— Já chega, Sr. Swann — disse Mabel, com uma fungadela desdenhosa. — Vamos para a cama, com uma boa xícara de chá inglês.
— Se está cansada, minha cara, você e Vic...
— Nós dois vamos embora! E agora!
— Você também, Barnaby — disse Victoria Lunkchurch, o sotaque de Yorkshire tão grande quanto os quadris. — E trate de tirar esses pensamentos sujos da cabeça, antes que eu dê um jeito em você!
— Quem, eu? Que pensamentos?
— Esses pensamentos com aquela Sirigaita francesa, que Deus a perdoe! — acrescentou Victoria, com mais veneno ainda. — Vamos embora!
Ninguém sentiu falta deles, nem percebeu que haviam se retirado. Todos se concentravam na convidada de honra, tentando chegar mais perto; ou se já se encontravam no círculo, tentando impedir que outros os afastassem.
— Uma esplêndida noite, Henri — disse Angelique.
— Só por sua causa. Ao nos honrar com sua presença, faz com que tudo pareça melhor.
Seratard murmurava esses chavões galantes enquanto pensava: É uma pena que você ainda não seja casada, portanto madura para uma ligação com um homem refinado. A pobre moça tem de suportar um escocês imaturo e bovino, embora rico. Eu bem que gostaria de ser o seu primeiro amante de verdade... seria uma alegria lhe ensinar as coisas.
— Você sorri, Henri? — murmurou ela, subitamente consciente de que seria melhor tomar cuidado com aquele homem.
— Pensava apenas em como seu futuro será perfeito e isso me deixou feliz.
— Ah, quanta gentileza!
— Acho que...
— Miss Angelique, se me permite a ousadia, vamos ter uma corrida no sábado — interveio Norbert Greyforth, furioso por Seratard monopolizar a moça, irritado pela grosseria do homem em falar francês, uma língua que não entendia, detestando-o e a tudo que era francês, à exceção de Angelique. — Será uma corrida nova... ahn... em sua homenagem. Decidimos chamá-la de Copa Angel, não é mesmo, Jamie?
— É, sim — confirmou Jamie McFay, os dois diretores do Jóquei Clube, ambos sob o encantamento de Angelique.— Resolvemos que será a última corrida do dia, e a Struan vai oferecer o prêmio em dinheiro, de vinte guinéus. Poderia entregar o prêmio, Miss Angelique?
— Claro que sim. Será um prazer, se o Sr. Struan aprovar.
— Ficaremos esperando.
McFay já pedira a permissão de Struan, mas ele e todos os homens ao redor especularam sobre as implicações do comentário, embora todas as apostas contra um noivado estivessem suspensas. Mesmo em particular, Struan não lhe dera a menor indicação, apesar de McFay se sentir na obrigação de relatar os rumores.
— Isso não é da conta de ninguém, Jamie. Absolutamente ninguém.
Ele concordara, mas sua inquietação aumentara. O comandante de um navio mercante que entrara no porto, um velho amigo, lhe entregara uma carta da mãe de Malcolm, pedindo um relatório confidenciaclass="underline" Desejo saber tudo o que tem acontecido desde que essa mulher Richaud chegou a Iocoama, Jamie. Tudo mesmo, rumores, fatos, intrigas, e não preciso ressaltar que isso deve permanecer como um segredo absoluto entre nós.
Mas que droga!, pensou Jamie. Estou comprometido por um juramento sagrado a servir ao tai-pan, quem quer que ele seja, e agora sua mãe me pede mas, por outro lado, uma mãe tem direitos, não é mesmo? Não necessariamente, mas a Sra. Struan tem, porque é a Sra. Struan, e ainda por cima você já se acostumou a fazer o que ela manda. Não vem se submetendo há anos às suas ordens, pedidos e sugestões?
Pelo amor de Deus, Jamie, pare de tentar enganar a si mesmo; no fundo, não é ela quem vem controlando Culum e dirigindo a Struan há anos, e nem você, nem qualquer outro, jamais quiseram encarar o fato abertamente?
— Isso é mais do que certo — murmurou ele.
Sentia-se chocado pelo pensamento, que sempre receara escancarar. Subitamente contrafeito, ele se apressou em cobrir o lapso, mas todos ainda se concentravam em Angelique.
A exceção de Norbert.
— O que é certo, Jamie? — indagou ele, sob o burburinho da conversa, com um sorriso indecifrável.
— Tudo, Norbert. Grande noite, hem?
Para seu grande alívio, Angelique atraiu a atenção de ambos.
— Boa noite, boa noite, Henri, senhores — disse ela, sob protestos gerais. — Sinto muito, mas preciso ver meu paciente, antes de me recolher.
Ela estendeu a mão. Com uma elegância experiente, Seratard beijou-a, Norbert, Jamie e os outros fizeram a mesma coisa, embora desajeitados. Antes que qualquer outro pudesse se oferecer como voluntário, André Poncin disse:
— Talvez eu possa escoltá-la até sua casa?
— Claro. Por que não? Sua música me deixou extasiada.
A noite estava um pouco fria e nublada, mas ainda assim bastante agradável, o xale de lã ornamentando os ombros de Angelique, o babado na bainha da saia-balão se arrastando na poeira da calçada de madeira... tão necessária durante as chuvas de verão, que transformava todos os caminhos em atoleiros. Apenas uma pequena parte da mente de Angelique focalizava o momento.
— André, sua música é maravilhosa, e não pode imaginar como eu gostaria de tocar assim — comentou ela, com sinceridade.
— É apenas uma questão de prática, mais nada.
Seguiram para o prédio Struan, todo iluminado, falando em francês, descontraídos, André consciente dos olhares invejosos dos homens a caminho do clube — efusivo, apinhado e convidativo —, atraído por ela, não com desejo ou paixão. Apenas por sua companhia, por seus comentários tão felizes que mal exigiam uma resposta.
Na noite anterior, no jantar “francês” de Seratard, numa sala particular do hotel Iocoama, ele sentara ao lado de Angelique e achara sua juventude e aparente frivolidade revigorantes, e seu amor e conhecimento de Paris, os restaurantes, teatros, as conversas de seus jovens amigos, os risos e relatos de passeios pelo Bois e toda a emoção do segundo império haviam-no deixado com a maior nostalgia, lembrando os dias da universidade e o quanto também sentia saudade de sua terra.
Anos demais na Ásia, na China e aqui.
É curioso que esta moça seja tão parecida com minha própria filha. Marie tem a mesma idade, as duas fazem aniversário no mesmo mês, julho, os mesmos olhos, a mesma cor...
Ele se corrigiu: Talvez como Marie. Quantos anos já se passaram desde que rompi com Françoise, deixei as duas na pensão da família, perto da Sorbonne, e parti? Dezessete anos. Quanto tempo desde que as vi pela última vez? Dez anos. Merde, eu nunca deveria ter casado, Françoise grávida ou não. O tolo fui eu, não Françoise, pelo menos ela casou de novo, e agora dirige a pensão. E Marie?