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A mistura ganhou uma côr vermelha, como o sangue. O Alquimista então tirou a panela do fogo e a deixou esfriar. Enquanto isto, conversava com o monge a respeito da guerra dos clãs.

Deve durar muito — disse ele para o monge.

O monge estava aborrecido. Fazia tempo que as caravanas estavam paradas em Gizeh, esperando que a guerra acabasse. «Mas seja feita a vontade de Deus», disse o monge.

— Exatamente — respondeu o Alquimista.

Quando a panela acabou de esfriar, o monge e o rapaz olharam deslumbrados. O chumbo tinha secado na forma circular da panela, mas já não era mais chumbo. Era ouro.

— Aprenderei a fazer isto um dia? — perguntou o rapaz.

— Esta foi minha Lenda Pessoal, e não a sua — respondeu o Alquimista. — Mas queria lhe mostrar que é possível.

Caminharam de novo até a porta do convento. Ali, o Alquimista dividiu o disco em quatro partes.

— Esta é para você — disse ele, estendendo uma parte para o monge. — Por sua generosidade com os peregrinos.

— Estou recebendo um pagamento além da minha generosidade — respondeu o monge.

— Jamais repita isto. A vida pode escutar, e lhe dar menos da próxima vez.

Depois aproximou-se do rapaz.

— Esta é para você. Para pagar o que deixou com o general.

O rapaz ia dizer que era muito mais do que havia deixado com o general. Mas ficou quieto, porque tinha ouvido o comentário do Alquimista com o monge…

— Esta é para mim — disse o Alquimista, guardando uma parte. — Porque tenho que voltar pelo deserto, e existe uma guerra entre os clãs.

Então pegou o quarto pedaço e deu de novo para o monge.

— Esta é para o rapaz. Caso ele necessite.

— Mas estou indo em busca do meu tesouro — disse o rapaz. Estou perto dele agora!

— E tenho certeza que irá encontrá-lo — falou o Alquimista.

— Então por que isto?

— Porque você já perdeu duas vezes, com o ladrão e com o general, o dinheiro que ganhou em sua viagem.

Eu sou um velho árabe supersticioso, que acredito nos provérbios de minha terra. E existe um provérbio que diz:

«Tudo que acontece uma vez, pode nunca mais acontecer. Mas tudo que acontece duas vezes, acontecerá certamente uma terceira».

Montaram em seus cavalos.

— Quero lhe contar uma história sobre sonhos — disse o Alquimista. O rapaz aproximou seu cavalo.

— Na antiga Roma, na época do imperador Tibério, vivia um homem muito bom, que tinha dois filhos: um era militar, e quando entrou para o exército, foi enviado para as mais distantes regiões do Império. O outro filho era poeta, e encantava toda Roma com seus belos versos.

«Certa noite, o velho teve um sonho. Um anjo lhe aparecia para dizer que as palavras de um de seus filhos seriam conhecidas e repetidas no mundo inteiro, por todas as gerações vindouras.

O velho homem acordou agradecido e chorando naquela noite, porque a vida era generosa, e havia lhe revelado uma coisa que qualquer pai teria orgulho de saber.

«Pouco tempo depois, o velho morreu ao tentar salvar uma criança que ia ser esmagada pelas rodas de uma carruagem. Como tinha se comportado de maneira correta e justa por toda a sua vida, foi direto para o céu, e encontrou-se com o anjo que havia aparecido em seu sonho.

«— Você foi um homem bom — disse-lhe o anjo. — Viveu sua existência com amor, e morreu com dignidade. Posso realizar agora qualquer desejo que tenha.

«— A vida também foi boa para mim — respondeu o velho. — Quando você apareceu em um sonho, senti que todos os meus esforços estavam justificados. Porque os versos de meu filho ficarão entre os homens pelos séculos vindouros. Nada tenho a pedir para mim; entretanto, todo pai se orgulharia de ver a fama de alguém que ele cuidou quando criança e educou quando jovem. Gostaria de ver, no futuro distante, as palavras do meu filho.

