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Depois de uma pausa insólita, Canterbury respondeu:

— Não sabemos. O país inteiro é um mistério, não resta a menor dúvida de que os japoneses querem mantê-lo assim, e que não gostam de nós, de nenhum de nós. Chamam-nos de gai-jin, estrangeiros. Outra palavra é i-jin, que significa “pessoa diferente”. Não sei qual é a diferença, exceto que chamar alguém de gai-jin não é muito polido. — Ele soltou uma risada. — Seja como for, não gostam de nós. E somos diferentes... ou eles são.

Canterbury acendeu um charuto, antes de continuar:

— Afinal, mantiveram o Japão completamente fechado por quase dois séculos e meio, até que o Velho Perry os obrigou a se abrirem, há nove anos. — O tom era de admiração. — Os rumores são de que a Tokaidô termina numa grande cidade, uma espécie de cidade sagrada, chamada Quioto, onde vive seu sumo sacerdote... conhecido como micado. Pelo que estamos informados, a cidade é tão sagrada que só não é proibida para uns poucos japoneses especiais.

— Os diplomatas podem viajar para o interior — interveio Tyrer, em tom incisivo. — O tratado permite, Sr. Canterbury.

O mercador tirou o chapéu de pele de castor, do qual sentia o maior orgulho, enxugou a testa e decidiu que não permitiria que o jovem estragasse sua alegria. Um garoto petulante, com uma voz irritante, pensou ele, eu poderia parti-lo ao meio sem nem mesmo peidar.

— Depende da maneira como se interpreta o tratado e se deseja manter a cabeça nos ombros. Eu não o aconselharia a deixar a área de segurança combinada, que se estende por uns poucos quilômetros para o norte, o sul e o interior, independente do que diz o tratado... ainda não, ou pelo menos sem a proteção de um ou dois regimentos. — Apesar de sua determinação, Canterbury sentia-se fascinado pela curva dos amplos seios da moça, delineados pela blusa justa. — Estamos encurralados aqui, mas não é tão ruim assim. O mesmo acontece com nossa colônia em Nagasáqui, duzentas léguas a oeste.

— Léguas? Não compreendo — disse Angelique, disfarçando sua diversão e prazer pelo desejo que a cercava. — Pode explicar, por favor?

Foi Tyrer quem respondeu, com um ar de importância:

— Uma légua tem cerca de cinco quilômetros, mademoiselle. — Ele era alto e esguio, não fazia muito tempo que saíra da universidade, e se descobria apaixonado pelos olhos azuis e a elegância parisiense de Angelique. — Hum... o que era mesmo que estava dizendo, Sr. Canterbury?

O mercador desviou sua atenção do busto da moça.

— Apenas que a situação não vai melhorar muito, mesmo depois que os outros portos forem abertos. Em breve, muito em breve, teremos de forçá-los a nos aceitarem, de um jeito ou de outro, se quisermos ter um comércio de verdade.

Tyrer ficou surpreso.

— Está pensando numa guerra?

— Por que não? Para que servem as esquadras? E os exércitos? Deu certo na Índia, China, por toda parte. Somos o império britânico, o maior e o melhor que já existiu no mundo. Estamos aqui para promover o comércio, mas podemos aproveitar e lhes dar ordem e leis apropriadas, para impor a civilização. — Canterbury olhou para a estrada, irritado com a hostilidade que emanava de lá. — Gente feia, não acha, senhorita?

Mon Dieu, eu gostaria que não nos olhassem dessa maneira.

— Receio que terá de se acostumar. Acontece a mesma coisa em toda parte. E, como disse o Sr. Struan, Hong Kong é pior. Seja como for, Sr. Struan, não me importo em lhe dizer que precisamos aqui de nossa própria ilha, de um lugar que nos pertença, não de uma faixa de terra pútrida e malcheirosa, na costa, com apenas um quilômetro e meio, indefensável, sujeita a ataques e chantagem a qualquer momento, se não fosse por nossa esquadra. Deveríamos capturar uma ilha, como seu avô fez com Hong Kong, abençoado seja.

