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E as imagens continuavam a surgir, cada vez mais rápidas. Era como se a sua mente se tivesse repentinamente tornado num enigma gigantesco, com peças estranhas que se iam encaixando. Mas as peças não faziam sentido. Teve uma visão de um estádio enorme cheio de homens fardados com o uniforme do exército. Pareciam estar a fazer um filme. •Era actriz?» Não, parecia estar a dar ordens. «Mas que ordens?» Um soldado entregou lhe um ramo deflores. «Terá de pagá-las•>, riu-se. Duas noites depois, teve um sonho com o mesmo homem. Estava a despedir-se dele no aeroporto, e acordou a soluçar porque o perdia. No teve mais paz depois disso. Não eram simples sonhos. Erampedaços da sua vida, do seu passado. «Tenho de saber quem sou. Quem sou.» E, inesperadamente, a meio da noite, sem mais nem menos, surgiu-lhe um nome do subconsciente. «Catherine. 0 meu nome é Catherine Alexander.»

Atenas, Grécia

0 império de Constantin Demiris não podia ser localizado em nenhum mapa; no entanto, ele era senhor de um feudo mais poderoso do que muitos países. Ele era um dos dois ou três homens mais ricos do mundo e a sua influência era incalculável. Não tinha título ou posto oficial, mas regularmente comprava e vendia primeiros-ministros, cardeais, embaixadores e reis. Os tentáculos de Demiris estavam por toda a parte, tecidos através da trama e urdidura de dezenas de países. Era um homem carismático, com uma mente brilhantemente incisiva, fisicamente notável, de altura bem acima da média, entroncado e de ombros largos. Tinha a tez morena e um nariz grego pronunciado e olhos pretos-azeitona. Tinha o rosto de um falcão, de um predador. Quando decidia dar-se ao trabalha, Demiris sabia ser extremamente encantador. Falava oito línguas e era um afamado contador de anedotas. Possuía uma das mais importantes colecções de arte do mundo, umafrota de aviões particulares e uma dúzia de apartamentos, castelos e casas de campo espalhados pelo globo. Era um entendido da beleza, e achava as mulheres belas irresistíveis. A sua reputação era a de ser um amante possante, e as suas leviandades românticas eram tão pitorescas quanto as suas aventuras financeiras. Constantin Demiris orgulhava-se de ser um patriota - a bandeira azul e branca da Grécia estava sempre hasteada na sua uilla de Kolonaki e em Psara, a sua ilha privada -, mas não pagava impôs tos. Não se sentia obrigado a obedecer às regras que se aplicavam aos homens comuns. Nas suas veias corria icor-o sangue dos deuses.

2

Quase todas as pessoas que Demiris conhecia queriam alguma coisa de si: financiamento de um projecto comercial; donativo para uma obra de caridade; ou simplesmente o poder que a sua amizade podia conferir. Demiris gostava do desafio de imaginar aquilo que as pessoas realmente pretendiam, pois raramente era o que aparentava ser. A sua mente analítica era céptica quanto a verdade superficial, e como consequência disso não acreditava em nada do que lhe diziam e não confiava em ninguém. 0 seu lema era: «Fica perto dos teus amigos, mas ainda mais perto dos teus inimigos.» Aos repórteres, que escreviam sobre a sua vida, era permitido ver apenas a sua genialidade e encanto, o homem sofisticado e urbano do mundo. Não tinham motivos para suspeitar que sob aquela fachada amável se encontrava um assassino, um lutador de sarjeta, cujo instinto era saltar para a veia jugular. Era um homem implacável que nunca esquecia uma desfeita. Para os antigos gregos a palavra dikaiosini, justiça, era muitas vezes sinónimo de ekdikisis, vingança, e Demiris era obcecado por ambas. Lembrava-se de todas as afrontas que sofrera, e aqueles que tinham o azar de incorrer na sua inimizade recebiam em paga cem vezes mais. Nunca se apercebiam do facto, pois a mente matemática de Demiris fazia da retribuição exacta um jogo, pacientemente concebendo armadilhas meticulosas e tecendo teias complexas que finalmente prendiam e destruíam os seus inimigos. Sentia prazer nas horas que passava a arquitectar ciladas para os seus adversários. Estudava as suas vítimas cuidadosamente, analisando as suas personalidades, avaliando os seus pontos fortes e fracos. Durante um jantar, Demiris ouvira por acaso um produtor de cinema referir-se a ele como «aquele grego untuoso». Demiris esperou o momento propício. Dois anos mais tarde, o produtor contratou uma actriz fascinante de renome internacional para estrelar na sua nova superprodução na qual investiu o seu próprio dinheiro. Demiris esperou até o filme estar meio concluído, e depois seduziu a actriz principal a abandonar tudo e a juntar-se a ele no seu iate.

