Apenas uma dor latejante, mas melhor do que ontem. Quantos dias desde a estrada de Tokaidô? Dezesseis. Isso mesmo, era o décimo sexto dia.
Malcolm permitiu-se despertar um pouco mais. Não restava a menor dúvida, melhor do que ontem. Olhos e ouvidos abertos agora. O quarto firme, na claridade do amanhecer. Céu claro, vento ameno, sem tempestade.
A tempestade cessara dois dias antes. Fustigara por oito dias, com a força de um tufão, e desaparecera tão depressa quanto surgira. A esquadra ancorada diante de Iedo se dispersara no primeiro dia, procurando a segurança em alto-mar. Entre todos os navios de guerra, só a nave capitânia francesa, a primeira a deixar Iedo, conseguira retornar sã e salva a Iocoama. Nenhum outro navio voltara até agora. Ainda não havia motivos de preocupação, mas todos observavam o horizonte, apreensivos, torcendo e orando.
Durante a tempestade, um navio mercante fora lançado para a terra, ern Iocoama, alguns prédios foram avariados, muitos cúteres e barcos de pesca se perderam, a devastação assolara a aldeia e Yoshiwara, várias barracas no acampamento militar foram levadas pelo vendaval, mas não houvera baixas, nem ali, nem na colônia.
Tivemos muita sorte, pensou Struan, concentrando-se em seguida no problema central de seu universo. Posso sentar?
Uma tentativa hesitante, meio desajeitada. Ai! Dor, mas não muito intensa, fez força com os dois braços e ergueu o tronco, as mãos apoiadas por trás.
Suportável. Melhor do que ontem. Ele esperou um momento, depois inclinou-se para a frente, ergueu um braço de apoio, com extremo cuidado. Ainda suportável. Removeu o outro braço. Ainda suportável. Empurrou as cobertas para o lado, e tentou, cauteloso, estender as pernas para o chão. Mas não conseguiu, a pontada de dor foi grande demais. Uma segunda tentativa, outro fracasso.
Não importa, tornarei a tentar mais tarde. Baixou o corpo para o colchão, tão gentilmente quanto podia. Quando removeu o peso da cintura, transferindo-o para as costas, soltou um suspiro de alívio.
— Paciência, Malcolm — dizia Babcott todos os dias, em cada visita... três ou quatro por dia.
— Que se dane a paciência!
— Concordo... mas você está se recuperando bem.
— Mas quando posso me levantar?
— Agora, se assim quiser... mas eu não aconselharia.
— Quanto tempo?
— Mais umas poucas semanas.
Ele praguejava furioso, mas de certa forma sentia-se satisfeito por aquela folga. Proporcionava-lhe mais tempo para considerar como iria lidar com o fato de ser agora o tai-pan, com sua mãe, com Angelique, com McFay, e com os prementes problemas de negócios.
— O que me diz das armas para Choshu? — indagara McFay, poucos dias antes. — Será a continuação de uma vultosa transação.
— Tenho uma idéia. Deixe comigo.
— Norbert já farejou as possibilidades desses Choshus e é provável que lhes faça uma oferta menor do que a nossa.
— Que se danem Norbert e a Brock! Seus contatos não são tão bons quanto os nossos, e Dmitri, Cooper-Tillman e a maioria dos outros mercadores americanos na China estão do nosso lado.
— Mas não no Havaí — ressaltara McFay, amargurado.
Na última correspondência, dez dias antes — e desde então não houvera mais notícias, pois o vapor bimensal só deveria voltar dentro de cinco dias —, Tess Struan escrevera:
O Victoria Bank nos traiu. Creio que eles vêm secretamente apoiando Morgan Brock em Londres, com vultosas cartas de crédito. Assim, Morgan Brock comprou ou subornou, em segredo, todos os nossos agentes no Havaí, açambarcando todo o mercado de açúcar, e nos excluindo por completo. Pior ainda, embora eu não tenha provas, circula o rumor de que ele tem estreitos contatos com o presidente rebelde Jefferson Davis e seus plantadores de algodão, propondo negociar todas as colheitas futuras para a indústria têxtil inglesa... um negócio que tornaria Tyler e Morgan os homens mais ricos da Ásia. ISSO NÃO DEVE ACONTECER! Não sei mais o que fazer, Jamie. O que você sugere? Entregue este despacho ao meu filho, com o mesmo pedido urgente de ajuda.
— Qual é a sua sugestão, Jamie?
— Não tenho nenhuma, Mal... tai-pan.
— Se o negócio está fechado, então está fechado, e ponto final. Poderíamos interceptar o algodão de alguma forma?
McFay ficara aturdido.
— Um ato de pirataria?
Struan não perdera a calma.
— Se fornecessário. O velho Brock faria isso, já fez várias vezes, no passado. É uma possibilidade, o algodão seguirá todo em seus navios. E a segunda: nossa marinha rompe o bloqueio da União e depois recolhemos todo o algodão que quisermos.
— Seria possível, se declarássemos guerra à União, o que é inadmissível.
— Não concordo. Afinal, devemos nos postar ao lado de Davis, já que o algodão sulista é nosso sangue vital. Só assim eles poderiam vencer; caso contrário, será impossível.
— Tem toda razão. Mas também não podemos esquecer que somos igualmente dependentes do Norte.
— Como podemos tirar os navios de Brock? Deve haver algum meio de romper a corrente. Se ele não puder transferir a carga, está na bancarrota.
— O que Dirk faria?
— Saltaria na jugular — respondeu Malcolm, sem hesitar.
— Então é isso o que temos de descobrir...
Onde, e qual será? Ele perguntou a si mesmo, mais uma vez, estendido na cama, quieto, desejando que o cérebro funcionasse com lucidez naquele problema, e em todos os outros. Angelique? Não, pensarei nela mais tarde... mas já sei que a amo mais e mais, a cada dia que passa.
Graças a Deus que agora posso escrever cartas. Preciso escrever de novo para a mãe; se alguém conhece a jugular, só pode ser ela, já que Tyler Brock é seu pai e Morgan seu irmão. Mas como ela ousou desdenhar a família de Angelique? Devo escrever para o pai de Angelique? A resposta é sim, mas ainda não, haverá tempo suficiente depois.
Há muita correspondência para atualizar, livros a encomendar na Inglaterra, o Natal se aproxima, o baile de caridade do Jóquei Clube, em Hong Kong, tenho de pensar no baile anual da Struan, nas reuniões de hoje: Jamie, pelo menos duas vezes, Seratard esta tarde... o que ele quer? O que mais está planejado para hoje? A visita de Phillip para conversar, logo depois do desjejum... espere um instante... não é hoje. Sir William ordenou ontem que ele voltasse a Iedo, a fim de preparar a legação para o encontro com o Conselho de Anciãos, dentro de vinte dias.
— A reunião vai acontecer mesmo, Sir William? — perguntara ele, quando o ministro o visitara.
Com a esquadra não mais protegendo a legação, e uma ampla atividade de samurais ao redor, embora não hostil, Sir William considerara prudente, depois de alguns dias para salvar as aparências, retornar a Iocoama, ostensivamente para esperar o pagamento da indenização.