu filho, o xógum Sudara, aumentara a repressão, e o filho dele, o xógum Hironaga, arrematara o plano delineado no legado, em que o cristianismo era formalmente proibido no Japão, sob pena de morte. Em 1.638, o xógum Hironaga destruíra o último bastião cristão, em Shimabara, perto de Nagasáqui, onde uns poucos milhares de ronin, trinta mil camponeses e suas famílias se rebelavam contra ele. Os que se recusaram a abjurar foram crucificados ou executados pela espada, como criminosos comuns. Só um punhado se recusou. Depois, ele concentrara sua atenção nos budistas. Em poucos dias determinara que lhe entregassem todas as suas terras de presente e mandara prendê-los.

— São bem-vindos, Hiraga-san, Ori-san — repetira o velho monge. — Somos a favor dos shishi, por Sonno-joi e contra o xogunato. Estão livres para circularem por aqui. Se precisarem de ajuda, basta nos avisarem.