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Eu sei, eu sei, Angelique teve vontade de gritar. Mas sou uma mulher, e tenho de esperar, fiquei esperando, e agora é tarde demais. Bendita Maria, ajude-me!

— Eu não... não acredito que Malcolm me culpe pelo que meu pai fez, nem que dê ouvidos à mãe.

— Infelizmente, Angelique, ele terá de fazê-lo. Está esquecendo que Malcolm Struan ainda é menor de idade, embora seja o tai-pan. Só vai completar vinte e um anos em maio do ano que vem. Até lá, a mãe pode lhe impor todos os tipos de restrições legais, até mesmo um noivado de um ano, de acordo com a lei inglesa.

Poncin não tinha certeza absoluta disso, mas parecia razoável, e era verdadeiro pela lei francesa.

— Ela pode impor restrições a você também, talvez mesmo levá-la aos tribunais — acrescentou ele, com tristeza. — A Struan é uma companhia poderosa na Ásia, que é quase o seu domínio. Ela pode arrastá-la a um tribunal, você sabe o que dizem a respeito dos juizes, todos os juizes, não é mesmo? Pode acusá-la de ser uma coquete, uma impostora, de estar querendo apenas o dinheiro de seu filho ou até pior. Pode descrevê-la de uma maneira terrível para o juiz, você no banco dos réus, indefesa, seu pai um jogador, na bancarrota, um homem que nunca desfrutou de qualquer prosperidade, seu tio na prisão dos devedores, e você sem dinheiro, uma aventureira.

Ela empalideceu.

— Como sabe de tio Michel? Quem é você?

— Não há nenhum segredo, Angelique. Quantos cidadãos franceses existem na Ásia? Não são muitos, não há ninguém como você, e as pessoas adoram futricar. Eu sou apenas André Poncin, mercador na China, mercador no Japão. Nada tem a temer de mim. Não quero nada além de sua amizade e confiança. E quero ajudá-la.

— Como? Estou além de qualquer possibilidade de ajuda.

— Não está, não — murmurou ele, observando-a com toda atenção. — Você o ama, não é mesmo? E seria a melhor esposa que um homem poderia ter, se tivesse a oportunidade, não é mesmo?

— Claro que sim...

— Neste caso, trate de pressioná-lo, suplique, persuada, por todos os meios que puder, para fazer com que o noivado se torne público. Talvez eu possa orientá-la.

Agora, finalmente, ele percebeu que Angelique o escutava para valer, que o compreendia; e foi com extrema gentileza que desfechou o golpe de misericórdia:

— Uma mulher inteligente... e você é inteligente, além de bonita... trataria de casar depressa. Bem depressa.

Struan estava lendo, o lampião a óleo na mesa ao lado da cama proporcionando claridade suficiente, a porta para o quarto de Angelique entreaberta. Sua cama era confortável, e ele se absorvera na história, o camisolão de seda realçando a cor de seus olhos, o rosto ainda pálido e encovado, sem nada da força anterior. Na mesa, havia também uma poção para dormir, cachimbo, tabaco e fósforos, um jarro com água temperada com um pouco de uísque.

— É ótimo para você, Malcolm — garantira Babcott. — É o melhor medicamento que poderia ter na hora de dormir, só que a dose deve ser bem fraca. Melhor do que a tintura.

— Sem isso, passo a noite inteira acordado, e me sinto horrível.

— Já se passaram dezessete dias desde o acidente, Malcolm, e é hora de parar.

Nunca é bom depender de um medicamento para dormir. É melhor parar de vez.

— Tentei uma vez antes, e não deu certo. Pararei dentro de um ou dois dias... As cortinas haviam sido fechadas para a noite, o quarto era aconchegante, o tique-taque do ornamentado relógio suíço era tranquilizador. Era quase uma hora da madrugada, e o livro, Os Assassinatos na Rua Morgue, fora-lhe emprestado naquela manhã por Dmitri, que comentara:

— Acho que você vai gostar, Malc. É o que chamam de história de detetive... e Edgar Allan Poe é um dos nossos melhores escritores. É uma pena que ele tenha morrido em quarenta e nove, o ano seguinte à corrida do ouro. Tenho uma coleção de seus contos e poemas, se você gostar deste livro.

