— O primeiro brinde exige um segundo, mademoiselle — disse ele, tornandoa erguer seu copo — não apenas por prosperidade e vida longa para o novo tai-pan, mas para o tai-pan... seu futuro marido.
— Ora, monsieurl — Ela baixou o copo, fingindo estar irritada. — Eu lhe contei isso em confidência, porque me sinto feliz e orgulhosa, mas não deve ser mencionado a ninguém, até que monsieur Struan torne público. Tem de me prometer.
— Claro, claro.
O tom de Vervene era tranqüilizador, mas ele já elaborara mentalmente o despacho que enviaria para Seratard, a bordo da nave capitânia em Iedo, no momento em que Angelique se retirasse. Era evidente que havia inúmeros desdobramentos e oportunidades políticas que tal ligação criaria para a França e os interesses franceses. Por Deus, pensava ele, se formos bastante espertos, e nós somos, podemos controlar a Casa Nobre através dessa jovem imprudente, sem nada para recomendá-la além de um rostinho bonito, seios apetitosos, um hímen maduro, e nádegas que prometem a seu marido um vigor devasso por um ou dois meses. Como ela conseguiu atraí-lo... se é mesmo verdade o que diz. Se é...
Merde, o pobre coitado deve estar insano para se contentar com uma mulher assim, sem dote, uma linhagem ignominiosa, para se tornar a mãe de seus filhos! Que sorte incrível a daquele porco odioso, Richaud, agora ele será capaz de redimir seu papel.
— Meus mais sinceros parabéns, mademoiselle.
A porta foi aberta nesse instante, e o moço número um da legação entrou, carregado de correspondência, um chinês rotundo e idoso, vestindo uma túnica de linho, calça preta e solidéu preto.
— Aqui está, senhor, toda a correspondência, nunca importa!
Ele largou as cartas e pacotes na mesa, lançou um olhar de espanto para a moça e arrotou ao se retirar.
— Por Deus, essa gente tem péssimas maneiras e leva qualquer um à loucura! Já disse mil vezes a esse cretino para bater primeiro! Peço que me dê licença por um instante.
Vervene examinou as cartas rapidamente. Duas da esposa, uma da amante, todas remetidas dois meses e meio antes: as duas me pedem dinheiro, sou capaz de apostar, pensou ele, amargurado.
— Ah, quatro cartas para mademoiselle! — Muitos franceses enviavam sua correspondência aos cuidados da legação mais próxima. — Três de Paris e uma de Hong Kong.
— Oh, obrigada!
Angelique animou-se ao verificar que duas eram de Colette, uma da tia e a última do pai.
— Estamos tão longe de casa, não é?
— Paris é o mundo, com toda certeza. Bom, imagino que deseja alguma privacidade. Pode usar a sala no outro lado. E agora, se me dá licença... — Vervene apontou para a mesa cheia de papéis, com um sorriso depreciativo. — negócios de Estado.
— Claro, claro. E agradeço por seus votos de felicidade, mas não diga nada, por favor...
Ela se retirou, graciosa, sabendo que dentro de poucas horas seu maravilhoso segredo seria do conhecimento comum, sussurrado em cada ouvido. Seria sensato? Acho que sim; afinal, Malcolm não me pediu em casamento?
Vervene abriu suas cartas, passou os olhos depressa, constatou que as duas mulheres pediam mesmo dinheiro, mas não transmitiam outra má notícia, deixou-as de lado, para ler e desfrutar mais tarde, e iniciou o despacho para Seratard — com uma cópia secreta para André Poncin —, satisfeito por ser o portador de tão boas novas.
— Espere um pouco — murmurou para si mesmo. — Talvez seja aquela história de tal pai, tal filha, e tudo não passe de exagero. É mais seguro relatar como há poucos minutos mademoiselle Angelique me sussurrou em confidência que... e que o ministro tire suas próprias conclusões.
No outro lado do corredor, numa ante-sala agradável, que dava para o pequeno jardim junto a High Street, Angelique se acomodou, na maior expectativa. A primeira carta de Colette dava notícias felizes sobre Paris, a moda, os acontecimentos e amigos mútuos, de uma maneira tão deliciosa que ela leu num instante, sabendo que releria muitas vezes, em particular à noite, no conforto de sua cama, quando poderia saborear melhor cada detalhe. Conhecera e amara Colette durante a maior parte de sua vida; no convento, haviam sido inseparáveis, partilhando esperanças, sonhos e intimidades.
A segunda carta continha notícias mais espetaculares, concluindo com o casamento de Colette, que era da sua idade, dezoito anos, e já tinha um marido e um filho:
Estou grávida de novo, minha querida Angelique, meu marido é maravilhoso, mas me sinto um pouco apreensiva. O primeiro parto não foi fácil mas o médico me garante que serei bastante forte. Quando você voltar, e mal posso esperar que isso aconteça...
Angelique respirou fundo, olhou pela janela, e esperou que a pontada de angústia passasse. Não deve se abrir, reiterou para si mesma, quase em lágrimas. Nem mesmo com Colette. Seja forte, Angelique. Tome cuidado. Sua vida mudou, tudo mudou... mas apenas por pouco tempo. Não deixe que ninguém a pegue desprevenida.
Outra vez ela respirou fundo. A carta seguinte a chocou. Tia Emma dava a notícia terrível da queda de seu marido:
Agora estamos na miséria, e meu pobre Michel definha na prisão dos devedores, sem qualquer ajuda à vista! Não tem a quem recorrer, não nos restou nenhum dinheiro. É horrível, minha criança, um pesadelo...
Pobre e querido tio Michel, pensou ela, chorando em silêncio, uma pena que ele fosse tão mau administrador.
— Não importa, minhaquerida tia Emama — disse ela, em voz alta, dominada por uma súbita alegria. — Agora posso retribuir todas as suas gentilezas. Pedirei a Malcolm para ajudar, e tenho certeza que ele vai...
Espere! Isso seria sensato?
Enquanto ponderava a respeito, Angelique abriu a carta do pai. Para sua surpresa, o envelope continha apenas uma carta, sem a esperada ordem de pagamento que ela pedira, sobre o dinheiro que trouxera de Paris, e depositara no Victoria Bank, o dinheiro que o tio lhe adiantara com extrema generosidade... e sob a promessa solene de que não contaria nada à sua esposa, e de que o pai pagaria o empréstimo no instante em que ela chegasse a Hong Kong, o que ele lhe dissera que fizera.
Hong Kong, 10 de setembro.
Olá, minha querida. Espero que tudo esteja correndo bem, e que seu Malcolm a idolatre tanto quanto eu, tanto quanto toda a colônia de Hong Kong. Circula o rumor de que o pai dele se encontra às portas da morte. Eu a informarei de tudo. Enquanto isso, escrevo às pressas, pois estou de partida para Macau, com a maré alta. Há uma maravilhosa oportunidade de negócios ali, tão boa que temporariamente usei o dinheiro que você deixou sob a minha guarda. Investirei tudo por você, como sócia em condições de igualdade. Pelo próximo navio, poderei lhe mandar dez vezes mais do queria agora, e anunciar o nosso lucro espetacular... afinal, temos de pensar no seu dote, sem o que... não é mesmo?