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Voltara para Cabo Verde? A lei que impedia as mulheres de viajarem sozinhas sem a autorização dos maridos havia sido revogada três anos antes, pelo que as possibilidades eram infinitas. Não conseguiria determinar o destino dela com meras conjecturas.

Deu meia volta, cabisbaixo, e acenou em despedida.

"Obrigado, Ernesto. Boa noite."

O empregado levou um longo segundo a responder.

"Eu ouvi a senhora falar ao telefone."

José estacou.

"Com quem?"

"Ligou para a Cotur e pediu um bilhete de avião."

"Ai sim? Para onde?"

O vulto de Ernesto passou a mão pela cabeça, num gesto de embaraço.

"Ela falou maningue baixo e não consegui ouvir", disse. "Mas depois fez outro telefonema. Esse eu entendi." "Para quem?" "Para o doutor Rouco."

O médico endireitou o corpo, subitamente reconfortado por perceber enfim para onde Mimicas fora. A mulher estava naXLIV

O Land Rover enlameado passou pela avenida com fragor, levantando uma nuvem de poeira que invadiu o passeio. Diogo viu-se obrigado a voltar costas à nuvem e a encostar-se a Sheila, de modo a protegê-la do manto denso de sujidade. Ela percebeu a intenção e anichou-se-lhe ao peito, abrigando o rosto do pó.

O militar sentiu-lhe o cabelo negro afagar-lhe a face; cheirava a eucalipto. Envolveu-a nos braços com um gesto protector, defendendo-a do véu poeirento que adejava em redor, as partículas de pó alaranjado a reluzirem à luz amarelada do candeeiro. O corpo de Sheila estreitava-se em linhas delgadas, a sua pele era suave e aveludada ao toque das mãos, e senti-la assim vulnerável despertou o desejo em Diogo.

A luz do candeeiro brilhava intermitentemente, a lâmpada a pestanejar sob o efeito dos insectos que a rodeavam, e o casalinho deu três passos hesitantes, atravessando a poeira e mergulhando na penumbra que se derramava aos seus pés. O manto de pó desvanecia-se já quando Sheila se atreveu a arrebitar a cabeça para respirar ar fresco. Foi a vez de ser ela a cheirar o Old Spice com que o homem que a protegia da poeira se havia regado no pescoço.Quase por acidente, mas sabendo que tudo era inevitável, trancaram o olhar um no outro. Sentindo o corpo adquirir vontade própria, o furriel deixou a face descair devagar até a boca se colar à bochecha da rapariga; era quente e incrivelmente macia. Deu um beijo húmido naquela superfície de seda cálida e começou a deslizar lentamente pela face, quase milímetro a milímetro, até a boca se colar aos lábios escaldantes e entreabertos de Sheila.

O primeiro beijo.

A boca da rapariga era ardente e doce, acoitando-lhe a língua como o frasco de mel acolhe o dedo guloso. O corpo de fêmea, enroscado em Diogo, agitou-se num frémito lascivo e o rapaz deu pelo ventre dela a embater no seu, como um forcado a provocar a besta. Tirando partido da invisibilidade que a sombra lhes proporcionava, o militar desceu a mão direita ao longo das costas palpitantes de Sheila e apertou-lhe uma nádega com volúpia. A rapariga ronronou, agradada.

Encorajado por esta reacção, e sem descolar a boca daqueles lábios sequiosos, meteu-lhe a mão esquerda pelo decote até lhe sentir o veludo macio do seio e apertá-lo como se a quisesse ordenhar.

Um novo gemido. Desceu ainda mais a mão que lhe apalpava a nádega e enfiou-a pela abertura das saias, subindo pelas pernas até lhe sentir o hálito abrasado entre as coxas. O dedo do meio adquiriu vida própria e contornou-lhe o rendilhado das calcinhas, mergulhando com atrevimento na humidade incandescente.

"Não!", disse ela, sacudindo o corpo para lhe afastar o braço. "Isso não!"

Diogo abriu os olhos, inebriado. A digressão pelo corpo de Sheila deixou-o atordoado de desejo; se havia conseguido ir até tão longe, como não levar a viagem até ao fim? Parar nesse momento era como travar um comboio que galgava a pleno vapor pela planície; parecia-lhe impossível, doloroso, impensável. Precisava de ir até ao termo da linha, custasse o que custasse.