«O anjo tocou no ombro do velho, e os dois foram projetados para um futuro distante. Em volta deles apareceu um lugar imenso, com milhares de pessoas, que falavam numa língua estranha.

«O velho chorou de alegria.

«— Eu sabia que os versos do meu filho poeta eram bons e imortais — disse para o anjo, entre lágrimas. — Gostaria que você me dissesse qual de suas poesias estas pessoas estão repetindo.

«O anjo então se aproximou do velho com carinho, e sentaram-se num dos bancos que havia naquele imenso lugar.

«— Os versos de seu filho poeta foram muito populares em Roma — disse o anjo. — Todos gostavam, e se divertiam com eles. Mas quando o reinado de Tibério acabou, seus versos também foram esquecidos. Estas palavras são de seu filho que entrou para o exército.

«O velho olhou surpreso para o anjo.

«— Seu filho foi servir num lugar distante, e tornou-se centurião. Era também um homem justo e bom.

Certa tarde, um dos seus servos ficou doente, e estava para morrer. Seu filho, então, ouviu falar de um rabi que curava os doentes, e andou dias e dias em busca deste homem. Enquanto caminhava, descobriu que o homem que estava procurando era o Filho de Deus. Encontrou outras pessoas que haviam sido curadas por ele, aprendeu seus ensinamentos, e mesmo sendo um centurião romano converteu-se à sua fé. Até que certa manhã chegou perto do Rabi.

«— Contou-lhe que tinha um servo doente. E o Rabi se prontificou a ir até sua casa. Mas o centurião era um homem de fé, e olhando no fundo dos olhos do Rabi, compreendeu que estava mesmo diante do Filho de Deus, quando as pessoas em volta deles se levantaram.

«— Estas são as palavras de seu filho — disse o anjo ao velho. — São as palavras que ele disse ao Rabi naquele momento, e que nunca mais foram esquecidas». Dizem: «Senhor eu não sou digno que entreis em minha casa, mas dizei uma só palavra e meu servo será salvo».

O Alquimista moveu seu cavalo.

— Não importa o que faça, cada pessoa na Terra está sempre representando o papel principal da História do mundo — disse ele.

— E normalmente não sabe disto.

O rapaz sorriu. Nunca havia pensado que a vida pudesse ser tão importante para um pastor.

— Adeus — disse o Alquimista.

— Adeus — respondeu o rapaz.

O rapaz caminhou duas horas e meia pelo deserto, procurando escutar atentamente o que seu coração dizia. Era ele que iria revelar o local exato onde o tesouro estava escondido.

«Onde estiver seu tesouro, ali estará também o seu coração», dissera o Alquimista.

Mas seu coração falava em outras coisas.

Contava com orgulho a história de um pastor que havia deixado suas ovelhas para seguir um sono que se repetiu duas noites. Contava da Lenda Pessoal, e de muitos homens que fizeram isto, que foram em busca de terras distantes ou de mulheres bonitas, enfrentando os homens de sua época com seus preconceitos e conceitos. Falou durante todo aquele tempo de viagens, de descobertas, de livros e de grandes mudanças.

Quando ia começar a subir uma duna — e só naquele momento — foi que seu coração sussurrou ao seu ouvido — «esteja atento para o lugar onde você chorar. Porque neste lugar estou eu, e neste lugar está seu tesouro».

O rapaz começou a subir a duna lentamente. O céu, coberto de estrelas, mostrava de novo uma lua cheia; haviam caminhado um mês pelo deserto. A lua iluminava também a duna, num jogo de sombras, que fazia com que o deserto parecesse um mar cheio de ondas, e fazia com que o rapaz se lembrasse do dia em que soltara livremente um cavalo pelo deserto, dando um bom sinal ao Alquimista.

Finalmente a lua iluminava o silêncio do deserto, e a jornada que fazem os homens que buscam tesouros.