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— Como assim?

— É muito especial, para dar ou receber.

Yoshi desviou os olhos da mulher e contemplou sua obra, com toda atenção. Era tudo o que ele desejara, nunca poderia duplicá-la. Depois, considerou Koiko, com a mesma determinação. Observou seus dedos pegarem o papel e estenderem para ela, fechando a armadilha.

Reverente, Koiko recebeu o poema com as duas mãos, inclinando a cabeça. Tornou a examiná-lo, com o máximo de atenção, querendo gravar tudo na memória, de uma forma tão indelével quanto a tinta no papel. Um suspiro profundo. Com extremo cuidado, ela aproximou o canto do papel da chama do lampião.

— Com sua permissão, Yoshi-sama, por favor? — murmurou Koiko, formal, fitando-o nos olhos, a mão firme.

— Por quê? — indagou ele, atônito.

— É perigoso demais para você deixar tais pensamentos vivos.

— E se eu recusar?

— Neste caso, peço que me desculpe, mas terei de decidir por você.

— Pois então decida.

No mesmo instante, ela encostou o papel na chama. Pegou fogo. Com habilidade, Koiko foi virando-o, até que só restava um pequeno pedaço ainda adendo, a cinza inteira, equilibrada de modo precário. O fogo se extinguiu. Os Qedos de Koiko eram longos e delicados, as unhas a própria perfeição. No silêncio, dobraram o papel sobre o qual as cinzas foram depositadas, fazendo um ogami, dobrado sobre a mesa. O papel parecia agora com uma carpa.

Quando ela levantou o rosto, tinha os olhos cheios de lágrimas, e Yoshi sentiu uma profunda afeição.

— Peço que me perdoe, por favor — balbuciou ela, a voz trêmula. — Mas era perigoso demais para você... é triste destruir tanta beleza, eu queria muito guardar o poema. É triste, mas também seria perigoso demais...

Enternecido, Yoshi tornou a abraçá-la, sabendo que o ato de Koiko era a única solução para ele e também para ela, impressionado por tamanha percepção sobre sua intenção originaclass="underline" planejara de fato esconder o poema, mas deixar que fosse descoberto, e chegar ao conhecimento de todas as pessoas que ela indicara, em particular da princesa Yazu.

Koiko tem razão, posso perceber agora.Yazu discerniria minha trama e leria meus verdadeiros pensamentos: que sua influência sobre Nobusada deve acabar ou posso me considerar um homem morto. Não há outra maneira de interpretar “O poder de meu ancestral”... Por ela, minha cabeça já estaria espetada na ponta de um chuço!

— Não chore, minha criança — sussurrou ele, convencido agora de que podia confiar em Koiko.

E enquanto se permitia ser acariciada, depois excitada, passando por sua vez a excitá-lo, Koiko pensava com seu terceiro coração, seu coração mais secreto — o primeiro para que todo o mundo visse, o segundo aberto apenas à família mais íntima, o terceiro nunca revelado a ninguém —, e nesse lugar secreto deixou escapar um suspiro silencioso de alívio, por ter passado em outro teste, pois sem dúvida fora um teste.

Seria perigoso demais para ele manter viva tamanha traição, porém ainda mais perigoso para mim tê-la em meu poder. É isso mesmo, meu belo amo, é fácil adorá-lo, rir e me divertir em sua companhia, simular êxtase quando me penetra... e é divino recordar que, ao final de cada dia, ganhei um koku. Pense nisso, Koiko-chan! Um koku por dia, todos os dias, por participar do jogo mais emocionante do mundo, com o nome mais elevado do mundo, um homem belo e espantoso, de grande cultura, cujo talo é o melhor que já experimentei... e, ao mesmo tempo, ganhar com isso uma riqueza maior do que em qualquer outra ocasião anterior.

As mãos, lábios e corpo de Koiko reagiam de um modo adequado, fechando, abrindo, abrindo ainda mais, recebendo-o, orientando-o, ajudando-o, um instrumento de absoluta sintonia que ele podia tocar à vontade, enquanto ela simulava um êxtase total, fingia mergulhar e se abandonar, mas nunca se largando por completo — era muito importante conservar suas energias e controle, pois Yoshi era um homem de muitos apetites —, desfrutando a competição, nunca se apressando, mas sempre avançando, ora cambaleando à beira do abismo, deixando-o despencar, só para puxá-lo de volta, permitindo a arremetida final, numa explosão de alívio.

Quieto agora. Seu peso dormindo não chegava a ser tão desagradável, suportado com estoicismo, com o maior cuidado para não se mexer, a fim de não perturbar sua paz. Satisfeita com sua arte, como sabia que Yoshi ficara com a dele. E o último pensamento de Koiko, o mais secreto, exultante, antes de resvalar para o sono, foi: Eu me pergunto como Katsumata, Hiraga e seus amigos shishi vão interpretar “Espada de meus antepassados...”

14

QUIOTO

Segunda-feira, 29 de setembro:

Alguns quilômetros ao sul de Quioto, ao crepúsculo, ocorria um violento combate de retaguarda, entre as tropas de Satsuma em fuga e as forças de Choshu, de lorde Ogama, que pouco antes haviam capturado os portões do palácio. O mestre espadachim de Satsuma, Katsumata, um líder secreto dos shishi, apoiado por uma centena de samurais montados, comandava a batalha, para proteger a fuga de lorde Sanjiro e o grosso das forças de Satsuma, que se encontravam a uns poucos quilômetros de distância, para o sul. Lutavam em grande inferioridade numérica. O local era campo aberto, o vento estava impregnado pelo mau cheiro de esterco humano das plantações e havia no céu um acúmulo ameaçador de nuvens escuras.

Mais uma vez, Katsumata liderou uma carga furiosa, que rompeu as fileiras de vanguarda do inimigo, na direção do estandarte do daimio de Choshu, Ogama, também montado. Mas os samurais de Satsuma foram rechaçados, com grandes baixas, e reforços correram para proteger seu líder.

— Todas as tropas devem avançar! — gritou Ogama.

Ele tinha vinte e oito anos, um homem corpulento e irado, usando uma armadura leve de bambu e metal, com capacete de guerra, a espada desembainhada e ensangüentada.

— Contornem esses cães! Sigam em frente! Quero a cabeça de Sanjiro! No mesmo instante, ajudantes partiram em disparada pará transmitir suas ordens a todos os comandantes.

A cinco ou seis quilômetros dali, lorde Sanjiro e os remanescentes de suas forças seguiam apressados para a costa e Osaca, a trinta e tantos quilômetros de distância, a caminho das embarcações que os levariam para seu território, a ilha meridional de Kyushu, e para a segurança de sua capital, Kagoshima, seiscentos quilômetros para oeste.

No total, havia cerca de oitocentos guerreiros, bem equipados, samurais fanáticos, ansiosos em voltar para a luta, ainda amargurados pela derrota, pela expulsão de Quioto, uma semana antes. Ogama desfechara um inesperado ataque noturno, cercando seu acampamento e incendiando os prédios, repudiando os acordos solenes que haviam celebrado.