"Oh!", protestou. "Porquê?"

"Porque não!", insistiu Sheila com convicção inabalável. "Estamos no meio da rua, Diogo!"

O rapaz espreitou em redor, como se só então tomasse consciência do local onde se achavam. É

verdade que a rua se apresentava quase deserta; viam-se algumas pessoas lá ao fundo e era tudo.

Além disso, encontravam-se encostados ao tronco de uma mangueira e protegidos pelo véu sombrio da noite. Mas ela tinha razão; estavam na rua e ali não se faziam certas coisas. Como aquelas.

"Onde podemos ir?", perguntou ele, ofegante de lascívia.

Sheila voltou a sacudir o corpo, libertando-se enfim do abraço.

"Vamos comer um aice crime."

"Ai se há crime?", admirou-se ele, sem perceber. "Vai haver um crime?"

"Não, tonto", riu-se a rapariga. "Um aice crime. E como chamamos aqui aos sorvetes. Ao lado do talho do Sousa existe uma loja que vende aice crimes italianos. São uma delícia!"

"Que raio de nome vocês arranjaram!", resmungou o furriel. "Mas, diz-me, para que quero eu os gelados? Tu és a melhor sobremesa que existe em Tete!..."

Sheila empurrou-o, fingindo-se ofendida.

"Ora! Por quem me tomas tu?"

"Por um aice crime."

Os gelados italianos eram do melhor que Diogo já havia provado; nunca tinha saboreado na Metrópole sorvetes assim. Escolheu um cone com uma bola de chocolate e ela optou por um de morango, e sentaram-se ambos no passeio diante do jardim público a lamber aquelas delícias frias.

Mantiveram-se silenciosos alguns instantes. Os sorvetes eram de facto saborosos, mas o soldado não tinha a cabeça ali. Apesar de ter readquirido perfeito controlo de si mesmo, sentia o corpo ainda sob o efeito embriagador dos químicos que havia libertado apenas meia hora antes e com a sensação de ter interrompido um processo que ainda lhe decorria nas veias.

"Tenho de ir para casa", observou ela com a expressão de quem cumpre um dever, obviamente sem vontade nenhuma de partir. "O chato é que já é noite e a minha ginga não tem farol."

"Moras longe?"

"Não muito, mas a pé ainda é uma horita."

"Eu acompanho-te."

"A pé?", riu-se ela. "Uma hora para lá e uma hora para cá? Nem penses!"

Diogo ergueu-se de pronto e estendeu-lhe a mão, convidando-a a levantar-se.

"Anda daí!"

Ela ergueu o olhar, hesitando em pôr-se em pé. "Já?"

"Tu viste que horas são?", perguntou o namorado, exibindo- lhe o relógio. "Se vou caminhar duas horas é melhor sairmos agora. Tenho de me deitar cedo porque a coluna sai pelas cinco da manhã para o Chioco e eu ainda quero dormir algumas horas."

Sheila estendeu-lhe a mão e ele puxou-a, ajudando-a a levantar-se. Ela ainda considerou a possibilidade de ir buscar a bicicleta, mas concluiu que mais valia deixá-la guardada no posto do calhambeque e ir levantá-la no dia seguinte, quando viesse do hospital.

Percorreram o centro de Tete lado a lado, a saborear o que restava dos gelados, e enfiaram por uma estrada de terra batida em direcção ao subúrbio onde Sheila vivia. Uma multidão animava a estrada naquela noite quente, com mulheres a passarem com bacias de água equilibradas na cabeça e crianças a brincarem com carrinhos engenhosamente construídos com paus e latas. O ar enchia-se de gargalhadas e de conversas e de música; os transistores animavam-se com ritmos de instrumentos africanos, como o caligo e a mbira, enchendo a noite de alegre musicalidade. Sheila ensaiou até uns passos de dança com uma graciosidade que deliciou o companheiro, bem mais desengonçado naqueles movimentos.

Depois meteram por um caminho que saía desta estrada movimentada e deixaram toda aquela agitação para trás. O trilho era estreito e, após passarem por umas palhotas, embocaram num troço onde não se vislumbrava vivalma. A sombra reacendeu-lhes o desejo. Diogo deu a mão à rapariga e depois um beijo e logo se seguiu um abraço e tudo recomeçou; as línguas devoraram as bocas, as mãos exploraram os corpos, os ventres colidiram esfaimados.