Com grandes baixas, os Satsumas lutaram para sair da cidade, até a aldeia de Fushimi, onde Sanjiro reagrupara suas forças, frenético, sempre atacados por destacamentos Choshus.
— Estamos acuados!
Um dos seus comandantes dissera:
— Lorde, proponho um contra-ataque imediato, na direção de Quioto. Ao que Katsumata respondera, enfático:
— Seria perigoso demais, pois são muitas as tropas contra nós, e poderão nos esmagar. Sire, alienaria assim todos os daimios, e deixaria a corte ainda mais assustada. Proponho que ofereça uma trégua a Ogama... se ele permitir uma retirada ordenada.
— Sob que alegação?
— Como parte da trégua, aceita que suas forças serão guardiães dos portões... as forças dele, não as de Tosa, e isso vai semear ainda mais divergência entre eles.
— Não posso aceitar isso — protestara Sanjiro, tremendo de raiva por ter sido enganado por Ogama. — E mesmo que eu concordasse, ele rejeitaria a proposta. Por que deveria aceitar? Nós é que estamos em desvantagem. Pode urinar em cima de todos nós. Se eu estivesse em seu lugar, trataria de nos atacar aqui, antes do meio-dia.
— É o que ele fará, lorde... a menos que o impeçamos. Podemos conseguir isso por uma artimanha, já que ele não é um guerreiro tão capaz quanto meu lorde... e suas tropas não têm o mesmo denodo, não são tão bem treinadas. Ele só conseguiu nos derrotar porque atacou à noite, numa sórdida traição. Lembre-se de que a aliança de Ogama com Tosa é precária. Ele precisa consolidar a posse dos portões e suas tropas são insuficientes para enfrentar todos os problemas durante as próximas semanas. Tem de se organizar e providenciar reforços, sem provocar qualquer oposição. E muito em breve o Bakufu deve retornar com todas as suas forças, para retomar os portões, como é seu direito.
Pelo édito de Toranaga, todos os daimios em visita a Quioto só podiam levar quinhentos guardas, todos os quais tinham de se manter sob severas restrições, dentro dos acampamentos de seus feudos, construídos sem defesas. O mesmo édito permitira que as forças do xogunato fossem mais numerosas do que todas as outras juntas. Ao longo de séculos de paz, o Bakufu deixara que tais leis definhassem. Em anos recentes, os daimios de Tosa, Choshu e Satsuma — dependendo da força pessoal — haviam ludibriado a burocracia para aumentar seus efetivos, até serem obrigados a enviar os guerreiros em excesso de volta para suas terras.
— Ogama não é um tolo, nunca me deixará escapar — dissera Sanjiro. — Eu espetaria sua cabeça na ponta de um chuço, se conseguisse acuá-lo.
— Ele não é um tolo, mas pode ser manipulado. — Katsumata baixara a voz para acrescentar: — Além da promessa sobre os portões, também poderia concordar que, se ou quando houver uma convenção de daimios, apoiaria suas reivindicações a ser chefe do Conselho de Anciãos.
— Nunca! — explodira Sanjiro. — Ele não pode deixar de saber que eu jamais concordaria com isso. Por que acreditaria em tamanho absurdo?
— Porque ele é Ogama. Porque fortificou seu estreito de Shimonoseki com dezenas de canhões de sua fábrica de armas não tão secreta, construída pelos holandeses, e por isso acredita, com toda razão, que pode impedir a passagem dos navios dos gai-jin, a seu capricho, e mesmo assim continuar a salvo de um ataque deles. Porque pensa que é o único que pode pôr em prática o desejo do imperador de expulsar os gai-jin, que somente ele pode restaurar o aparato de poder do imperador... por que ele não deveria reivindicar o maior de todos os prêmios, ser o tairo, ditador?
— A Terra terá um banho de sangue antes que isso aconteça.
— O último motivo pelo qual ele poderia aceitar uma trégua, Sire, é o fato de que nunca antes controlou os portões... não passa de um arrivista, um usurpador, e sua linhagem é vulgar — acrescentara Katsumata, com imenso desdém —, não tão antiga e elevada quanto a sua. Uma razão adicionaclass="underline" ele aceitará a trégua porque será oferecida como permanente.
Em meio aos protestos atônitos e furiosos, Sanjiro fitara seu conselheiro com o maior espanto, surpreso pela extensão das concessões que Katsumata propunha. Sem compreender, mas conhecendo Katsumata muito bem, ele tratara de dispensar os outros.
— O que há por trás de tudo isso? — indagara, impaciente, assim que ficaram a sós. — Ogama não pode deixar de saber que qualquer trégua só valerá até eu me encontrar seguro por trás de minhas montanhas, onde mobilizarei todos os homens de Satsuma, e depois marcharei para Quioto, a fim de recuperar meus direitos, vingar os insultos e cortar sua cabeça. Por que tamanho absurdo de sua parte?
— Porque corre um perigo mortal, Sire, como nunca antes. Está acuado. Há espiões entre nós. Preciso de tempo para organizar os barcos em Osaca e formular um plano de batalha.
Sanjiro acabara concordando:
— Muito bem, pode negociar.
As negociações haviam se prolongado por seis dias.
Durante esse tempo, Sanjiro permanecera placidamente em Fushimi, mas despachara espiões para todas as estradas de Quioto. Como medida de confiança mútua, Sanjiro consentira em se deslocar para uma posição menos defensável e Ogama retirara todas as suas forças do caminho de fuga, à exceção de um destacamento simbólico. Depois, ambos ficaram esperando que o outro cometesse um erro.
Com o poder supremo em Quioto, mesmo que precário, Ogama, apoiado por mais de mil samurais, parecia se contentar em reforçar seu domínio sobre os portões, cultivando os outros daimios, e em particular os cortesãos que se mostravam simpáticos à sua causa. Ogama os persuadira a abordar o imperador e pedir que “solicitasse” a imediata renúncia de Anjo e do Conselho de Anciãos, convocasse uma convenção de daimios, que teria o poder de designar um novo Conselho de Anciãos — no qual ele seria o tairo —, que governaria até o xógum Nobusada alcançar a maioridade, substituindo todos os partidários de Toranaga no Bakufu.
Para intensa satisfação de Ogama, os cortesãos lhe informaram que seus disparos de canhão contra os navios dos gai-jin haviam agradado bastante ao imperador. Isso e mais a trégua proposta por Sanjiro, com extraordinárias concessões, reforçavam ainda mais sua influência sobre a corte.
— A trégua é aceita — declarara ele a Katsumata, pomposo, no dia anterior. — Ratificaremos o acordo daqui a sete dias, em meu quartel-general. Depois, vocês podem se retirar para Kagoshima.
Mas, naquela manhã, chegara a notícia surpreendente da proposta da visita do xógum Nobusada. No mesmo instante, Sanjiro mandara chamar Katsumata.
— O que deu em Anjo e Yoshi para concordar? Enlouqueceram? Qualquer coisa que venha a acontecer, eles saem perdendo.