— Que coisa terrível!
— Tem razão, em nossos termos, uma história muito triste. Mas lembre-se de que esta é a terra das lágrimas. Agora ela virou uma lenda, honrada pelas companheiras e por todos que lhe viraram as costas, por causa de seu sacrifício.
— Não entendo.
— Nem eu, nem qualquer de nós. Mas os japoneses entendem.
Era muito estranho, pensara Tyrer. Como aquela pequena casa, aquele homem e aquela mulher, conversando meio em japonês, meio em pidgin, rindo um com o outro, uma madame e um cliente, ambos fingindo serem outra coisa. Mais e mais saquê. Depois de algum tempo, a mulher fizera mais uma reverência, levantara e se retirara.
— Saquê, Phillip?
— Obrigado.
— Não acha bastante agradável aqui?
Um momento de silêncio e André comentara:
— Você é a primeira pessoa que trago aqui.
— É mesmo? Por que logo eu?
O francês girara a pequena taça de porcelana entre os dedos, bebera a última gota, servira-se de mais e se pusera a falar, em francês, a voz suave, o tom afetuoso:
— Porque você é a primeira pessoa que conheci em Iocoama... porque você fala francês, é culto, tem a mente como uma esponja, é jovem, não tem a metade da minha idade, não é mesmo? Tem vinte e um anos e é diferente dos outros, ainda não ficou maculado, como acontecerá dentro de poucos anos.
André sorrira, apertando ainda mais a teia, dizendo apenas parte da verdade, moldando-a à sua vontade.
— Para dizer a verdade, você é o primeiro que já conheci, alors, embora seja inglês, um inimigo da França, mas é o único que parece merecer o conheciento que adquiri. — Um sorriso embaraçado. — É difícil explicar. Talvez porque sempre desejei ser um mestre, talvez porque nunca tive um filho, jamais casei, talvez porque em breve terei de voltar a Xangai, talvez porque tenhamos inimigos demais, e talvez... talvez porque você possa se tornar um bom amigo.
— Eu me sentiria honrado em ser seu amigo — assegurara Tyrer, no mesmo instante, envolvido pelo encantamento do francês. — E acho, juro que sempre pensei assim, que deveríamos ser aliados, ingleses e franceses, não inimigos, e...
O shoji fora aberto. Raiko, de joelhos, fizera um sinal para Tyrer. O coração dele disparara. André Poncin sorrira.
— Basta segui-la, e não se esqueça do que falei.
Como num sonho, Phillip Tyrer se levantara, meio trôpego, e seguira a mulher por um corredor, entrando num cômodo, atravessando-o, passando por uma varanda, entrando em outro cômodo. Raiko gesticulara para que ele ficasse ali e se retirara, fechando o shoji.
Um lampião a óleo com uma copa. Um braseiro de carvão para proporcionar calor. Sombras e trevas, manchas de luz. Futons — pequenos colchões quadrados — estendidos no chão, como uma cama. Uma cama para dois. Colchas felpudas. Dois yukatas, o traje de algodão, estampado, com mangas largas, para se dormir. Uma pequena porta para a sala de banho, iluminada por velas, uma tina alta de madeira, cheia de água fumegante. O cheiro agradável de sabonete. Um banco baixo, de três pernas. Toalhas mínimas. Tudo como André descrevera.
O coração de Tyrer passara a bater ainda mais depressa, e ele forçara a mente a recordar as instruções de André, através do nevoeiro de saquê.
Metodicamente, ele começara a se despir. Casaco, colete, gravata, camisa, camiseta de lã, cada peça dobrada de forma impecável e ajeitada numa pilha, num processo cada vez mais nervoso. Tyrer sentara, contrafeito, tirara as meias, depois a calça, com alguma relutância, e tornara a se levantar. Só ficara com a ceroula de lã. Hesitara por um instante, dera de ombros e tirara a ceroula, dobrando-a com um cuidado ainda maior. Sentindo apele toda arrepiada, fora para a sala de banho. Ali, pegara água da tina, com as mãos em concha, seguindo as instruções, e a derramara sobre os ombros, sentindo um agradável calor. Repetira o gesto, e nesse instante ouvira o shoji sendo aberto. Olhara para trás e murmurara:
— Deus Todo-Poderoso!
A mulher era corpulenta, com antebraços enormes, o yukata sumário, sem nada por baixo, exceto uma tanga. Avançara para ele, determinada, com um sorriso fixo, e gesticulara para que se agachasse no banco. Em total embaraço, Tyrer obedecera. A mulher notara de imediato a cicatriz ainda avermelhada em seu braço e sugara a respiração, dizendo alguma coisa que Tyrer não entendera. Ele forçara um sorriso.
— Tokaidô.
— Wakarimasu. Eu compreendo.
E depois, antes que Tyrer pudesse impedi-la, ela despejara água sobre sua cabeça — o que era inesperado, não fora incluído em suas instruções — e passara a ensaboá-lo, lavando os cabelos compridos, o corpo em seguida, com dedos firmes, eficientes e insistentes, mas tomando cuidado para não machucar o braço. Pernas, braços, na frente, atrás, e depois lhe oferecera o pano, apontara para a virilha. Ainda em choque, Tyrer limpara essas partes e devolvera o pano, submisso.
— Obrigado — murmurara ele. — Oh, desculpe, domo.
Mais água enxaguou o resto de espuma e a mulher apontara para a tina.
— Dozo! Por favor. André explicara:
— Deve se lembrar, Phillip, que ao contrário de nós, você tem de se lavar e se limpar antes de entrar no banho, a fim de que outras pessoas possam usar a mesma água... o que é bastante sensato, já que a lenha é muito cara, e demora muito para se esquentar a água o suficiente. Assim, não deve urinar na água. Também não pense nela como uma mulher, enquanto estiver na sala de banho, apenas como uma ajudante. Ela o limpa por fora, e depois por dentro, entende?
Tyrer se acomodara na tina. A água estava quente, mas não demais, e ele fechara os olhos, não querendo observar a mulher aprontar o banho. Oh, Deus, pensara ele, angustiado, nunca serei capaz de fazer qualquer coisa com essa mulher! André cometera um grave erro.
— Mas... ahn... não sei quanto pagar... e devo dar o dinheiro a ela antes ou depois?
— Mon Dieu! Nunca deve dar dinheiro a qualquer garota, em qualquer lugar, seria o cúmulo da grosseria. Pode negociar de forma implacável com a mama-san, às vezes com a própria garota, mas só depois do chá ou saquê. Ao ir embora, deixe o dinheiro, discretamente, num lugar que ela possa ver. Na Casa das Três Carpas, porém, você não dá dinheiro. É um lugar especial... e há outros assim... apenas para clientes especiais, um dos quais sou eu. Mandarão uma conta para você, duas ou três vezes por ano. Mas preste atenção: antes de irmos para lá, quero que você jure por Deus que pagará a conta no momento em que for apresentada, e que nunca, mas nunca mesmo, levará outro homem ao local, nem falará a respeito.