— Claro que sei. Muito bem, já vou desembarcar. Peço a presença dos dois na reunião em terra às dez horas da manhã. Por gentileza, dispare uma salva ao amanhecer. Thomas, por favor, desembarque com duzentos dragões, para garantir a área do cais.
— Posso saber por que mais duzentos homens? — indagou o general. — já tenho uma companhia em terra.
— Talvez eu queira tomar alguns reféns. Boa noite.
Sir William saiu, fechou a porta. Os dois homens ficaram olhando para a porta.
— Ele fala sério?
— Não sei, Thomas. Mas com o honorável impetuoso William sanguinário Aylesbury, nunca se sabe.
Na mais profunda escuridão, outro destacamento de samurais fortemente armados saiu pelo portão principal do castelo, correu em silêncio pela ponte levadiça, atravessou a outra ponte, sobre o fosso mais largo, e seguiu para a área da legação. Outras companhias também convergiam para lá. Mais de dois mil samurais tomaram posição, com outros mil prontos para avançarem, quando ordenados.
Sir William subia do cais, com sua guarda, um oficial e dez Highlanders, através das ruas desertas. Sentia-se deprimido e cansado, pensando no dia seguinte, tentando conceber uma maneira de sair do impasse. Outra esquina, mais outra. Ao final daquela rua, ficava o espaço aberto que se tinha de atravessar para alcançar a legação.
— Santo Deus, senhor, olhe ali!
O espaço se encontrava apinhado de samurais silenciosos, imóveis, observando-os. Todos fortemente armados. Espadas, arcos, lanças, uns poucos mosquetes. Um ligeiro ruído, e o grupo de Sir William olhou ao redor. A rua por trás também fora bloqueada por guerreiros silenciosos.
— Essa não! — murmurou o jovem oficial.
— É mesmo uma situação difícil.
Sir William suspirou. Aquela podia ser uma solução, mas que Deus tivesse piedade deles. Se fossem atacados, a esquadra reagiria.
— Vamos seguir em frente. Mande seus homens se prepararem para a luta, se for necessário. Soltem as travas de segurança.
Ele foi à frente, não se sentindo bravo, mas apenas com a sensação de que a alma saíra de seu corpo, observava a si mesmo e aos outros como se estivesse num ponto mais adiante da rua. Havia uma passagem estreita entre os samurais, com um oficial na frente. Quando Sir William chegou a três metros de distância, o homem fez uma mesura polida, de igual para igual. Sir William observou-se a levantar seu chapéu com a mesma polidez e continuar a andar. Os soldados o seguiram, empunhando seus rifles, os dedos nos gatilhos.
E foram subindo pela ladeira. O mesmo silêncio, a mesma vigilância. Até o portão. Uma vasta concentração de samurais, imóveis. Mas nenhum no pátio da legação. O pátio e os jardins se achavam ocupados por Highlanders, armados e prontos para o combate, com outros no telhado e nas janelas. Soldados abriram o portão para Sir William entrar e o trancaram em seguida.
Tyrer e os outros esperavam no vestíbulo, alguns em trajes de dormir, alguns parcialmente vestidos, e se agruparam em torno de Sir William.
— Por Deus, Sir William — disse Tyrer, em nome de todos os outros — ficamos apavorados com a idéia de que poderiam tê-lo capturado.
— Há quanto tempo eles estão aqui?
— Chegaram por volta de meia-noite, senhor — informou um oficial. — Tínhamos sentinelas lá embaixo. Quando eles se aproximaram, os rapazes nos deram o aviso e recuaram. Não tínhamos como alertá-lo ou transmitir qualquer sinal para a esquadra. Se eles esperarem até o amanhecer poderemos resistir até recebermos reforços e a esquadra iniciar o bombardeio.
— Ótimo — disse Sir William, calmamente. — Neste caso, sugiro que todos devemos nos recolher, deixando uns poucos homens de guarda. Os outros podem ir dormir.
— Como, senhor? — murmurou o oficial, perplexo.
— Se eles quisessem nos atacar, já o teriam feito, sem o tratamento silencioso e o exibicionismo. — Sir William percebeu que todos o fitavam, aturdidos, e sentiu-se um pouco melhor, não mais tão deprimido. Encaminhou-se para a escada. — Boa noite.
— Mas, senhor, não acha...
A frase não foi concluída. Sir William suspirou, cansado.
— Se deseja manter seus homens acordados, faça-o, por favor... se isso o deixa mais feliz.
Um sargento entrou apressado no vestíbulo e avisou:
— Senhor, eles estão indo embora! Os japoneses começaram a se retirar! Olhando pela janela do patamar, Sir William constatou que os samurais estavam mesmo desaparecendo na escuridão da noite.
Pela primeira vez, ele teve medo. Não esperava que sumissem assim. Em poucos momentos, a ladeira ficou deserta, o espaço lá embaixo vazio. Mas ele teve o pressentimento de que não haviam ido muito longe, que cada vão de porta e rua transversal se achavam apinhados de inimigos, esperando para desfechar o ataque.
Graças a Deus que os outros ministros e a maioria dos nossos homens se encontram a bordo dos navios, sãos e salvos. Graças a Deus, pensou Sir William, continuou a subir a escada, em passos bastante firmes, para encorajar os homens que o observavam.
11
Quinta-feira, 18 de setembro:
A estalagem dos quarenta e sete ronin ficava numa viela suja, não muito longe do castelo de Iedo, afastada da estrada de terra, e quase escondida por uma cerca alta e malcuidada. Da rua, a estalagem parecia sórdida e ordinária. Mas o interior era opulento, a cerca sólida. Jardins bem cuidados cercavam o prédio amplo, de um só andar, e os muitos bangalôs isolados, de um só cômodo, erguidos sobre estacas baixas, e reservados a hóspedes especiais... e para a privacidade. Os frequentadores da estalagem eram prósperos mercadores, mas também era uma casa segura para determinados shishi.
Agora, pouco antes do amanhecer, prevalecia o sossego, com todos os fregueses, cortesãs, mama-san, criadas e servos dormindo. Exceto pelos shishi. Em silêncio, eles se armavam.
Ori sentava na varanda de um dos bangalôs , o quimono arriado na cintura. Com extrema dificuldade, trocava a bandagem do ferimento no ombro. O ferimento exibia agora uma coloração vermelha acentuada e se tornara bastante doloroso. Todo o seu braço latejava e ele sabia que precisava urgente de um médico. Mesmo assim, dissera a Hiraga que era perigoso demais trazer um até ali ou sair à sua procura:
— Posso ser seguido. Não devemos nos arriscar, pois há muitos espiões por aqui. Iedo é um santuário de Toranaga.
— Concordo. Volte para Kanagawa.
— Depois que a missão for concluída.