Ela obedeceu, fechou aporta, correu para ele, o quimono estampado comprido farfalhando, tornou a se ajoelhar, comprimiu o rosto contra a mão de Yoshi, ao mesmo tempo em que notava o poema.
— Boa noite, Sire.
Ele riu, abraçou-a com ternura.
— A que devo este prazer?
— Senti saudade. Posso ver seu poema?
— Claro.
Enquanto Koiko estudava o poema, Yoshi a contemplava, um prazer constante para ele, nos trinta e quatro dias em que ela se encontrava no castelo. Roupas extraordinárias. A pele mais pura, como casca de ovo, cabelos pretos reluzentes, que desciam até a cintura quando eram soltos, nariz delicado, os dentes tão brancos quanto os de Yoshi, em vez de escurecidos, como era a moda na corte.
— Uma estupidez! — dissera-lhe o pai, assim que ele tinha idade suficiente para compreender.— Por que deveríamos escurecer nossos dentes só porque é um costume da corte, iniciado há séculos por um imperador que tinha dentes velhos e podres, e por isso determinou que ter dentes pintados era superior a ter dentes como os dos animais? E por que usar tinta em nossos lábios e faces, como alguns ainda fazem, porque outro queria ser mulher, não homem, e assim fingia, sendo imitado pelos cortesãos, que queriam conquistar seus favores?
Koiko tinha vinte e dois anos, Tayu, o mais alto grau possível de gueixa no mundo do salgueiro.
Tendo ouvido comentários a seu respeito, alguns meses antes, Yoshi sentira-se curioso, mandara chamá-la, desfrutara sua companhia e depois, há meses, ordenara que a mama-san de Koiko apresentasse uma proposta para seus serviços permanentes. Como era correto, a proposta fora encaminhada à esposa de Yoshi, que cuidaria do assunto. Ela lhe escrevera do Dente do Dragão, o castelo da família:
Amado marido: Concluí hoje um acordo satisfatório com a mama-san para a Tayu Koiko, da Casa da Glicínia. Senhor, consideramos que é melhor ter sua exclusividade do que uma primeira opção para seus serviços, e também mais seguro, já que se encontra cercado por inimigos. A seu critério, o contrato é renovável todos os meses, o pagamento será mensal, ao término de cada período, para garantir que os serviços serão mantidos no nível mais elevado, como deve esperar.
Sua consorte e eu nos sentimos satisfeitas por ter decidido contratar uma diversão, pois estávamos e continuamos muito preocupadas com sua saúde e segurança. Permita-me cumprimentá-lo por sua escolha, pois corre o rumor de que Koiko é de fato extraordinária
Seus filhos estão bem e felizes, assim como sua filha e eu. Enviamos nossa eterna lealdade e ansiamos por sua presença. Por favor, mantenha-me informada sobre como devo orientar nosso Pagador para reservar recursos...
Corretamente, a esposa não mencionara a quantia, nem isso seria de seu initeresse, pois se tratava de uma função básica dela, administrar e guardar a riqueza da família, pagar todas as contas. Koiko levantou os olhos.
— Seu poema é impecável, Yoshi-chan — murmurou ela, batendo palmas, o chan um diminutivo íntimo.
— Você é impecável — disse Yoshi, disfarçando seu prazer por aquele Julgamento.
Além dos excepcionais atributos físicos, Koiko tinha renome em Iedo por sua caligrafia, a beleza de seus poemas e a astúcia na arte e política.
— Adoro a maneira como você escreve, e o poema é magnífico. Adoro a complexidade de sua mente, em particular porque escolheu “quando”, e não talvez “agora”, e “contorce”, quando um homem inferior poderia usar “mexe”, ou o mais clamoroso “ergue”, o que daria uma conotação sexual. Mas a disposição da palavra final, “irrequieta”... ah, Yoshi-chan, como foi hábil ao usar essa última palavra, que é perfeita! Sua criação é excelente, e pode ser interpretada de uma dúzia de maneiras diferentes.
— E o que você acha que estou dizendo?
Os olhos de Koiko faiscaram.
— Primeiro, diga-me se tenciona guardar o poema... guardar abertamente em segredo, ou destruí-lo.
— Qual é a minha intenção? — indagou ele, adorando a conversa.
— Se guardar o poema abertamente ou simular escondê-lo ou simular que é secreto, planeja que seja lido por outros, que informarão a seus inimigos, de um jeito ou de outro, como deseja.
— E o que eles pensarão?
— Todos, à exceção dos mais sagazes, vão presumir que sua determinação está enfraquecendo, seus medos começam a dominá-lo.
— E os outros?
Os olhos de Koiko não perderam nada da expressão divertida, mas ele percebeu que adquiriam um brilho adicional.
— De seus principais adversários, o xógum Nobusada interpretaria como um sinal de que você, em sua mente interior, concorda com ele, que não é bastante forte para constituir uma ameaça concreta, e passaria a considerar, na maior felicidade, que se tornará mais e mais fácil eliminá-lo quanto mais esperar. Anjo se roeria de inveja por sua proeza como poeta e calígrafo, e desdenharia do “irrequieta”, achando ser uma palavra indigna, mal escolhida, mas o poema o deixaria obcecado, preocupado, ainda mais se for encarado como um documento secreto, até que ele teria quarenta e oito interpretações, todas as quais aumentariam sua implacável oposição.
A franqueza de Koiko impressionou-o.
— E se eu guardar em segredo?
Ela riu.
— Se quisesse guardá-lo em segredo, então teria de queimá-lo agora mesmo, sem nunca mostrá-lo para mim. É triste destruir tanta beleza, muito triste, Yoshi-chan, mas um ato necessário para um homem na sua posição.
— Por quê? É apenas um poema.
— Creio que este é especial. É bom demais. Uma arte assim só pode provir das profundezas interiores. Revela muito. E a revelação é o propósito da poesia.
— Continue.
Os olhos de Koiko pareceram mudar de cor, enquanto ela especulava até que ponto ousaria ir, sempre testando os limites intelectuais... para entreter e excitar quem a contratara, se era o que ele desejava. Yoshi notou a mudança, mas não discerniu o motivo.
— Por exemplo — continuou ela, descontraída —, poderia ser interpretado, pelos olhos errados, como uma manifestação de seu espírito mais profundo: “O poder do meu ancestral homônimo, xógum Toranaga Yoshi, se acha ao meu alcance, suplica para ser usado.”
Observando-a, Yoshi não conseguiu ler seus olhos. Todos os seus sentidos bradavam perigo. Sou tão evidente assim? Talvez esta dama seja perceptiva demais para continuar viva.
— E o que pensaria a princesa Yazu?
— Ela é a mais esperta entre todos, Yoshi-chan. Mas já sabe disso. Ela perceberia o significado no mesmo instante... se é que tem algum significado especial.
Mais uma vez, a expressão dos olhos que Yoshi não pôde entender.
— E se eu lhe desse o poema de presente?
— Esta indigna pessoa transbordaria de alegria por receber tamanho tesouro... mas ficaria numa situação difícil, Yoshi-chan.