— Duro e implacável — declarou o conde Zergeyev.
— Ja.
— Isso mesmo — confirmou Seratard. — Pensei que já tinha chegado a essa decisão, Sir William.
O ministro comeu um sanduíche e terminou de tomar o chá.
— Muito bem. Encerrarei esta reunião agora e convocarei outra para as dez horas de amanhã, com um ultimato: um encontro com o xógum dentro de uma semana, os assassinos, a indenização, ou então... com a aprovação conjunta, é claro.
Seratard disse:
— Sugiro, Sir William, tendo em vista as dificuldades que eles podem ter para marcar uma reunião com o xógum, que deixemos isso para mais tarde, até recebermos reforços... e uma razão autêntica para nos encontrarmos com ele.
Afinal, esta manobra é uma demonstração de força para corrigir um erro, não para implementar a política imperial, a de vocês ou a nossa.
— Bem pensado — comentou o prussiano, com visível relutância.
Sir William refletiu sobre as razões por trás da sugestão, mas não pôde encontrar falha ou risco oculto.
— Está certo. Exigiremos uma reunião com o xógum “o mais depressa possível”. Todos concordam?
Os outros acenaram com a cabeça.
— Com licença, Sir William — interveio André Poncin, muito amável. — Posso sugerir que eu lhes transmita sua decisão... pois reiniciar a reunião e encerrá-la no instante seguinte seria uma perda de prestígio. Concorda?
— Uma boa idéia, André — disse Seratard.
Até onde os outros sabiam, Poncin era apenas um mercador, com algum conhecimento dos costumes japoneses e uma noção da língua, um amigo pessoal e intérprete ocasional. Na verdade, porém, Poncin era um espião de alto nível, empregado para descobrir e neutralizar todos os esforços britânicos, alemães e russos nas ilhas japonesas.
— O que acha, Sir William? — acrescentou o ministro francês.
— Concordo — respondeu Sir William, pensativo. — Você tem toda razão, André. Obrigado. Não devo cuidar disso pessoalmente. Lun!
A porta foi aberta no mesmo instante.
— Pois não, senhor?
— Chame o Sr. Tyrer, agora mesmo! — para os outros, o inglês acrescentou: — Tyrer pode fazer isso por mim, já que é um problema britânico.
Quando Phillip Tyrer retornou à outra sala, dando para o pátio, aproximou-se de Johann com toda a dignidade que era capaz de exibir. Os representantes do Bakufu não lhe dispensaram a menor atenção e continuaram a conversar, Yoshi um pouco apartado, com Misamoto a seu lado, o único que ainda não dissera coisa alguma.
— Johann, transmita a eles os cumprimentos de Sir William e diga-lhes que a reunião insatisfatória de hoje foi suspensa. Devem voltar amanhã, às dez horas, para o que Sir William espera que seja uma conclusão satisfatória para esse problema injustificado: queremos os assassinos, a indenização e a garantia de uma reunião o mais depressa possível com o xógum, ou vamos tomar outra atitude.
Johann empalideceu.
— Exatamente assim?
— Isso mesmo, exatamente assim. — Tyrer também se cansara da indecisão, não podia esquecer a morte violenta de John Canterbury, os graves ferimentos de Malcom Struan e o terror de Angelique. — Diga a eles!
Ele observou Johann comunicar o ultimato curto, num holandês gutural. O intérprete japonês ficou vermelho e iniciou a longa tradução, enquanto Tyrer ouvia atento.
Os Japoneses ouviam com a maior atenção, sem dar a impressão de que o faziam. Quatro se mostraram atentos, o quinto não, o homenzinho de olhos quase fechados, as mãos calosas, o que não notara antes... todos os outros tinham mãos impecáveis. Outra vez esse homem se pôs a sussurrar para o delegado mais jovem e mais bonito, Watanabe, como já ocorrera em diversas ocasiões, ao longo do dia.
Eu bem que gostaria de entender o que eles estão dizendo, pensou Tyrer irritado, mais determinado do que nunca a fazer qualquer coisa que fosse necessária para aprender a língua depressa.
Quando o chocado e embaraçado intérprete terminou, houve silêncio, rompido apenas por respirações profundas, embora todos os rostos permanecessem impassíveis. Durante a tradução, Tyrer percebera que dois dos homens lançavam olhares furtivos para Watanabe.
Por quê?
Agora, eles pareciam esperar. Watanabe baixou os olhos, ocultou-se por trás do leque e murmurou alguma coisa. No mesmo instante, o homem de olhos estreitos ao seu lado se levantou, meio desajeitado, e falou rapidamente. Aliviados, os outros se levantaram também e saíram em silêncio, sem fazerem uma reverência, Watanabe por último, à exceção do intérprete.
— Johann, eles realmente receberam a mensagem desta vez — comentou Tyrer, satisfeito.
— Tem razão. E ficaram bastante irritados.
— É evidente que era isso que Sir William queria.
Johann enxugou o suor da testa. Tinha cabelos castanhos, estatura mediana, era magro, com um rosto forte e vincado.
— Quanto mais cedo você se tornar o intérprete, melhor. Já é tempo de eu voltar para minha casa, nas montanhas, voltar para a neve, enquanto ainda tenho a cabeça intacta. Há muitos desses cretinos por aqui e são imprevisíveis.
— Como intérprete, você ocupa uma posição privilegiada — ressaltou Tyrer, inquieto. — É o primeiro a saber.
— E o portador das más notícias! São todas más notícias, mon vieux. Eles nos odeiam e mal podem esperar para nos expulsar. Fiz um contrato com seu Ministério do Exterior por dois anos, renovável por consentimento mútuo. O contrato expira dentro de dois meses e três dias e vou esquecer meu inglês.
Johann foi até o aparador, perto da janela, e tomou um longo gole da cerveja que pedira, em lugar do chá.
— Não haverá renovação, qualquer que seja a tentação. — Ele exibiu de repente um sorriso radiante. — Merde, terei um problema para sair daqui.
Tyrer riu da expressão maliciosa do intérprete.
— Musume? Sua garota?
— Você aprende depressa.
No pátio, os delegados do Bakufu embarcavam em seus palanquins. Toda a atividade por ali cessara, os seis jardineiros ajoelhados, imóveis, a cabeça na terra-Misamoto esperava ao lado de Yoshi, consciente de que não continuaria de pé se cometesse qualquer erro, torcendo desesperado para ter passado no primeiro teste.
De uma forma ou de outra, serei útil a esse desgraçado, pensou ele, em inglês, até poder embarcar num navio americano e poder retornar ao paraíso. Contarei ao capitão que fui seqüestrado da equipe de Harris por essa escória...
Ele levantou os olhos, descobriu que Yoshi o observava e ficou imóvel.