-E se ele disser que eu estou maluca? E se eu estiver? Está bem -disse Catherine com relutância,
-Vou tentar marcar uma consulta para ti. Ele tem muita que fazer.
- Obrigada, Evelyn. Agradeço imenso.
Catherine entrou no gabinete de Wim. «Ele deve querer saber o que aconteceu ao KirkN, pensou ela.
-Wim, lembras-te do Kirk Reynolds? Ele morreu há dias num acidente de esqui.
-Ai sim? Westminster-zero-quatro-sete-um. Catherine pestanejou.
-0 quê?-E ela de repente apercebeu-se de que Wim estava a recitar o número de telefone de Kirk. «Era isso que as pessoas significavam para Wim? Uma série de números? Não tinha sentimentos pelas pessoas? Era ele realmente incapaz de amar ou odiar ou sentir compaixão? Talvez ele esteja em melhor situação do que eu•>, pensou Catherine. «Pelo menos ele poupou-se à dorterrível que o resto de nós pode sentira Evelyn conseguiu que o doutor Hamilton recebesse Catherine na sexta-feira seguinte. Evelyn pensou em telefonar a Constantin Demiris para lhe dizer o que fizera, mas concluiu que o assunto não tinha essa importância para ir maçá-lo por causa disso. 0 consultório do doutor Hamilton ficava na Wimpole Street. Catherine foi lá para a sua primeira consulta, apreensiva e irritada. Apreensiva porque estava receosa do que ele lhe pudesse dizer, e irritada consigo própria por ter de confiar num estranho para ajudá-la nos problemas que ela deveria ter sido capaz de resolver sozinha. A recepcionista do guiché disse:
- 0 doutor Hamilton está à sua espera, Miss Alexander.
«Mas estou eu pronta para vê-lo?» Catherine interrogava-se. Um pânica repentino tomou-a. «Que estou eu a fazer aqui? Não me vou pôr nas mãos de um charlatão com a mania que é Deus, Catherine disse:
-Eu.., mudei de ideia. Eu realmente não preciso de ver o médico. Gostaria de pagar a consulta.
- Oh? Sá um momento, por favor.
-Mas...
A recepcionista entrara no gabinete do médico.
Momentos depois, a porta do gabinete abriu-se e Alan Hamilton saiu. Tinha quarenta e poucos anos, era alto e louro, com olhos azuis brilhantes e modos afáveis.
Olhou para Catherine e sorriu. -Já me fez ganhar o dia disse ele. Catherine franziu o sobrolho.
- Como...?
-Eu não sabia que era um médico realmente tão bom. A senhora mal entrou na minha recepção e já se sente melhor. Isso deve ser um recorde.
Catherine disse defensivamente.
- Desculpe. Cometi um erro. Não preciso de ajuda nenhuma. -Agrada-me muito ouvir isso-disse Alan Hamilton. -Oxalá todos os meus doentes se sentissem assim. Já que está aqui, Miss Alexander, por que não entra por uns momentos? Tomaremos uma chávena de café.
- Obrigada, mas não. Eu não...
- Prometo que vai bebê-lo sentada. Catherine hesitou.
- Está bem, só por um minuto.
Ela seguiu até ao gabinete. Era muito simples, decorado com bom e moderado gosto, mobilado mais no estilo de uma sala de estar do que um consultório. Havia gravuras mitigantes penduradas nas paredes, e sobre uma mesinha de centro antiga estava afotografia de uma bela mulher com um rapazinho a seu lado. «Pronto, ele tem um consultório bonito e uma família atraente. 0 que é que isso prova?»
- Por favor, sente-se - disse o doutor Hamilton. -0 café deve estar pronto num minuto.
-Eu não devia estar a tomar o seu tempo, doutor. Eu...
- Não se preocupo com isso, - Ele sentou-se numa poltrona, analisando-a. -A senhora passou um mau bocado - disse ele solidariamente.
-0 que é que o senhor sabe?-Catherine ripostou. 0 seutomfoi mais irado do que intencionara.
-Falei com a Evelyn. Ela disse-me o que se passou em St. Moritz. Lamento.
«Lá vem a maldita palavra outra vez.u
-Lamenta mesmo? Se o senhor é um médico tãobom como dizem, talvez consiga trazer o Kirk de volta à vida. -Toda a infelicidade que estivera enclausurada dentro de si explodiu, irrompendo numa torrente, e para seu horror Catherine viu que soluçava histericamente, -Deixe-me em paz-gritou.-Deixe-me em paz.
