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— E espero que assim permaneçam. Continue.

— Não aconteceu muito mais coisa... ou aconteceu tudo. Ao longo dos anos, outros da família foram para o sul e se espalharam. Minha mãe era do Alabama, tenho dois irmãos e uma irmã, todos mais moços do que eu. Billy está agora com o Norte, no primeiro regimento de cavalaria de Nova Jersey... e meu irmão caçula, Janny... recebeu o nome de meu avô, Janov Syborodin... Janny também está na cavalaria, só que no terceiro regimento da Virgínia. É tudo uma loucura... aqueles dois não sabem nada sobre guerra e combate e vão acabar se matando.

— Você... pretende voltar?

— Não sei, Malc. Durante o dia inteiro penso que sim, à noite também, mas de manhã é não, pois não quero começar a matar gente da família, o que terei de fazer em qualquer lado por que lutar.

— Por que saiu dos Estados Unidos e veio para esta terra esquecida de Deus?

— Emilie morreu. Teve escarlatina... houve uma epidemia e ela foi uma das desafortunadas. Isso aconteceu há nove anos... no momento em que íamos ter nosso filho.

— Mas que coisa terrível!

— Tem razão. Você e eu já tivemos a nossa quota...

Struan se encontrava tão concentrado no livro de mistério que não ouviu a porta externa da suíte ser aberta e fechada, suavemente. Também não escutou os passos leves de Angelique, nem percebeu que ela o espiou por um instante, para depois desaparecer. Um momento mais tarde, houve um estalido quase imperceptível, quando ela fechou a porta de ligação entre os dois quartos.

Ele levantou os olhos e prestou atenção. Angelique dissera que daria uma olhada para ver como ele estava, mas não o incomodaria se o encontrasse dormindo. Ou se estivesse cansada, iria direto para a cama, silenciosa como um camundongo, e só o veria pela manhã.

— Não se preocupe, querida — dissera ele, feliz. — Trate apenas de se divertir. Tornarei a vê-la no desjejum. Duma bem, e saiba que eu a amo.

— Também amo você, chéri. Duma bem.

O livro ficara em seu colo. Com esforço, Struan sentou na cama, estendeu as pernas pelo lado. Essa parte ainda era suportável. Mas não levantar-se, o que estava além de sua capacidade. O coração disparou, ele sentiu-se nauseado e recostou-se. Tenho de insistir, não importa o que Babcott diz, pensou ele, sombrio, esfregando a barriga. Amanhã tentarei de novo. Três vezes. Talvez seja melhor assim. Eu gostaria de ficar com ela. E é o que eu faria se pudesse, que Deus me livre.

Quando se sentiu melhor, ele retomou a leitura, só que agora a história não o absorveu tanto como antes, a atenção divagou, a mente se pôs a misturar o relato no livro com imagens de Angelique sendo assassinada, cadáveres por toda parte, ele correndo para protegê-la, tendo outros vislumbres, cada vez mais eróticos.

Ao final, ele largou o livro, marcando o lugar com uma folha de papel que Angelique lhe dera, de seu diário. Fico imaginando o que ela escreve ali, sendo tão diligente. Sobre eu e ela? Ela e eu?

Muito cansado agora. Estendeu a mão para baixar o pavio do lampião e se deteve no meio do gesto. O pequeno copo de vinho com o medicamento parecia chamá-lo. Seus dedos tremeram.

Babcott tem razão, não preciso mais.

Decidido, ele apagou o lampião, ajeitou-se, fechou os olhos, rezando por ela e por sua própria família, para que a mãe lhes desse a bênção, e depois por si mesmo. Ó, Deus, ajude-me a melhorar... tenho medo, muito medo.

Mas o sono não veio de imediato. Virar-se ou tentar encontrar uma posição mais confortável sempre doía, fazendo-o lembrar da Tokaidô e de Canterbury. Meio adormecido, meio acordado, a mente fervilhava com a história do livro, os detalhes macabros. Como acabaria? Todos os tipos de imagens aflorando. Algumas terríveis, outras belas, algumas vívidas, cada pequeno movimento em busca de conforto fazendo desabrochar as flores da dor.

O tempo passou, outra hora, talvez minutos, e depois ele tomou o elixir, relaxou, contente, sabendo que em breve estaria flutuando no sono, a mão de Angelique em seu corpo, sua própria mão a explorando, nos seios, por toda parte, ela também o acariciando, na maior felicidade, num contato que não se limitava às mãos.

15

Sexta-feira, 3 de outubro:

Logo depois do amanhecer, Angelique saiu da cama, sentou à penteadeira, diante das janelas da sacada que dava para a High Street e a enseada. Sentia-se muito cansada. Seu diário estava na gaveta trancada. A capa era de couro vermelho, opaco, e também tinha um cadeado. Ela pegou a pequena chave no esconderijo, abriu o diário, mergulhou a pena na tinta e começou a escrever, mais como se fosse de uma amiga para outra... e o diário parecia agora sua única amizade, a única coisa com que se sentia segura:

“Sexta-feira, dia 3: outra noite péssima, e me sinto horrível. Já se passaram quatro dias desde que André me deu a terrível notícia sobre o pai. A partir de então, tenho sido incapaz de escrever qualquer coisa, de fazer qualquer coisa, venho trancando as portas e ‘ficado de cama’, simulando uma febre, levantando-me apenas uma ou duas vezes por dia para visitar meu Malcolm, atenuar sua ansiedade. Fecho a porta a todo mundo, à exceção de minha criada, a quem odeio, e concordei em receber Jamie uma vez, e também André.

Pobre Malcolm, ficou fora de si de preocupação no primeiro dia em que não apareci, nem abri minha porta, e insistiu em ser carregado numa maca até meu boudoir, para me ver... mesmo que tivessem de arrombar a porta. Consegui evitar que isso acontecesse forçando-me a visitá-lo, dizendo que estava bem, apenas sentia uma dor de cabeça, que não precisava dos cuidados de Babcott, e ele não precisava se preocupar com minhas lágrimas. Em particular, disse-lhe que era apenas ‘aquela época do mês’, e às vezes o fluxo era muito intenso, e meus dias eram irregulares. Ele ficou embaraçado de maneira inacreditável por eu ter mencionado meu período! Inacreditável! Quase como se nada soubesse sobre essa função feminina. Às vezes não consigo entendê-lo nem um pouco, embora ele seja gentil e atencioso, como jamais conheci outro igual. Mais uma preocupação: a verdade é que o pobre coitado não parece muito melhor, e todos os dias sente tanta dor que tenho vontade de chorar.”

Bendita Mãe, dê-me forças!, pensou ela. E há outro problema. Tento não me preocupar, mas estou frenética. O dia se aproxima. Quando chegar, ficarei livre daquele terror, mas não da penúria.