— Obrigado, Dmitri. É muita gentileza sua. Não pode imaginar como me sinto grato por me visitar com tanta freqüência. Mas por que parece tão sombrio hoje?

— As notícias que recebi de casa não são nada boas. Minha família... a situação é terrível, Malc, tudo misturado e confuso, primos, irmãos, tios lutando por lados diferentes. Mas você não está interessado nessas coisas. Tenho uma porção de outros livros, uma biblioteca inteira, para ser mais preciso.

— Continue a falar de sua família, por favor — pedira ele, começando a sentir a dor que experimentava durante o dia. — Eu gostaria de ouvir.

— Está bem. Quando meu avô e sua família emigraram da Rússia, da Criméia, para ser exato... já contei que nossa família era de cossacos?... foram se instalar num lugar chamado Far Hills, em Nova Jersey, e ali cultivaram a terra até a guerra de 1.812... meu avô morreu nela. É também um ótimo lugar para se criar cavalos, e a família prosperou. Quase todo mundo permaneceu em Nova Jersey, mas dois filhos de meu avô se mudaram para o sul, foram viver em Richmond, Virgínia. Quando estive no exército, há mais de quinze anos... Naquele tempo, era apenas o exército da União, não havia essa história de Norte e Sul. Entrei na Cavalaria e fiquei por cinco anos, passei a maior parte do tempo no sudoeste, lutando nas guerras índias, se é que se pode chamá-las assim. Passei parte do tempo no Texas, quando ainda era república, ajudando a combater os índios ali, e mais dois anos depois que o Texas ingressou na União, em quarenta e cinco, estacionado nos arredores de Austin. Foi lá que conheci minha esposa, Emilie... ela também era de Richmond, filha de um coronel da intendência. É um lugar lindo, a região em torno de Austin, mas Richmond é ainda mais bonito. Emilie... quer que eu vá lhe buscar alguma coisa?

— Não, obrigado, Dmitri. A dor já vai passar. Continue, por favor... ouvi-lo me ajuda bastante.

— Tudo bem. Minha Emilie... Emilie Clemm era o seu nome, prima distante da esposa de Poe, Virgínia Clemm, o que só descobri mais tarde, mas é por isso que tenho uma coleção de suas obras. — Dmitri rira. — Poe era um grande escritor mas um bêbado ainda maior. Parece que todos os escritores são vagabundos bêbados e/ou fornicadores... veja o caso de Melville... talvez seja isso que os torna escritores. Pois eu não consigo escrever uma carta sem suar frio. E você?

— Oh, posso escrever cartas... tenho de fazê-lo, e também mantenho um diário, como a maioria das pessoas. Mas estava me falando sobre o tal de Poe...

— Ia lhe contar que ele casou com Virgínia Clemm quando ela tinha treze anos... era também sua prima, imagine só!... e viveram felizes para sempre, mas não muito, se era verdade o que os jornais noticiavam e os futriqueiros diziam... Poe era um tremendo filho da puta em matéria de mulheres, mas ela parecia não se importar. Minha Emilie não tinha treze anos quando casamos, mas dezoito, e era uma beldade sulista, como jamais houve outra igual. Já éramos casados quando deixei o exército e entrei na Cooper-Tillman, em Richmond... eles queriam se expandir em armamentos e munição, exportando para a Ásia, um lugar sobre o qual eu aprendera muita coisa, além de matar índios e negociar cavalos. O velho Jeff Cooper achava que armas de fogo e outras mercadorias, despachadas de Norfolk, Virgínia, teriam uma boa aceitação, junto com o ópio, na costa da China, os navios voltando a Norfolk com prata e chá... mas conhece Jeff. A Cooper-Tillman e a Struan são velhas amigas, não é mesmo?