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Sonno-joiiii! — berrou o samurai, enfurecido pelos dois terem escapado. John Canterbury se contorcia e gemia no chão, perto de alguns viajantes apavorados, todos ainda ajoelhados, de cabeça baixa, imóveis. Furioso, o jovem samurai chutou para o lado o chapéu de Canterbury e decapitou-o com um único golpe. Depois, com extremo cuidado, limpou a lâmina na sobrecasaca e enfiou-a na bainha.

E durante todo esse tempo o cortejo continuara a passar, como se nada estivesse acontecendo, como se nada ocorrera, os olhos registrando tudo, mas nada deixando transparecer. Nem qualquer dos viajantes a pé ergueu a cabeça da estrada.

O outro samurai, ainda mais jovem sentara no chão, as pernas cruzadas, comprimindo o ombro com o quimono dobrado para estancar a hemorragia, a espada ainda suja de sangue no colo. O companheiro se aproximou, ajudou-o a levantar, limpou a espada no quimono da pessoa mais próxima, uma velha, que estremeceu em terror, mas manteve a cabeça comprimida contra a terra.

Os dois samurais eram jovens e fortes. Sorriram um para o outro, examinaram juntos o ferimento. A bala passara direto pelo músculo da parte superior do braço. Nenhum osso fora atingido. Shorin, o mais velho, disse:

— O ferimento está limpo, Ori.

— Deveríamos ter matado todos.

— Karma.

Neste momento, os samurais concentrados e os oito apavorados carregadores do palanquim passaram pelo local, todos fingindo que os dois homens e o cadáver não existiam. Com toda deferência, os dois jovens inclinaram a cabeça.

A pequena janela lateral do palanquim foi aberta por um instante, e logo se fechou.

2

Tome aqui, Sr. Struan, beba isto — disse o médico, gentilmente, de pé ao lado da cama de campanha.

Estavam na enfermaria da legação britânica, em Kanagawa, e ele conseguira estancar o fluxo de sangue quase que por completo. Tyrer arriara numa cadeira, perto da janela. Os dois haviam chegado meia hora antes.

— Vai fazer com que se sinta melhor — acrescentou o médico.

— O que é isso?

— Uma poção mágica... láudano, que é uma tintura de ópio e morfina, preparada por mim. Vai parar a dor. Terei de costurá-lo um pouco, mas não se preocupe, pois usarei éter para fazê-lo dormir.

Struan sentiu um ímpeto de medo envolvê-lo. Éter para cirurgia era uma inovação recente, muito alardeada, mas ainda experimental.

— Eu... nunca fiz... nenhuma operação, e acho que não...

— Não precisa ficar preocupado. Os anestésicos são bastante seguros, nas mãos certas. — O Dr. George Babcott tinha vinte e oito anos, mais de um metro e noventa de altura, uma corpulência de acordo. — Já usei éter e clorofórmio muitas vezes, ao longo dos últimos cinco ou seis anos, com excelentes resultados. Pode acreditar. Não vai sentir nada, é uma dádiva para o paciente.

— É verdade, Sr. Struan — interveio Tyrer, tentando ser prestativo, mas sabendo que não o era. Seu ferimento já fora limpo com iodo, costurado e enfaixado, o braço descansava agora numa tipóia, e ele agradecia à sua sorte pelo talho ter sido superficial. — Conheci um sujeito na universidade que teve seu apêndice extraído com clorofórmio, e não doeu nada.

Ele queria parecer tranqüilizador, mas a perspectiva de qualquer operação — e a gangrena que a seguia com uma freqüência excessiva — também o apavorava.

— Não se esqueça, Sr. Struan — argumentou Babcott, tentando disfarçar sua preocupação —, que quase quinze anos já passaram desde que o Dr. Simpson usou clorofórmio pela primeira vez numa cirurgia, e a partir de então aprendemos muita coisa a respeito. Estudei sob a sua orientação na enfermaria real durante um ano, antes de partir para a Criméia. — O rosto entristeceu. — Também aprendi muita coisa ali. Mas essa guerra terminou, não temos mais que nos angustiar com isso, e o maravilhoso láudano vai lhe trazer também alguns sonhos eróticos, se tiver sorte.

— E se eu não tiver?

— Acontece que tem. Os dois têm muita sorte.

Struan forçou um sorriso, através da dor.

— Tivemos sorte por encontrá-lo aqui, e tão depressa, sem qualquer dúvida. Com uma confiança instintiva em Babcott, ele tomou o líquido incolor, tornou a se recostar, quase desmaiando com a dor.

— Vamos deixar o Sr. Struan descansar por um momento — disse Babcott. — É melhor vir comigo, Sr. Tyrer, pois temos coisas a fazer.

— Pois não, doutor. Struan, quer eu pegue alguma coisa para você, faça qualquer coisa?

— Não... não, obrigado. E não precisa ficar aqui esperando.

— Não diga bobagem. Claro que esperarei.

Nervoso, Tyrer seguiu o médico para fora da enfermaria e fechou a porta.

— Ele vai ficar bom?

— Não sei. Por sorte, as lâminas dos samurais são sempre limpas, e eles cortam com a precisão de um bisturi. Agora, peço que me dê licença. Sou a única autoridade aqui esta tarde, e agora que já fiz tudo o que podia como médico, devo assumir o papel de representante de sua majestade britânica.

Babcott era o substituto de Sir William. Ordenou que o cúter da legação atravessasse a baía até Iocoama, para dar o alarme, enviou um criado chinês para chamar o governador local, outro para descobrir que daimio, ou príncipe, passara por Kanagawa há cerca de duas horas, colocou em estado de alerta o destacamento de seis soldados e serviu uma dose grande de uísque a Tyrer.

— Beba, pois é medicinal. Disse que os assassinos gritaram alguma coisa para vocês?

— Isso mesmo. Parecia “sono... sonoiii”.

— Nada significa para mim. Fique à vontade. Voltarei num instante. Preciso providenciar algumas coisas.

Babcott saiu da sala. O braço de Tyrer doía, com os sete pontos que levara. Embora o médico fosse competente, ele tivera de fazer o maior esforço para não gritar. Mas conseguira evitar, e sentia-se satisfeito consigo mesmo. O que o consternava agora eram os fluxos de medo que continuavam a sacudi-lo, deixando-o com vontade de sair correndo, e não parar nunca mais.

— Você é um covarde — murmurou ele, transtornado com a descoberta. Como a enfermaria, a ante-sala recendia a substâncias químicas, tornando seu estômago embrulhado. Tyrer foi até a janela, respirou fundo, tentando em vão desanuviar a cabeça, depois tomou um gole do uísque. Como sempre, o gosto era forte e desagradável. Ele olhou para o copo. Imagens terríveis ali, as piores. Um tremor percorreu seu corpo. Forçou-se a olhar apenas para o líquido. Era de um castanho dourado, e o cheiro lembrava-o de sua casa em Londres, o pai depois do jantar sentado frente ao fogo, com seu drinque, a mãe tricotando, serena, as duas criadas tirando a mesa, tudo aconchegante e seguro. Lembrava-o também de Garroway’s, seu café predileto, em Cornhill, movimentado e seguro, e da universidade, excitante, cordial e segura. Tudo seguro. Sua vida inteira fora segura... e agora? O pânico começou outra vez a dominá-lo. Por Deus, o que estou fazendo aqui?