Percebendo que já não conseguia parar mas que estavam num local de passagem, Diogo arrastou-a para fora do trilho e deitaram-se por trás de um arbusto, enrolando-se sofregamente até ele ficar por cima dela. Com um movimento atabalhoado o rapaz baixou as calças, mas Sheila apercebeu-se e hesitou.
"Não!", disse. "Isso não!"
O soldado sentia-se perder o controlo, mas conseguiu deter-se.
"Porquê? Não queres?"
Ela exalou um som estranho, misturado com um suspiro e gemido.
"Oh, se quero! Mas não posso! Não posso!"
"Porquê?"
"Porque... porque é cedo. Mal nos conhecemos!..."
Diogo inclinou-se sobre o rosto dela e colou os lábios aos lábios dela.
"Mas eu amo-te."
Sheila hesitou.
"Eu também....", titubeou. "Eu também... mas não podemos!... Precisamos de tempo."
Diogo lambeu-lhe os lábios frementes com um movimento inesperadamente guloso.
"Qual tempo, Sheila? Qual tempo?"
"Tempo", repetiu ela, achando óbvio o que queria dizer. "Temos de nos conhecer. Não podemos fazer tudo à primeira, não sou esse tipo de moça. Entendes?"
A rapariga rodopiou sobre si mesma, tentando libertar-se do peso dele, mas Diogo não deixou.
O soldado percebeu, porém, que ela se esforçava por controlar o ardor que já se lhe apossara do corpo e que a todo o momento poderia ser bem-sucedida e dominar o ímpeto de vez. Teria de jogar as últimas cartas, e precisava que fossem trunfos.
"Não temos tempo, meu amor."
"Que disparate! Claro que temos! Temos o tempo que quisermos."
Diogo tentou beijá-la, mas ela virou a cabeça, evitando-lhe os lábios. A janela de oportunidade fechava-se já.
"Eu sou um soldado, meu amor", murmurou, lançando o ás que tinha guardado na manga.
"Estamos em guerra e eu fui colocado num posto no meio do mato e rodeado de turras. Isso quer dizer que nem sei se amanhã estarei vivo. Entendes isso?"
"Claro que estarás!"
O rapaz manteve a cabeça sobre ela. Sheila apenas lhe pressentia o vulto recortado na sombra, mas não tinha dúvidas de que ele a fitava.
"Quantos soldados mortos ou estropiados os Alouettes que passam frente à casa do meu tio não levam diariamente para o hospital? Quantos feridos não morreram na tua enfermaria? Quantos cadáveres não cobriste já com o lençol?"
Sheila estremeceu, subitamente apavorada, e pousou-lhe a mão quente no rosto.
"Não te vai acontecer nada!"
"Como podes ter a certeza? Eu sou um soldado em zona de guerra e estou num posto isolado e rodeado de turras. Como sabes que não te apareço amanhã no primeiro Alouette que aterrar no hospital? Como sabes tu isso?"
A rapariga começou a chorar.
"Não... não quero... não te pode acontecer nada!..."
"E se acontecer?", insistiu ele, plantando firme a terrível dúvida. "Como podes tu negar-nos o amor que merecemos? Como poderás tu viver com a consciência de que nem sequer me deixaste amar-te como um homem ama uma mulher?"
"Não, não", choramingou ela, abanando a cabeça. "Não te vai acontecer nada!..."
"E se acontecer?", repetiu Diogo, a insistir na mesma ideia, como um ferreiro que malha o ferro até o metal se dobrar à sua vontade. "Estamos em guerra e não sabemos o dia de amanhã. Vamos por isso viver um momento de cada vez. Precisamos de aproveitar o que temos enquanto o temos.
Eu estou aqui agora." Acariciou-lhe o rosto molhado de lágrimas. "Ama-me como se me perdesses amanhã."