— Talvez façamos isso — declarou Malcolm Struan, confiante, animado pela lembrança de seu famoso ancestral, o Tai-pan Dirk Struan, fundador da companhia e um dos principais criadores da colônia, vinte e tantos anos antes, em 1841.

Sem perceber o que fazia, Canterbury tirou do bolso o frasco de prata, tomou um trago, limpou a boca com o dorso da mão, tornou a guardar o frasco.

— Vamos prosseguir. É melhor eu seguir à frente, em fila única, quando houver necessidade, e esqueçam os japoneses. Sr. Struan, talvez seja melhor permanecer ao lado da moça, enquanto o Sr. Tyrer fica na retaguarda.

Satisfeito consigo mesmo, ele esporeou o pônei para um trote rápido. Quando Angelique veio para o seu lado, os olhos de Struan contraíram-se num sorriso. Estava abertamente apaixonado por ela desde o primeiro momento em que a vira, quatro meses antes, em Hong Kong, no próprio dia em que chegara... para tomar a ilha de assalto. Cabelos louros, pele impecável, olhos de um azul profundo, com um atraente narizinho arrebitado em um rosto oval, que não chegava a ser lindo, mas possuía estranho fascínio, arrebatador, muito parisiense, sua inocência e juventude sobrepostas por uma sensualidade perceptível, constante, embora inconsciente, que suplicava para ser mitigada. E isso num mundo de homens sem esposas apropriadas, sem grandes esperanças de encontrar alguma na Ásia, ainda menos alguém como ela. Muitos dos homens eram ricos, uns poucos eram príncipes dos mercadores.

— Não preste atenção aos nativos, Angelique — sussurrou ele. — Estão apenas impressionados com você.

Ela sorriu. Como uma imperatriz, inclinou a cabeça.

Merci, monsieur, vous êtes três aimable.

Struan já se sentia muito contente, e agora se sentiu também seguro. Era o destino, Deus nos reuniu, pensou ele, exultante, planejando o retorno, o pedido de permissão ao pai para casar. Por que não no Natal?

O Natal será perfeito. Casaremos na primavera, e iremos viver na Casa Grande, no Pico, em Hong Kong. Sei que a mãe e o pai já a adoram... por Deus, espero que ele esteja mesmo melhor. Daremos uma grande festa de Natal.

Depois de alcançarem a estrada, o grupo efetuou progresso rápido, tomando cuidado para não obstruir o movimento. Mas, quer gostassem ou não, aquela presença inesperada, para a vasta maioria dos incrédulos japoneses, que nunca haviam visto pessoas daquele tamanho, formato e cor, em particular a moça — além dos estranhos chapéus e sobrecasacas, calças pretas e botas de montaria, mais o traje de equitação de Angelique, a sela de lado e a pluma graciosa na cartola —, criava inevitáveis paralisações no tráfego.

Tanto Canterbury quanto Struan observavam as pessoas na estrada com a maior atenção, à medida que mais viajantes passavam por eles, num verdadeiro turbilhão, embora sempre abrindo espaço para que avançassem. Nenhum dos dois pressentia ou esperava qualquer perigo. Angelique mantinha-se bem perto de Struan, fingindo ignorar os risos e o espanto, até mesmo a mão ocasional que tentava tocá-la, chocada pela maneira como os homens levantavam seus quimonos, sem a menor cerimônia, expondo as tangas sumárias e a ampla nudez. “Querida Colette, você nunca acreditaria”, pensou ela, continuando a carta que concluiria naquela noite, para sua melhor amiga em Paris, “mas a vasta maioria das legiões de carregadores na estrada pública usa APENAS tangas mínimas, que quase nada escondem na frente, e se tornam mera linha entre as nádegas por trás! Juro que é verdade, e posso acrescentar que muitos nativos são bastante cabeludos, embora suas partes íntimas sejam em geral pequenas. Eu me pergunto se Malcolm...” Ela sentiu que corava, e perguntou, puxando conversa: