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O rádio estralejou à distância e Diogo consultou o relógio. Tinham passado duas horas desde que haviam desmontado a armadilha. Espreitou a Berliet onde Bimba, por ser o engenhocas, se encarregava das comunicações e ouviu a voz do camarada responder para o rádio. Instantes depois vislumbrou-lhe o vulto a erguer-se e acenar.

"Vêm aí!"

Os soldados redobraram de atenção, esquadrinhando o mato à procura de qualquer movimento suspeito. Se os turras tinham plantado explosivos na ponte era porque andavam por perto. Uma nuvem de poeira tornou-se visível da estrada, confirmando que chegara o momento mais delicado da operação. Volvidos cinco minutos sentiram o ar vibrar e viram uns ponitos zumbir no céu, como varejeiras gigantes.

Os pontos cresceram e transformaram-se em helicópteros. A nuvem de poeira estava já bem próxima e a sua origem ficou de repente visível; era uma coluna de viaturas que se aproximava da ponte com grande espalhafato. Diogo deu um passo para trás porque a barulheira em crescendo se tornara infernal! e a confusão generalizara-se.

As primeiras viaturas entraram na ponte; tratava-se' de Berliets com operacionais de boinas vermelhas, evidentemente comandos. Depois, enquadrados pela pesada escolta militar, apareceram vários camiões com atrelados pesados e incrivellmente longos; alguns tinham fileiras com pares de doze rodas. Iam devagar e funcionavam como magnetos para os olhos; toda a gente fixava a atenção neles, encarando-os com um quase iinexplicável respeito. Os camiões apresentavam um formato estranho. Todos sabiam que eles tinham enorme importância, uma vez que transportavam as famosas cargas críticas destinadas às obras da barragem de Cabora Bassa. A sua circulação exigia por isso operações militares de grande envergadura, envolvendo meiios aéreos e batalhões inteiros.

Hipnotizado por aquela visão esmagadora, Diogo abeirou-se da estrada e espreitou-lhes as matrículas. Eram inglesas, obviamente oriundas da Rodésia. Os veículos pesados percorreram lentamente todo o tabuleiro, como se receassem que o seu peso fizesse desabar a ponte, até chegarem por fim ao outtro lado. A retaguarda era protegida por mais Berliets carregadas de homens com boinas vermelhas, que fechavam a coluna como a cauda de uma longa e estranha serpente.

A coluna passou e a tranquilidade regressou à ponte. Sem pronunciarem uma palavra, os soldados do Batalhão de Artilharia encaminharam-se para as Berliets e assumiram os seus lugares.

Diogo sentiu-se por momentos um autómato; estava ali mas tinha a mente noutro lado. Pela enésima vez desde que acordara nessa madrugada, contou os dias que faltavam para a coluna de abastecimento ir a Tete e para ele a integrar na viagem até Sheila. Ah, como seria bom o reencontro!

Na próxima visita à cidade fariam as coisas de maneira diferente. Aliás, já tinha tudo planeado: em vez de passar a noite no quartel, ia ficar no Hotel Zambeze. Tinha a certeza de que...

Os motores foram ligados, interrompendo o devaneio, e os homens prepararam-se para iniciar o caminho de regresso ao Chioco. Diogo inclinou-se no assento e lançou ainda um derradeiro olhar à outra margem. A nuvem de poeira, enquadrada pela aparatosa escolta de helicópteros e comandos, esfumava-se já em direcção ao Songo,

deixando-lhe a impressão de que tudo não havia passado de uma

estranha miragem. XLVII

A fuga inopinada de Mimicas ao ver o marido na sala criou um ambiente de profundo desconforto na casa dos Rouco. Até ali, José e Domingos haviam mantido uma conversa na ficção de que nada de anormal se passava entre o casal Branco e de que aquela visita era meramente de cortesia, mas agora deixara de ser possível fingir que estava tudo bem.

O primeiro impulso de José foi sair a correr atrás da mulher, mas conteve-se. Já não pretendia disfarçar o estado de coisas entre ele e Mimicas, mas sentia-se determinado a pelo menos manter a dignidade e não dar espectáculo. Forçou-se por isso a encolher os ombros e a sorrir para os anfitriões.

"Mulheres!"

Disse-o num desabafo, como se a palavra tudo explicasse, e só então acenou em despedida.

Sempre a esforçar-se por manter uma pose calma e controlada, partiu enfim em busca de Mimicas.

Não a viu quando chegou à rua, o que o intrigou. Embora não tivesse saído imediatamente no encalço da mulher, fizera-o uns trinta segundos depois dela. Como podia ter desaparecido tão depressa? Vasculhou a longa estrada marginal de um lado para o outro, primeiro varrendo o espaço em redor com um olhar rápido, depois demorando-se nos pormenores, tentando identificar rostos, detectar movimentos, localizar azuis como o do vestido que Mimicas trazia quando a vira, mas o facto é que não vislumbrava sinais dela.

"Onde raio se meteu?", murmurou entre dentes.

Fez a pergunta quase com esperança de que a sua mera verbalização lhe pudesse trazer uma resposta, mas não surgiu réplica de parte alguma. A mulher volatilizara-se. Pensou em dar meia volta e aguardar em casa dos Rouco que ela reaparecesse, parecia-lhe evidente que em algum momento teria inevitavelmente de regressar, mas percebeu que se instalaria um ambiente estranho e que o melhor seria resolver as coisas em privado. Teria de descobrir Mimicas.

Meteu-se no carro e deambulou pela zona espreitando em todas as direcções. As ruas da cidade eram guardadas pelas sombras das acácias, que se alinhavam nos passeios como uma guarda de honra, mas não a enxergou entre as pessoas que por ali circulavam e decidiu dar uma volta pelo centro. Foi até à vasta Praça do Município e contornou-a devagar, sem resultado; depois seguiu até ao Grande Hotel, onde também não a conseguiu avistar.

Deixou o olhar esvaziar-se pelo mar, a mente concentrada no problema imediato. Se eu fosse a Mimicas, para onde iria?, interrogou-se. Viu um torvelinho de fumo ascender pelo horizonte azul, como se um cigarro aceso deslizasse no mar; era um cargueiro a passar ao largo, se calhar em direcção a Nacala, ou talvez o destino fosse Porto Amélia. Foi nesse instante, enquanto mirava aquele ponto fumegante, que teve a ideia.

O calor no areal era insuportável e José sentiu ganas de dar um mergulho nas águas irrequietas da praia da Beira. Havia pessoas estendidas em toalhas a apanhar banhos de sol, enquanto outras chapinhavam à beira-mar e algumas crianças brincavam com baldes na areia molhada. As ondas morriam na praia com um clamor incessante, ora vinham, ora iam, e o odor salgado da maresia enchia o ar, misturando-se momentaneamente com os aromas frutados exalados pela geleira de um vendedor ambulante de gelados que por ali passou aos gritos.

"sorvete! E morango, é chocolate! Esquimó! sorvete! Tem chuinga também! Maningue naice!"

O médico tirou os sapatos e caminhou pela água ao longo da praia, refrescando-se; o mar estava tépido, como sempre na Beira, e era agradável passear à sua borda. José levantou os olhos e viu a estrutura erguer-se da areia com o seu emaranhado de ferros enferrujados, como um esqueleto metálico que o Indico vomitara das suas entranhas, e dirigiu-se a ela.

A sombra do velho barco encalhado na praia distinguiu um vulto sentado na areia e percebeu que era Mimicas. O seu palpite estava certo.

"Sempre gostaste de vir para aqui", atirou-lhe ao aproximar- se. "O teu local favorito na praia da Beira."