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Sentindo-se um pouco culpado, ele escondeu o fascículo debaixo da pilha de correspondência, espreguiçou-se e foi abrir a porta.

Piero Vargas era um eurasiano bonito, de meia-idade, procedente de Macau o pequeno enclave português cerca de setenta quilômetros a oeste de Hong Kong, parecendo uma espinha na costa da China continental, e ocupado desde 1.552. Ao contrário dos britânicos, os portugueses consideravam Macau igual ao território metropolitano, não uma colônia, e estimulavam seus habitantes a casarem com chinesas, concediam plena cidadania à prole eurasiana, permitindo-lhe acesso permanente a Portugal. O casamento inter-racial de britânicos era sempre desencorajado, embora muitos tivessem famílias assim. Os filhos, no entanto, não eram aceitos na sociedade. Pelo costume, os que nasciam em Xangai recebiam o nome do pai, e em Hong Kong o da mãe.

Desde que haviam chegado à China, os britânicos empregavam com a maior satisfação os macauenses mais inteligentes como shroffs — cambistas de dinheiro — e compradores, já que, por necessidade, falavam inglês e dialetos chineses. Menos a Casa Nobre. Seu compradore era Gordon Chen, dono de uma riqueza fabulosa, o filho ilegítimo do fundador, Dirk Struan, com uma de suas muitas amantes, embora não a última, a famosa May-May.

— O que é, Piero?

— Desculpe interromper, senhor — disse Piero, em seu inglês fluente e suave —, mas Kinu-san, nosso fornecedor de seda, solicita uma entrevista pessoal.

— Por quê?

— Não é para ele, mas para dois compradores que o acompanham. De Choshu.

— É mesmo?

O interesse de McFay foi despertado no mesmo instante. Quase dois anos de sondagens do daimio de Choshu, o feudo a oeste dos estreitos de Shimonoseki, haviam produzido negócios muito importantes no ano anterior, autorizados pelo escritório central em Hong Kong, que providenciara tudo: um vapor de roda de duzentas toneladas, com uma carga confidencial, canhões, balas e pólvora. Tudo pago com ouro e prata, metade adiantado, metade contra entrega.

— Pode trazê-los. Não, espere. É melhor eu recebê-los na sala de recepção principal.

— Sim, senhor.

— Um deles é o mesmo sujeito da ocasião anterior?

— Como, senhor?

— O jovem samurai que falava um pouco de inglês?

— Não participei dessa reunião, senhor. Estava de licença em Portugal.

— Ah, é isso mesmo, lembrei agora.

A sala de recepção era grande, com uma enorme mesa de carvalho, a que quarenta e duas pessoas podiam sentar. Havia ali aparadores e cômodas, exibindo bandejas de prata e cristais, tudo bem cuidado, faiscando. McFay abriu uma das cômodas, tirou o cinto, com um coldre e uma pistola. Afivelou o cinto em tomo da cintura, certificando-se de que a pistola se encontrava carregada e solta no coldre. Sempre tinha o costume, ao se encontrar com um samurai, de se armar como eles.

— É uma questão de aparência, além de segurança — costumava comentar para seus subordinados.

Como um apoio adicional, encostou um fuzil Spencer numa cadeira e depois foi se postar diante da janela, virado para a porta.

Vargas voltou com três homens. Um deles era de meia-idade, gordo, untuoso, sem qualquer espada, Kinu, o fornecedor de seda. Os outros dois eram samurais, um jovem, o segundo na casa dos quarenta anos, embora fosse difícil determinar com certeza. Ambos eram baixos, esguios, rostos impassíveis, e estavam armados, como sempre.

Fizeram uma reverência polida. McFay notou que os dois perceberam logo o fuzil de carregar pela culatra. Ele retribuiu à reverência, e disse:

— Ohayo. Bom dia. — E acrescentou: — Dozo.

Significava por favor, e ele indicou as cadeiras à sua frente, a uma distância segura.

— Bom dia — disse o mais jovem, sem sorrir.

— Fala inglês? Ótimo. Sentem-se, por favor.

— Falo um pouco — disse o jovem, o “l” soando como “r”, porque não havia o som de “1” em japonês.

Por um momento, ele falou com Vargas em fuquinês, o dialeto chinês comum, e depois os dois japoneses se apresentaram, acrescentando que haviam sido enviados por lorde Ogama, de Choshu.

— Sou Jamie McFay, chefe da Struan and Company no Nipão, e me sinto honrado em recebê-los.

Vargas tornou a traduzir. Paciente, Jamie passou pelos quinze minutos obrigatórios de indagações sobre a saúde do daimio, a saúde dos dois emissários, sua própria saúde e a saúde da rainha, a situação em Choshu, na Inglaterra, nada específico, tudo superficial. O chá foi servido e admirado. Ao final, o jovem anunciou o que queriam. Com o maior cuidado, Vargas evitou que o excitamento aparecesse em sua voz:

— Eles querem comprar mil fuzis de carregar pela culatra, com mil cartuchos de bronze para cada arma. Devemos dar um preço justo e efetuar a entrega dentro de três meses. Se entregarmos em dois meses, pagarão uma bonificação... vinte por cento.

Também manteve a calma exterior.

— Isso é tudo o que eles desejam comprar no momento?

Vargas traduziu a pergunta.

— É, sim, senhor, mas eles exigem mil cartuchos por fuzil.

McFay calculou o vultoso lucro em potencial, mas também recordou sua conversa com Greyforth, e a conhecida hostilidade do almirantee do general, com o apoio de Sir William, à venda de quaisquer armamentos. E lembrou os vários assassinatos. E Canterbury retalhado. Algum dia seria seguro negociar com um povo tão belicoso?

— Por favor, avise a eles que só posso dar uma resposta daqui a três semanas.

Ele viu o sorriso cordial desaparecer do rosto do mais jovem.

— Responda... agora. Não em três semanas.

— Não temos armas aqui — declarou McFay, bem devagar, fitando-o. Tenho de escrever para o escritório central em Hong Kong, nove dias para a carta chegar lá, nove dias para a resposta voltar. Temos alguns fuzis de carregar pela culatra ali. O resto, só na América. Quatro ou cinco meses, no mínimo.

— Não compreendo.

Vargas traduziu. Houve uma conversa entre os dois samurais, o negociante respondendo às suas perguntas com absoluta humildade. Mais perguntas a Vargas, respondidas com polidez.

— Ele diz que está bem, voltará em vinte e nove dias, ou virá outro representante. A transação deve ser mantida em segredo.

— Claro. — McFay olhou para o jovem. — Tudo secreto.

Hai! Secreto.

— Pergunte a ele como está o outro samurai, Saito.

McFay viu os dois franzirem o rosto, mas não pôde interpretar a reação.