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O dedo de Ori escorregou e roçou no ferimento infeccionado, provocando uma pontada de dor que percorreu todo o seu corpo. Não há pressa, um médico pode lancetar e remover todo o veneno, pensou ele, apenas parcialmente acreditando nisso. Karma. E karma se continuar a apodrecer. Ele estava tão distraído que não notou o ninja passar por cima da cerca e se erguer por trás dele. Seu coração disparou no susto quando o ninja pôs a mão em sua boca, a fim de impedir qualquer barulho.

— Sou eu! — sussurrou Hiraga, furioso, soltando-o em seguida. — Eu poderia tê-lo matado vinte vezes.

— É verdade. — Ori forçou um sorriso e apontou. Entre as moitas, havia outro samurai, a flecha em posição no arco.— Mas é ele quem monta guarda, não eu.

— Otimo. — Hiraga cumprimentou o guarda, apaziguado, removeu a máscara que cobria seu rosto. — Os outros estão lá dentro e prontos, Ori?

— Estão, sim.

— E seu braço? — Não sinto nada.

Ori suspirou e o rosto se contorceu em dor, no momento em que Hiraga estendeu a mão e apertou seu ombro. Lágrimas afloraram aos olhos, mas ele permaneceu em silêncio.

— Você seria um peso morto. Não pode ir conosco hoje. Terá de voltar para Kanagawa.

Hiraga atravessou a varanda, entrou no bangalô. Desanimado, Ori seguiu-o. Havia onze shishi sentados no tatame, armados. Nove eram de Choshu, compatriotas de Hiraga. Os dois recém-chegados eram da patrulha de Mori que os deixara passar no dia anterior, para mais tarde desertarem e pedirem permissão para se juntarem a eles. Hiraga sentou, exausto.

— Não consegui chegar nem a duzentos passos do templo ou da legação. Não poderemos atirar e matar lorde Yoshi e os outros quando chegarem. Teremos de emboscá-los em outro lugar.

— Com licença, Hiraga-san, mas tem certeza de que é mesmo lorde Yoshi? — indagou um dos homens de Mori.

— Tenho, sim.

— Ainda não posso acreditar que ele se arriscasse a sair do castelo com uns poucos guardas só para se encontrar com alguns gai-jin fedorentos, mesmo disfarçado. Ele é esperto demais, não pode deixar de saber que é o supremo alvo para os shishi, abaixo apenas do xógum, maior até do que o traidor Anjo.

— Ele não é tão esperto assim e pude reconhecê-lo — garantiu Hiraga, que não confiava nos samurais de Mori. — Já estive perto dele uma ocasião, em Quioto. Qualquer que fosse o seu motivo, ele só se arriscou a ir à legação sem guardas uma vez, não duas. Deve ser por isso que a área fervilha de samurais do Bakufu. Mas, amanhã, ele tornará a sair do castelo. É uma oportunidade que não podemos perder. Podemos fazer uma emboscada em outro lugar? Alguém sabe?

— Depende do número de samurais no cortejo — disse um dos samurais de Mori. — Se houver uma reunião, como querem os gai-jin.

— Se? Lorde Yoshi tentaria algum estratagema?

— Eu tentaria, se estivesse em seu lugar. E ele é conhecido como Raposa.

— O que você faria?

O homem coçou o queixo.

— Encontraria algum jeito de adiar o encontro.

Hiraga franziu o rosto.

— Mas se ele for à legação, como ontem, onde ficaria mais vulnerável?

— Ao sair de seu palanquim — respondeu Ori. — No pátio dos gai-jin.

— Não podemos chegar lá, mesmo com um ataque suicida. O silêncio se prolongou, até que Ori voltou a falar:

— Quanto mais próximo dos portões do castelo, mais seguros seus comandantes se sentiriam, menos seriam os guardas mais próximos, e menor a vigilância na entrada... ou na volta.

Hiraga acenou com a cabeça, satisfeito, sorriu para Ori e disse a um de seus compatriotas:

— Assim que a casa despertar, diga a mama-san que chame um médico para Ori, em segredo e depressa.

Ori se apressou em protestar:

— Concordamos que não seria seguro.

— Alguém como você deve ser protegido. Sua idéia é perfeita.

Ori fez uma reverência em agradecimento.

— Melhor eu ir ao médico, neh?

À primeira claridade do amanhecer, Phillip Tyrer meio que correu, meio que andou até o cais, acompanhado por dois Highlanders, um sargento e um soldado.

— Por Deus, Phillip, dois guardas são mais do que suficientes — dissera Sir William, um momento antes. — Se os japoneses tencionam atacar toda a nossa guarnição, não haverá guardas em número suficiente para protegê-lo. Mas a mensagem tem de ser entregue a Ketterer e você é o escolhido. Adeus!

Como Sir William, ele também teve de passar por centenas de samurais silenciosos, que haviam voltado pouco antes do amanhecer. Ninguém o molestou, nem mesmo pareciam admitir a sua presença, a não ser por ocasionais desvios dos olhos. E agora, à sua frente, surgia o mar. Tyrer acelerou os passos.

— Alto, quem vem aí ou vou explodir sua cabeça! — gritou uma voz das sombras.

Tyrer parou de repente, quase caiu, o coração palpitando de medo.

— Quem você pensa que poderia ser? Sou eu, com uma mensagem urgente para o almirante e o general!

— Desculpe, senhor.

Tyrer embarcou apressado num cúter a caminho da nave capitânia. Sentia-se tão contente por ter escapado da armadilha da legação que quase podia chorar, e exortou os remadores a serem mais rápidos, subindo pela escada de dois em dois degraus.

— Olá, Phillip. — Marlowe era o oficial de vigia no convés principal. — O que aconteceu?

— Olá, John. Onde está o almirante? Tenho um despacho urgente de Sir William para ele. A legação foi cercada por milhares de bastardos.

— Santo Deus! — Na maior ansiedade, Marlowe desceu na frente por uma escada. — Como você escapou?

— Fui andando. Eles me deixaram passar por suas fileiras, sem dizer nada, nenhum deles, apenas me deixaram passar. Não me importo de lhe dizer que fiquei apavorado... eles estão por toda parte, menos dentro de nossos muros e no cais.

A sentinela dos fuzileiros, diante da porta do camarote, bateu continência.

— Bom dia, senhor.

— Despacho urgente para o almirante.

No mesmo instante, uma voz brusca passou pela porta:

— Então, Marlowe, traga-o logo, pelo amor de Deus! Despacho de quem?

Marlowe suspirou, abriu a porta.

— De Sir William, senhor.

— O que aquele idiota fe... — O almirante Ketterer interrompeu a frase no meio, ao perceber a presença de Tyrer. — Ah, você é o assistente dele, não é mesmo?