Incapaz de resistir mais um segundo que fosse, Sheila puxou-o para si, estreitando-o num abraço esfaimado, e beijou-o longamente na boca. O rapaz sentiu o corpo dela abandonar as defesas e as pernas entreabrirem-se, numa rendição que era também um convite, sinal inequívoco de que o ferro se dobrara enfim. Desfez-se das roupas que o atrapalhavam e, a tremer de desejo incontrolável, procurou-lhe a entrada, mergulhou-lhe entre as pernas e perdeu-se no
delicioso caldo de doçura incandescente. XLV
O marulhar ameno do mar foi a primeira coisa que José Branco escutou quando abandonou o Motel Estoril e percorreu a fileira de lojas ao longo do edifício ondulante. O Sol erguia- se a meia altura sobre o Índico, aquecendo o ar húmido impregnado de maresia e tornando mais alegres e vivas as múltiplas cores dos toldos que se estendiam pelo areal do outro lado da estrada. A praia parecia acenar, convidativa, atraindo os veraneantes que calcorreavam a areia em ritmo de passeio e de toalhas às costas; eram sobretudo colonos portugueses e turistas rodesianos.
Deu com o automóvel parqueado à sombra de uma acácia, com uma visão perfeita do farol do Macuti. Meteu-se no Opel e seguiu pela marginal em direcção ao Clube Náutico, a janela aberta com o braço de fora para sentir o vento tépido. Enquanto conduzia, o visitante não pôde deixar de pensar que nunca vira cidade tão descontraída e agradável como a Beira e interrogou- se momentaneamente sobre a razão de ser assim. Talvez devido à longa praia de água quente, pensou; era um bálsamo perfeito para o culminar de um dia de trabalho. Mas também tinha deconsiderar a elegância tropical dos edifícios da cidade, aqui em estilo Belle Epoque, ali em traça colonial.
Sempre achara a Beira uma urbe atraente, embora talvez menos naquelas circunstâncias penosas. José tinha um problema para resolver e não ia descansar enquanto não encontrasse solução. Virou para o bairro da Sofir, ainda na estrada que bordejava o Índico, e, após verificar os números nos portões, estacionou diante de uma casa colonial. Conhecia bem aquele tipo de construção, muito característico dos edifícios residenciais públicos em Moçambique. A casa estava dividida em dois apartamentos, um no rés-do-chão e o outro no primeiro andar, desenho que proliferava pela província. O seu destino era o primeiro andar.
Cruzou o portão e invadiu o quintal até se imobilizar numa porta rasgada na esquina da casa.
Tocou à campainha e ouviu a sineta tilintar lá em cima. Instantes volvidos, escutou passos pesados no som característico de quem desce um longo lanço de escadas. A porta abriu-se e deparou com o olhar surpreendido do seu velho amigo.
"Olá, Domingos!", saudou. "Estás bom?"
"Zé!", soltou o advogado negro, abraçando-o. "Tudo maningue naice?"
Embora se tivessem mantido em contacto por carta, era a primeira vez que se viam desde os tempos de João Belo. O médico avaliou por isso o amigo, tentado descortinar nele efeitos da passagem pela prisão; Domingos estava talvez um pouco mais velho, com alguns cabelos brancos a nascerem-lhe nas têmporas, mas a principal diferença residia no volume do corpo.
"Estás mais gordo, pá!"
"lá, são os caranguejos da Beira", retorquiu o advogado com uma gargalhada. "Desde que me desterraram neste paraíso que não quero outra coisa!"
"Que sorte!"
Foi a vez de Rouco apreciar o aspecto do amigo.
"E tu estás todo chunguila com essas grandes gadelhas", constatou. "Andas armado em Beatle ou quê?"
"Sabes que eu sou mais James Last..."
Apercebendo-se de que aquele local não era o mais indicado para conversarem, Domingos fez sinal para dentro do edifício.
"Entra, entra."
O anfitrião puxou o recém-chegado para a sombra do átrio e levou-o pelas estreitas escadas interiores até ao apartamento do primeiro andar. Fazia uma frescura agradável, com o ar em movimento graças às ventoinhas que rodavam nos tectos. O advogado pôs a tocar no gira-discos o último Paul Mauriat e foi preparar dois whiskies.