Agora, observando Malcolm Struan deitado ali, lendo a carta que Hoag lhe entregara, vendo o rosto pálido e o corpo debilitado, ele começou a ter dúvidas.
Struan levantou o rosto, os olhos contraídos.
— O que é, Jamie?
— Queria que eu fizesse alguma coisa.
Depois de uma pausa, Malcolm disse:
— Isso mesmo. Mande um recado para a legação francesa... Angelique está lá, disse que ia esperar por sua correspondência... avise que um velho amigo chegou de Hong Kong e que eu gostaria que ela o conhecesse.
McFay balançou a cabeça e sorriu.
— Está bem. Basta me chamar quando precisar de qualquer coisa.
Ele se retirou. Inquieto, Struan ficou olhando para a porta. O rosto de Jamie fora franco demais. Tentando recuperar o controle, ele voltou a se concentrar na carta:
Malcolm, meu pobre e querido filho. Só uma mensagem curta, escrita às pressas, enquanto Ronald Hoag se prepara para embarcar no navio de correspondência, cuja partida retardei, para que ele pudesse viajar e lhe oferecer os melhores cuidados. Fiquei transtornada ao saber que fora atacado por aqueles porcos. Jamie informa que esse tal de Dr. Babcott teve de fazer uma operação... por favor, escreva para mim, e despache por qualquer meio expresso disponível, e volte para cá o mais depressa possível, afim de ter o melhor tratamento. Envio meu amor e orações, assim como Emma, Rose e Duncan. P.S. Eu amo você.
Ele levantou os olhos.
— E agora?
— Diga-me a verdade, Malcolm. Como você está?
— Eu me sinto horrível e tenho medo de morrer.
Hoag sentou na cadeira de braços e uniu as pontas dos dedos, as mãos erguidas.
— A primeira coisa é compreensível, a segunda não é necessariamente acurada, embora seja muito fácil acreditar nisso... e também muito perigoso. Os chineses podem provocar a própria morte, ao pensarem que vão morrer, mesmo quando estão saudáveis... já vi acontecer.
— Mas eu não quero morrer. Tenho tudo por que viver. E não há palavras para expressar o quanto quero viver. Mas todas as noites, todos os dias, em algum momento, o pensamento me ocorre... me atinge como se fosse um golpe físico.
— Que medicamento está tomando?
— Só uma coisa... acho que é láudano... para me ajudar a dormir. A dor é terrível e não consigo me acomodar.
— Todas as noites?
— Isso mesmo. Ele quer que eu pare de tomar, diz que tenho... que devo parar.
— Já tentou?
— Já.
— E não conseguiu?
— Ainda não. Minha vontade parece ter me abandonado.
— É um dos problemas da vontade... por mais valiosa e bela que seja. — Ele sorriu. — Láudano foi o nome primeiro dado por Paracelso a essa panaceia. Conhece Paracelso?
— Não.
— Nem eu. — Hoag soltou uma risada. — Seja como for, transferimos o nome para essa tintura de ópio. É uma pena que todos os derivados sejam criadores de hábito. Mas você sabe disso.
— Sei, sim.
— Podemos livrá-lo. Não é problema.
— Claro que é um problema, e sei disso também, como ainda sei que não aprova o nosso comércio de ópio.
Hoag sorriu.
— Estou contente que você tenha feito uma declaração, não uma pergunta. Mas sei que você também não aprova, nenhum mercador na China aprova, mas estão todos acuados. Agora, Malcolm, vamos deixar de lado a economia e a política. Podemos conversar sobre a Srta. Richaud?
Struan sentiu o sangue afluir para o rosto.
— Quero que me escute com atenção, de uma vez por todas: não importa o que a mãe diga, já tenho idade suficiente para pensar por mim mesmo e posso fazer o que bem quiser. Entendido?
Hoag tornou a sorrir, afável.
— Sou seu médico, Malcolm, não sua mãe. E também sou seu amigo. Alguma vez lhe falhei ou a qualquer pessoa de sua família?
Com esforço visível, Struan conteve a raiva, mas não pôde fazer a mesma coisa com o coração disparado.
— Desculpe, mas eu... — Ele deu de ombros, desamparado. — Desculpe.
— Não precisa pedir desculpas. Não estou tentando interferir em sua vida particular. Sua saúde depende de muitos fatores, e parece que ela é um dos principais. Daí a minha pergunta, que tem razões médicas... não de família. O que me diz da Srta. Angelique Richaud?
Struan queria parecer calmo e firme, mas não foi capaz de controlar a frustração, e explodiu:
— Quero casar com ela e está me levando à loucura ter de ficar deitado aqui, Como um... deitado aqui na total impotência. Pelo amor de Deus, não posso nem ao menos sair da cama, não posso mijar... não posso fazer absolutamente nada, mal consigo beber ou comer ou fazer qualquer outra coisa, sem sentir uma dor terrível. Estou enlouquecendo, e por mais que tente, parece que nada melhora.
Ele continuou a se lamentar, até se sentir fraco. Hoag limitou-se a escutar. Struan finalmente parou, murmurando outro pedido de desculpas.
— Posso examiná-lo agora?
— Pode... claro.
Com extremo cuidado, Hoag examinou-o, encostou o ouvido no peito para escutar o coração, verificou a boca, a pulsação, espiou o ferimento, cheirou-o. Os dedos sondaram a barriga, procurando pelos órgãos por baixo, avaliando a extensão dos danos.
— Aqui dói... e aqui... fica melhor assim?
Cada pressão provocava um gemido de Malcolm. Hoag encerrou o exame depois de um longo momento. Struan rompeu o silêncio:
— E então?
— Babcott fez um bom trabalho com o que já teria matado, a esta altura, um homem normal. — As palavras de Hoag eram medidas, transbordando de confiança. — Agora, vamos fazer uma experiência.
Gentilmente, ele pegou as pernas de Struan, e ajudou-o a sentar na beira da cama. Depois, passou o braço de Malcolm por seus ombros e sustentando a maior parte do peso, com uma força surpreendente, ajudou-o a levantar.
— Cuidado!
Struan não podia se manter de pé sozinho, mas teve a impressão de que era capaz, e isso o encorajou. Depois de um momento, Hoag tornou a arriá-lo na cama. O coração de Struan batia descompassado da dor, mas ele se sentia bastante satisfeito.
— Obrigado.
O médico recostou-se na cadeira, enquanto recuperava a própria força.
— Vou deixá-lo agora, para arrumar minhas coisas. Gostaria que você descansasse. Voltarei a vê-lo depois de conversar com Babcott. É bem provável que venhamos visitá-lo juntos. Combinado?