Misamoto fizera uma pausa, o rosto se contraindo em angústia.
— Mas eles não quiseram me escutar, Sire, não tentaram compreender... fui amarrado e trazido para Iedo... isso aconteceu há cerca de cinco anos, lorde, e desde então tenho sido tratado como criminoso, confinado como tal, embora não na prisão, e continuei a explicar e explicar que não era um espião, mas sim um homem leal de Izu, e contei para todo mundo o que tinha me acontecido...
Para repulsa de Yoshi, as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto do homem. Ele tratara de interromper a lamúria.
— Pare com isso! Sabe ou não sabe que é proibido, por lei, deixar o Nipão sem autorização?
— Sei, lorde, mas eu pen...
— E sabe que, pela mesma lei, se violada, qualquer que tenha sido o motivo, quem querque seja a pessoa, o culpado está proibido de voltar, sob pena de morte?
— Sei, sim, Sire. Mas não imaginei que me incluiria, Sire. Pensei que seria bem recebido, e meus conhecimentos apreciados, porque me perdi no mar sem querer. Foi a tempestade que...
— Uma lei é uma lei. Esta lei é uma boa lei. Evita a contaminação. Acha que foi tratado injustamente?
— Oh, não, lorde! — exclamara Misamoto, removendo as lágrimas, com um medo ainda maior, a cabeça inclinada para o tatame. — Por favor, desculpe-me. suplico o seu perdão, por favor...
— Limite-se a responder às perguntas. Até que ponto seu inglês é fluente?
— Eu... eu compreendo e falo um pouco de inglês americano, Sire.
— É a mesma língua que os gai-jin aqui falam?
— É, sim, Sire, mais ou menos...
— Quando esteve com o americano Harris, você estava de barba ou sem?
— De barba, Sire. Tinha uma barba aparada, como a maioria dos marujos. Deixei os cabelos crescerem como os deles, e prendi num rabo-de-cavalo.
— Quem você conheceu junto com o gai-jin Harris?
— Só ele, Sire, durante cerca de uma hora. Um dos seus homens estava presente. Não me lembro do nome dele.
Yoshi tornara a avaliar os perigos de seu plano: comparecer à reunião disfarçado, sem a aprovação do conselho, e usar aquele homem como um espião, para ouvir secretamente o que o inimigo dizia. Talvez Misamoto já fosse um espião, para os gai-jin, pensara ele, sombrio, como todos os seus interrogadores acreditam. Não resta a menor dúvida de que ele é um mentiroso, sua história é fácil demais, seus olhos muito astuciosos, e parece uma raposa quando baixa a guarda.
— Muito bem. Mais tarde, quero saber tudo o que você aprendeu, tudo mesmo e... sabe ler e escrever?
— Sei, lorde, mas apenas um pouco em inglês.
— Ótimo. Tenho um uso para você. Se obedecer sem hesitação e me agradar, posso revisar seu caso. Mas se me falhar em qualquer coisa, por menor que seja, garanto que vai se arrepender.
Ele explicara o que queria, e designara instrutores. Quando os guardas trouxeram Misamoto de volta, no dia anterior, de rosto raspado, os cabelos penteados como os de um samurai, e usando as roupas de uma autoridade, inclusive com as duas espadas, embora fossem falsas, sem as lâminas, Yoshi não o reconhecera.
— Está ótimo. Ande de um lado para outro. Misamoto obedecera, e Yoshi se impressionara pela rapidez com que o homem aprendera a postura empertigada que o mestre lhe ensinara, não a atitude servil de um pescador, correta e normal. Depressa demais, refletira ele, convencido agora de que Misamoto era mais ou menos o que queria que os outros vissem.
— Compreende direito o que deve fazer?
— Compreendo, Sire. E juro que não falharei, Sire.
— Sei disso. Meus guardas têm ordens para matá-lo no instante em que sair do meu lado, ou se tornar desastrado... ou indiscreto.
— Vamos fazer uma pausa de dez minutos — disse Sir William, cansado. — Comunique isso a eles, Johann.
Depois da tradução, Johann Favrod, o intérprete suíço, informou:
— Eles perguntam por quê. — Ele deixou escapar um bocejo. — Desculpe. Parece que eles acham que já discutiram todas as questões, etc, etc, que vão transmitir sua mensagem etc, etc, e voltarão a se reunir em Kanagawa com a resposta dos superiores etc, etc, dentro de sessenta dias, como foi sugerido antes etc, etc.
O russo murmurou:
— Deixe-me assumir o comando da esquadra por um dia, e resolverei essa questão e acabarei com todo o problema.
— É bem possível — concordou Sir William, para depois acrescentar, num russo fluente: — Desculpe, meu caro conde, mas estamos aqui para uma solução diplomática, de preferência.
Voltando a falar em inglês, ele instruiu:
— Mostre a eles onde esperar, Johann. Vamos nos retirar, senhores?
Sir William levantou-se, fez uma mesura rígida e seguiu na frente para outra sala. Ao passar por Phillip Tyrer, ele murmurou:
— Fique com os japoneses, mantenha os olhos e ouvidos bem abertos. Todos os ministros se encaminharam para o urinol no canto da outra sala.
— Santo Deus! — exclamou Sir William, aliviado. — Pensei que minha bexiga ia estourar.
Lun entrou em seguida, seguido por outros criados, carregando bandejas.
— Chá e sanduíche, senhor. — Ele sacudiu um polegar, na direção da outra sala, desdenhoso. — A mesma coisa para os macacos ali?
— É melhor não deixar que eles o escutem dizer isso. Talvez um deles fale pidgin.
Lun ficou aturdido.
— O que disse, senhor?
— Ora, não importa.
Lun se retirou, rindo para si mesmo.
— Como já esperávamos, senhores, nenhum progresso.
Seratard acendia seu cachimbo, com André Poncin ao lado, satisfeito com a frustração de Sir William.
— O que propõe fazermos, Sir William?
— Qual é o seu conselho?
— É um problema britânico, apenas parcialmente francês. Se dependesse só de mim, já teria acertado como francês... no mesmo dia em que aconteceu.
— Neste caso, é claro, mein Herr, precisaria de uma esquadra igualmente forte — comentou Von Heimrich, em tom brusco.
— Tem toda razão. Na Europa, contamos com muitas, como sabe. E se a política imperial francesa fosse a de vir para cá com uma grande força, como nossos aliados britânicos, teríamos uma ou duas esquadras nestas águas.
— Bem... — Sir William sentia-se muito cansado. — Parece evidente que o conselho coletivo é ser duro com eles.