-Vai ser uma lua~le-mel -disse-lhe Demiris.

Ela teve a lua-de-mel, mas não o casamento. 0 filme acabou por ser cancelado e o produtor entrou em bancarrota.

Havia alguns jogadores no jogo de Demiris de quem ainda não se tinhavingado, mas não tinha pressa. Gostava da antecipação, do planeamento e da execução. Nos tempos de hoje, não fazia inimigos, pois ninguém podia dar-se ao luxo de ser seu inimigo, de forma que as suas presas se limitavam àqueles que tinham atravessado o seu caminho no passado. Mas a ideia que Constantin Demiris tinha de dikaiosini éra de dois gumes. Tal como nunca esquecia umainjúria, também não se esquecia de um favor. Um pobre pescador, que abrigara o jovem rapaz, tornou-se dono de uma frota pesqueira. Uma prostituta, que vestira e alimentara o jovem quando ele era pobre de mais para lhe pagar, herdou misteriosamente um prédio de apartamentos, sem a mínima ideia de quem fosse o seu benfeitor. Demiris começara a vida como filho de um estivador em Piraeus. Tinha catorze irmãos e irmãs, e à mesa nunca havia comida que chegasse para todos. Desde muito cedo, Constantin Demiris revelava um dom excepcional para o negócio. Ganhava um dinheiro extra fazendo biscates depois da escola, e aos dezasseis anos poupara dinheiro bastante pa ra montar uma barraca de comida na doca com um sócio mais velho. 0 negócio prosperou, e o sócio enganou Demiris com a sua parte. Demiris demoroudez anos a destruiro homem. 0 jovemrapaz ardia com ambição feroz. «Euvou serrico. Vou serfamoso. Um dia todos saberão o meu nome.» Era a única canção de embalar que conseguia adormecê-lo. Não fazia ideia de como iria acontecer. Só sabia que ia acontecer. No dia do seu décimo-sétimo aniversário, Demiris leu por acaso um artigo sobre os campos petrolíferos da Arábia Saudita, e foi como se uma porta mágica para o futuro se tivesse repentinamente aberto para ele. Foi ter com o pai.

- Vou para a Arábia Saudita. Vou trabalhar nos campos de petróleo.

- Eh, pá! 0 que é que tu sabes de campos de petróleo? -Nada, pai. Vou aprender.

Um mês depois, Constantin Demiris partia.

Era política da companhia para os empregados no exterior da Corporação de Petróleo Trans-Continental assinar um contrato de trabalho de dois anos, mas Demiris não sentia apreensão em relação a isso. Tencionava ficar na Arábia Saudita o tempo necessário para fazer fortuna. Tinha visionado uma maravilhosa aventura de noites árabes, uma terra fascinante e misteriosa com mulheres de aspecto exótico e ouro negro jorrando do chão. A realidade foi um choque. Numa manhãzinha de verão, Demiris chegava a Fadili, um campo medonho no meio do deserto que constava de um velho edifício de pedra rodeado por barastis, pequenas cabanas cobertas de mato. Havia mil trabalhadores de classe inferior, a maioria sauditas. As mulheres que se arrastavam através das ruas empoeiradas e de terra batida estavam carregadas de véus. Demiris entrou no edifício onde J. J. McIntyre, o administrador do pessoal, tinha o seu gabinete. McIntyre ergueu o olhar quando o homem jovem entrou. -Então. A sede contratou-te, foi?

-Foi, sim.

-Já trabalhaste nos campos de petróleo, rapaz? Por um instante, Demiris esteve tentado a mentir. -No, senhor.

McIntyre deu um sorriso largo.

-Vais adoraristo aqui, Estás a um milhão de quilómetros de parte nenhuma, a comida não presta, não há mulheres em que possas tocar sem que te cortem os tomates, e não há patavina para se fazer à noite. Mas o dinheirocompensa, não ?