— Sinto muito, senhor, mas me senti tão satisfeito com sua vitória que...
— Não foi uma vitória, seu idiota! Foi apenas uma protelação, embora enviada pelos céus!
O alívio de Sir William pelo término da reunião, em que conseguira, contra suas expectativas, muito mais do que poderia desejar, servia para alimentar sua irritação.
— Seus ouvidos estão tapados com cera? Não ouviu “o que parece ser uma queixa justa”... essa é a maior abertura que eles poderiam deixar! Conseguimos um adiamento, isso é tudo, mas acontece que no momento me convém muito bem. Ficarei espantado se a tal reunião em Iedo ocorrer mesmo dentro de trinta dias. Na próxima vez, NÃO permita que seus sentimentos transpareçam, pelo amor de Deus, se algum dia se tornar um intérprete... Por falar nisso, é melhor aprender japonês bem depressa ou vai se descobrir no próximo navio de volta à Inglaterra, com um registro em sua ficha que o fará ser indicado para um posto na Esquimolândia pelo resto de sua vida!
— Sim, senhor.
Ainda furioso, Sir William percebeu que o jovem o fitava com uma expressão seca. Se perguntou o que havia de diferente nele. E foi então que notou seus olhos jovens e lembrou onde viu esse olhar antes — a mesma estranheza, quase indefinível, que o jovem soldado após sua primeira batalha também tinha? Ah, sim, claro, lembro agora! Nos olhos dos jovens que estavam voltando da Criméia, os ilesos e também os feridos... aliados ou inimigos. Que o choque da guerra arrancara a juventude, extirpara sua inocência, com uma rapidez tão suave, que ficaram mudados para sempre. E transparece não nos rostos, mas nos olhos. Quantas vezes já me contaram: antes da batalha, um jovem, e uns poucos minutos ou horas depois, adulto... quer seja britânico, russo, alemão francês ou turco, é tudo a mesma coisa.
Sou eu o idiota, não esse jovem. Esqueci que ele mal completou vinte e um anos e em seis dias já foi quase assassinado, passando por uma experiência tão violenta quanto qualquer homem pode ter. Ou mulher, diga-se de passagem. É verdade, percebi a mesma expressão nos olhos da moça. Foi uma estupidez da minha parte não compreender. Pobre moça... será que já fez dezoito anos? É terrível crescer tão depressa. Posso me considerar afortunado.
— Mas tenho certeza de que vai acabar fazendo tudo certo, Sr. Tyrer — disse ele, um pouco ríspido, invejando-o por ter passado pelo batismo de fogo com tanta bravura. — Essas reuniões são... o suficiente para pôr à prova a paciência de Jó, não é mesmo? Acho que merecemos um xerez.
Hiraga teve a maior dificuldade para escapar do jardim, através dos círculos de samurais, e se esgueirar de volta à estalagem dos Quarenta e Sete Ronin. Quando a alcançou, bastante atrasado, ficou chocado ao descobrir que a expedição de assassinato já partira para a emboscada. Ori disse, desolado:
— Um dos nossos informou que a delegação saíra do castelo exatamente como ontem, com os mesmos estandartes, cinco palanquins, e por isso presumimos que lorde Yoshi também a integrava.
— Todos deveriam esperar.
— E esperaram, Hiraga, mas se... se não partissem logo, nunca chegariam ao local a tempo.
Hiraga trocou de roupa num instante, vestindo um quimono barato, e pegou suas armas.
— Foi ao médico?
— Nós, mama-san e eu, achamos que seria perigoso demais ir até lá hoje. Posso ir amanhã.
— Então eu o verei em Kanagawa.
— Sonno-joi!
— Vá logo para Kanagawa. Corre perigo aqui.
Hiraga pulou por cima da cerca, seguiu por vielas, pontes e caminhos pouco usados, circulando até o castelo. Desta vez teve sorte e evitou todas as patrulhas.
A maioria dos palácios de daimios fora das muralhas do castelo se encontrava deserta. Aproveitando todas as coberturas, ele esgueirou-se de um jardim para outro, até as ruínas carbonizadas do que fora o palácio de daimio destruído pelo terremoto três dias antes. Como planejado, seus amigos shishi haviam se reunido para a emboscada perto do portão principal, também destruído, que dava para o caminho principal do castelo. Havia nove homens ali, não onze.
— Já não contávamos mais com você, Hiraga — sussurrou o mais jovem.e também o mais excitado. — Daqui, poderemos matá-lo com facilidade.
— Onde estão os samurais de Mori?
— Mortos. — Seu primo, Akimoto, deu de ombros. Era o mais corpulento, com vinte e quatro anos. — Viemos por caminhos separados, mas eu estava perto deles, e nós três esbarramos com uma patrulha. Ele fez uma pausa, antes de acrescentar, radiante:
— Fugi por um caminho, eles por outro. Vi quando um deles foi atingido por uma flecha e caiu. Nunca imaginei que pudesse correr tão depressa. Vamos esquecê-los. Quando Yoshi vai passar por aqui?
O desapontamento foi profundo quando Hiraga informou que a presa não estava no cortejo.
— O que faremos agora? — indagou um jovem alto e bonito, de dezesseis anos.— Esta emboscada é perfeita... meia dúzia de palanquins do Bakufu passando quase sem guardas.
— Este lugar é bom demais para arriscá-lo sem alguma razão especial — declarou Hiraga. — Vamos embora, um de cada vez. Akimoto, você pri...
O shishi de vigia assoviou em advertência. No mesmo instante, todos se esconderam, os olhos comprimidos em aberturas nas cercas quebradas. Um palanquim coberto, todo ornamentado, levado por oito carregadores seminus e acompanhado por uma dúzia de samurais com estandartes, passava a trinta e poucos metros de distância, encaminhando-se sem qualquer pressa para os portões do castelo. Não havia mais ninguém à vista, em qualquer direção.
Houve um imediato reconhecimento do emblema: Nori Anjo, o chefe do Conselho de Anciãos. E uma decisão imediata: “Sonno-joi!”
Com Hiraga à frente, eles correram como um único homem para o ataque, mataram os quatro guardas da frente e avançaram para o palanquim. Em seu excitamento, porém, cometeram um erro de cálculo de poucos segundos, o que permitiu a recuperação dos outros oito guardas, guerreiros experientes. Na confusão frenética, os carregadores berraram de medo, largaram o palanquim e fugiram — os que haviam escapado à violenta ofensiva inicial. Isso proporcionou a Anjo o momento de que precisava para escapulir pela porta aberta no outro lado do palanquim, enquanto a espada de Hiraga passava pela madeira macia e empalava a almofada em que ele estivera um segundo antes.
Praguejando, Hiraga retirou a espada, virou-se ao se descobrir ameaçado pelas costas, matou o homem depois do choque violento de metal contra metal e passou pelo palanquim, atrás de Anjo, que já se levantara, desembainhara sua espada e contava agora com a proteção de três samurais. Por trás de Hiraga, cinco de seus amigos duelavam com os quatro samurais, um shishi já morto, outro estendido no chão, mortalmente ferido, e um terceiro, gritando com sede de sangue, calculando como atingir o adversário, tropeçara num carregador soluçando e recebera um golpe terrível no flanco. Antes que o atacante pudesse recuperar o equilíbrio, outro shishi o golpeara com toda força, e a cabeça do samurai rolara pela terra.