Alan Hamilton ficou a olhar para ela, sem dizer nada. Quando os soluços de Catherine finalmente passaram, ela disse num tom exausto: - Peço desculpa. Perdoe-me. Tenho de me ir embora agora. - Pôs-se de pé e dirigiu-se para a porta.
-Miss Alexander, não sei se consigo ajudá-la, mas gostaria de tentar. Apenas lhe posso prometer que tudo o que eu lhe fizer não a prejudicará.
Catherine permaneceu junto à porta, indecisa. Voltou-se para olhar para ele, os alhos rasos de água.
- Não sei qual é o meu mal - sussurrou ela. - Sinto-me tão perdida.
Alan Hamilton levantou-se e caminhou até ela.
- Então par que não tentamos encontrá-la? Vamos tentar juntos. Sente-se. Vou buscar o café.
Ele ausentou-se durante cinco minutos, e Catherine ficou ali sentada, perguntando-se como foi que ele a convencera a ficar. Ele tinha um efeito calmante. Havia algo nos seus modos que erareconfortante. «Talvez ele me possa ajudar", pensou Catherine.
Alan Hamilton regressou à sala com duas chávenas de café. - Há natas e açúcar, se desejar.
-Não, obrigada. Sentou-se à frente dela. - Sei que o seu amigo morreu num Era tão difícil abordar a questão.
-É verdade. Ele estava num declive que se pensava ter sido encerrado. 0 vento derrubou a tabuleta. É a primeira vez que enfrenta a morte de alguém tão chegado?
Como é que ela ia responder a isto? «Oh, não. 0 meu marido e a amante foram executados por tentarem assassinar-me. Todas as pessoas que me rodeiam morrem.» Isso iria abalá-lo. Ele estava ali sentado, aguardando uma resposta, «o sacana do presunçoso». Bem, ela não lhe ia dar essa satisfação, Não tinha nada que se meter na vida dela. «Odeio-o Alan Hamilton viu a ira nos olhos dela. Mudou de assunto deliberadamente.
-Como está o Wim?-perguntou. acidente de esqui.
A pergunta apanhou Catherine totalmente desprevenida. -Wim? Ele... está óptimo. Evelyn disse-me que ele é seu doente. - É, sim.
-Pode explicar como é que ele ... porque é que ele ... é assim? -0 Wim veio ter comigo porque estava sempre a ser despedido. Ele é algo de muito raro ... um misantropo genuíno. Não posso falar nas causas desse comportamento, mas, basicamente, ele odeia as pessoas. É incapaz de se relacionar com as outras pessoas.
Catherine lembrou-se das palavras de Evelyn.
«Ele então tem emoções. Nunca se ligará a ninguém.»
- Mas o Wim é brilhante em matemática - prosseguiu Alan Hamilton. - Ele está agora num trabalho onde pode aplicar esse conhecimento.
Catherine fez um sinal afirmativo com a cabeça. -Nunca conheci ninguém como ele.
Alan Hamilton inclinou-se para a frente na cadeira.
- Miss Alexander- disse ele -, aquilo por que está a passar é muito doloroso, mas acho que posso facilitar-lhe as coisas.
- Gostava de tentar.
- Não... não sei - disse Catherine. -Tudo parece tão irremediável.
-Enquanto se sentir assim-Alan sorriu-, não há outro caminho senão andar para a frente, pois não?-0 seu sorriso era contagiante. - Por que não marcamos mais uma consulta? Se no fim da próxima ainda me odiar, então desistimos.
-Eu não 0 odeio-disse Catherine em tom de desculpa. -Bem, talvez um pouco.
Alan Hamilton foi até à secretária e analisou a agenda. Tinha as horas todas tomadas.
-Que tal na próxima segunda-feira?-perguntou. -À uma?À uma era quando ele almoçava, mas estava disposta a privar-se disso. Catherine Alexander era uma mulher que transportava um fardo insuportável, e ele estava determinado a fazer tudo o que pudesse para ajudá-la.
Catherine olhou para ele durante um longo momento. - Está bem.
-Óptimo. Então até segunda. -Ele entregou-lhe um cartão. - Entretanto, se precisar de mim, aqui tem o meu número do consultório e o de casa. Tenho o sono leve, de forma que não se preocupe em acordar-me.
-Obrigada-disse Catherine, -Cá estarei na segunda-feira. 0 doutor Hamilton acompanhou a saída dela com o olhar. «Ela é tão vulnerável, e tão bela. Tenho de ter cuidado» Olhou para a fotografia da secretária. HQue iria a Angela pensar?»