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Poucos dias antes, ocorrera um ato de guerra: um navio mercante americano, meio avariado pela tempestade, conseguira alcançar Iocoama. Nos estreitos de Shimonoseki, na rota de Xangai para Iocoama, com uma carga de prata, munição e armas, devendo seguir depois para as Filipinas, com ópio, chá e outras mercadorias, fora bombardeado por baterias em terra.

— São uns demônios!— gritou alguém, por cima daexplosão de ira no clube.

— Tem toda razão! E navegávamos como gente pacífica! Aqueles miseráveis de Choshu foram bastante acurados. Eu bem que gostaria de saber quem foi o desgraçado que lhes vendeu os canhões. Acertaram nosso mastro antes que pudéssemos efetuar uma ação evasiva. Claro que respondemos ao fogo, mas só tínhamos dois canhões de cinco libras, que não assustam ninguém. Contamos pelo menos vinte canhões.

— Por Deus, vinte canhões e artilheiros competentes podem fechar Shimonoseki com a maior facilidade, e estaremos na maior encrenca se isso acontecer. É o caminho mais rápido e o único seguro por aqui.

— Não podemos jamais esquecer que as águas interiores constituem nossa passagem obrigatória!

— E por onde anda a esquadra? Espero que esteja sã e salva!

— E se não estiver?

— Neste caso, Charlie, teremos de chamar outra...

Que gente mais estúpida, pensou Tyrer, só sabem pensar em chamar a esquadra, beber e ganhar dinheiro.

Graças a Deus que o almirante francês trouxera André. Graças a Deus pela presença de André, mesmo que ele seja instável e esquisito, mas isso só acontece porque é francês. Graças a ele, já tenho dois cadernos cheios de palavras e frases em japonês, minha agenda ficou repleta de folclore, e terei um encontro com um jesuíta assim que voltar a Iocoama. É um progresso espetacular, e cada vez se torna mais importante para mim aprender depressa... e tudo isso sem sequer pensar em Yoshiwara.

Três visitas. As duas primeiras acompanhado, a terceira sozinho.

— André, não tenho palavras para exprimir o quanto sou reconhecido por todo o tempo e ajuda que tem me dispensado. E pelo que aconteceu esta noite, nunca serei capaz de retribuir.

Isso fora depois da primeira visita.

Nervoso, afogueado, quase gaguejando, mas simulando indiferença, ele saíra com André da colônia ao anoitecer, juntando-se aos grupos joviais de homens a caminho de Yoshiwara, passando pelos guardas samurais, levantando o chapéu e recebendo mesuras ligeiras em resposta, através da ponte do paraíso, na direção dos portões altos na cerca de madeira.

— Yoshiwara significa lugar dos juncos — explicara André, expansivo, os dois bem preparados com champanhe, que no caso de Tyrer só servira para aumentar os pressentimentos. — Era o nome de um distrito em Iedo, uma área de pântano drenada, onde foram instalados os primeiros bordéus, pelo xógum Toranaga, há dois séculos e meio. Antes disso, os bordéus espalhavam-se por toda parte. Desde então, pelo que nos contaram, todas as cidades, grandes e pequenas, têm áreas semelhantes, sempre cercadas, licenciadas, sob rigoroso controle. Pelo costume, muitas são chamadas de Yoshiwara. Está vendo aquilo?

Por cima dos portões, gravados na madeira com extrema elegância, havia uma série de caracteres chineses.

— Significam: O desejo pressiona e é preciso tomar uma providência.

Tyrer rira, bastante nervoso. Muitos guardas, dentro e fora dos portões. Na noite anterior, quando se oferecera para escoltá-lo — estavam no clube na ocasião, bebendo —, André comentara que um mercador lhe dissera que os guardas se encontravam ali não apenas para manter a paz, mas acima de tudo para impedir que as prostitutas escapassem.

Ou seja, são todas escravas, não é mesmo?

Para seu espanto, vira Poncin ficar vermelho de raiva.

Mon Dieu, não pense nelas como prostitutas, nem as chame de prostitutas, como entendemos a palavra. Não são escravas. Algumas são contratadas por um determinado número de anos, muitas vendidas pelos pais ainda pequenas, também por um prazo fixo. Os contratos são sempre aprovados e registrados pelo Bakufu.

Não são prostitutas, mas sim damas do mundo do salgueiro, e não se esqueça disso. Damas!

— Desculpe, eu...

Mas André não o deixara falar.

— Algumas são gueixas... Pessoas da arte... treinadas para distrair os clientes cantam, dançam, promovem jogos tolos e não podem ser levadas para a cama. Quanto ao resto, Mon Dieu, já lhe disse, não pense nelas como prostitutas, pense como mulheres do prazer, treinadas para agradar, ao longo de muitos anos.

— Desculpe, mas eu não sabia.

— Se as tratar direito, elas vão lhe proporcionar prazer, quase de qualquer tipo que desejar... se elas quiserem... e se o dinheiro que você lhes der for apropriado. Você dá a elas dinheiro, que não tem qualquer significado, e elas retribuem com sua juventude. É uma estranha troca. — André o fitara de uma maneira esquisita. — Elas dão sua juventude e escondem as lágrimas que você causa.

Ele tomara o vinho e ficara olhando fixamente para o copo, dominado por um súbito sentimentalismo. Tyrer lembrava como tornara a encher os copos, censurando-se por violar o sentimento de amizade descontraída, uma amizade valiosa para ele, jurando que no futuro seria mais cauteloso, e especulando sobre o motivo da repentina fúria.

— Lágrimas? — murmurara.

— A vida delas não é boa, mas ainda assim nem sempre é ruim. Para algumas, pode ser maravilhosa. As mais belas e eficientes se tornam famosas, são procuradas até pelos mais importantes daimios... como chamam os reis da terra, podem casar com homens em altas posições, casar com ricos mercadores ou com samurais.

André fizera uma pausa, antes de acrescentar, com uma certa amargura:

— Mas para as nossas damas do mundo do salgueiro, as que servem aos gai-jin, não há futuro, a não ser abrir outra casa aqui, tomar saquê e empregar outras moças. Mon Dieu, trate-as muito bem, porque depois que elas vêm para cá, ficam poluídas, aos olhos de todos os outros japoneses.

— Eu não sabia. Isso é horrível.

— Também acho. Ninguém compra...

Gargalhadas embriagadas dos homens ao redor abafaram sua voz por um momento. O clube estava cheio, ruidoso, impregnado de fumaça.

— Posso lhe dizer que esses cretinos não se importam, nem se preocupam, nenhum deles. A exceção era Canterbury. Ele se importava. — André levantara os olhos da borra em seu copo. — Você é jovem, ainda não foi conspurcado, parece disposto a aprender, e foi por isso que pensei... há muito o que aprender.

E, subitamente, ele fora embora.

Na noite seguinte, ao passarem pelos portões de Yoshiwara, André tirara do bolso sua pequena pistola.