Sua devotada mãe.”
Os olhos de Angelique tornaram a se encher de lágrimas, pela súbita fantasia de que era ela quem escrevia para seu filho.
— Isso é tudo? Não tem nenhum pós-escrito?
— Não, chéri, não tem mais nada além de “sua devotada mãe”. Ela se mostra muito corajosa. Eu gostaria de ser tão brava assim.
Indiferente a tudo, exceto às implicações daqueles acontecimentos, ela devolveu a carta, foi até a janela que dava para a enseada, abriu-a, enxugou os olhos uma vez. O ar era fresco, dissipou o cheiro de doença. O que fazer agora?
Forçá-lo a voltar às pressas para Hong Kong... deixar este lugar horrível. Espere um pouco. A mãe vai consentir em nosso casamento? Não sei. O que eu faria se estivesse em seu lugar? Sei que ela não gostou de mim, nas poucas vezes em que nos encontramos, uma mulher alta e distante, embora Malcolm garantisse que ela se comportava assim com todas as pessoas fora da família.
— Espere só até conhecê-la melhor, Angelique. Ela é maravilhosa e forte...
Por trás dela, a porta foi aberta, e Ah Tok entrou, sem bater, com uma pequena bandeja de chá numa das mãos.
— Fleh hoh mah, amo — disse ela, desejando bom dia, com um sorriso radiante, que deixava à mostra dois dentes de ouro, dos quais muito se orgulhava. — O amo dormiu bem?
Em cantonês fluente, Malcolm disse:
— Pare de falar desse jeito.
— Está bem.
Ah Tok era a ama pessoal de Malcolm, cuidava dele desde que nascera, e ditava sua própria lei. Mal reconheceu a presença de Angelique, toda a concentração em Struan. Corpulenta, forte, com cinqüenta e seis anos, usando a tradicional bata branca e calça preta, o longo rabicho descendo pelas costas, a indicar que escolhera ser ama como sua profissão, e por isso jurara permanecer casta pela vida inteira, nunca ter filhos que pudessem desviar sua lealdade. Dois criados cantoneses entraram em seguida, com toalhas quentes e água para o banho. Em voz bem alta, ela ordenou-lhes que fechassem a porta, e depois perguntou a Angelique, incisiva:
— Vai ficar?
— Voltarei mais tarde, chéri.
Struan não respondeu, apenas acenou com a cabeça, retribuiu o sorriso e tornou a olhar para a carta, absorto em pensamentos. Angelique deixou sua porta entreaberta. Ah Tok soltou um resmungo de desaprovação, foi fechar a porta com firmeza, mandou que os dois aprontassem logo o banho, serviu o chá.
— Obrigado, mãe — disse ele, em cantonês, usando o título honorífico costumeiro para uma pessoa tão especial, que o acalentara, carregara e protegera quando era indefeso.
— Má notícia, meu filho — disse Ah Tok, pois a informação já se espalhara pela comunidade chinesa.
— Má notícia.
Struan tomou um gole do chá. O gosto era ótimo.
— Vai se sentir melhor depois que tomar um banho e poderemos conversar. Seu honorável pai já estava atrasado para o encontro com os deuses. Ele se encontra lá em cima agora, e você é o tai-pan. Assim, o que era ruim se tornou bom. Mais tarde, ainda esta manhã, eu lhe trarei um chá extra especial, que farei para curar todos os seus males.
— Obrigado.
— Deve-me um tael de prata pelo medicamento.
— Uma quinta parte.
— Pelo menos a metade.
— Uma quinta parte, mãe. — Ele barganhava sem pensar, de uma forma automática, mas não sem gentileza. — E se insistir, terei de lembrá-la que me deve seis meses de salário pagos adiantados, para o funeral de sua mãe... o segundo.
Um dos criados riu, por trás de Ah Tok, mas ela fingiu não perceber.
— Se assim diz, tai-pan.
Ah Tok usou o título com extrema delicadeza, a primeira vez em que o empregava para Malcolm, observando-o, sem perder nada, e depois acrescentou ríspida, para os dois homens que o lavavam com esponjas, de um modo eficiente e cuidadoso:
— Apressem o trabalho. Meu filho, o tai-pan, terá de suportar seus cuidados ineptos durante o dia inteiro?
Um dos homens teve a insensatez de soltar um grunhido em resposta.
— Tome cuidado, seu fornicador sem mãe — disse ela, suavemente, em um dialeto que Struan não entendia. — Acabe logo com isso, e se cortar meu filho, ao lhe fazer a barba, lançarei um mau-olhado contra você. Trate meu filho como jade imperial, ou seu fruto será pulverizado... e respeite quem é melhor do que você!
— Melhor? Ora, velhota, você vem de Ning Tok, uma aldeia de bosta de tartaruga que só é famosa pelos peidos.
— Um tael de prata diz que esta pessoa civilizada pode vencê-lo cinco em sete vezes no mahjong esta noite.
— Negócio fechado! — respondeu o homem, truculento, embora Ah Tok fosse uma excepcional jogadora.
— Do que estão falando? — perguntou Struan.
— Conversa de criados, meu filho, nada de importante.
Depois que terminaram, eles vestiram-no com um camisolão limpo.
— Obrigado — disse Struan, sentindo-se muito melhor.
Os dois criados fizeram uma reverência polida e se retiraram.
— Ah Tok, tranque a porta, sem fazer barulho.
Ela obedeceu. Seus ouvidos aguçados captaram o farfalhar de saias no cômodo ao lado e Ah Tok resolveu aumentar sua vigilância. A estrangeira era uma prostituta intrometida e diabólica, seu portão de jade tão faminto pelo amo que uma pessoa civilizada quase que podia ouvi-lo a salivar...
— Acenda a vela para mim, por favor.
— Para quê? Sente os olhos doendo, meu filho?
— Não, não é nada disso. Há fósforos de segurança na cômoda.
Os fósforos de segurança, uma recente patente sueca, eram em geral trancados, por serem muito procurados. Assim, tinham venda fácil e o hábito de furta-los às vezes os faziam desaparecer. Os pequenos furtos eram endêmicos na Ásia. Apreensiva, Ah Tok usou um fósforo, sem entender por que não acendiam se não fossem riscados no lado da caixa. Malcolm explicara o motivo, mas ela se limitara a murmurar que se tratava de mais uma magia diabólica dos estrangeiros.