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"é um jacaré."

Observou com mais cuidado, tentando destrinçar movimento, mas o tronco permanecia perfeitamente imóvel.

"A sério?"

"Estou-te a dizer. Ora olha com atenção."

Diogo ficou longos minutos a espreitar o tronco, que continuava estático. Em circunstâncias normais teria desistido de olhar para aquele ponto durante mais de um ou dois minutos, mas ali não havia nada para fazer e aquela parvoíce, por incrível que pudesse parecer, mantinha-o distraído.

Ao fim de quinze minutos, o tronco moveu-se, soltando novos círculos concêntricos na superfície, e, com um movimento rápido e um breve borborejar, desapareceu no fundo da água.

"Tinhas razão!"

A novidade alegrou Diogo: afinal sempre sucedera qualquer coisa. Sorriu para Angelino com a satisfação de quem presenciara um grande acontecimento, mas depressa o efeito da novidade se desvaneceu e percebeu que, eliminada aquela pequena atracção, teria de se voltar para o jogo das rãs. Apurou o ouvido, tentando captar mais um coaxar, e suspirou com enfado.

"Que seca!"

Faltavam já menos de três horas para o pôr do Sol quando Angelino se levantou e olhou em redor, procurando os seus homens. Consciente de que todos o estavam a ver, ergueu o braço e encolheu-o; depois ergueu-o de novo e voltou a encolhê- lo. Estava dado o sinal para se porem em movimento.

Por toda a margem do rio, onde antes se avistavam apenas capim e arbustos, os homens emergiram quase do nada. Eram vinte e cinco comandos, que, apesar de fatigados por tantas horas em silêncio, se mantiveram calados e acompanharam a direcção de marcha do seu comandante.

Os soldados caminhavam espaçados, conforme a técnica de progressão no mato, mas a curiosidade levou a melhor sobre Diogo, que acelerou o passo e foi ter com o amigo.

"Para onde vamos?"

Angelino tirou um mapa do bolso e desdobrou-o.

"Temos de fazer uma operação de progressão até este ponto", disse, indicando o destino com o dedo. "Pernoitamos aqui e logo pela manhã vem um helicóptro trazer-nos um turra que os pides arranjaram. Parece que o gajo nos vai mostrar a localização de uma base do in."

"Vai, vai", ironizou o furriel Sousa, que também se aproximara. "Se for como o último, acho que vamos andar à caça dos gambozinos!..."

O comandante suspirou.

"O que tu achas não interessa nada", cortou com secura. "Estas são as ordens que temos e vamos cumpri-las. Daqui até ao objectivo são duas horas de marcha pelo mato." Verificou o relógio.

"Arrancando agora, chegamos lá antes ainda de a noite cair." Fitou reprovadoramente os dois homens plantados junto dele. "O que estão vocês a fazer ao pé de mim? Tá a andar."

O furriel Sousa assentiu e afastou-se de imediato, mas Diogo manteve-se colado ao amigo.

Angelino franziu o sobrolho, pouco habituado a que as suas ordens não fossem imediatamente acatadas.

"Que foi? Não ouviste o que eu disse?"

"Ouvi, pois", admitiu Diogo. "Mas o que é uma operação de progressão?"

Angelino esboçou uma expressão contrariada e fez tenção de se afastar, mas reconsiderou e indicou ao amigo que o acompanhasse. Todo o grupo se encontrava já em marcha, deambulando pelo mato denso. Samuel seguia à frente, na posição de batedor, aos ziguezagues por entre arbustos e árvores, evitando pontos de exposição. Os comandos avançavam um a um, em fila, mas deixando muito espaço entre eles. Os únicos que caminhavam juntos eram o comandante e Diogo.

"Uma operação de progressão é o que estamos a fazer agora", explicou Angelino em voz baixa.

"Como sabes enconframo-nos numa zona do in. A nossa missão é identificar toda esta área para localizar turras ou população que os proteja. Quem for apanhado por aqui é, por definição, um in ou um apoiante do m."

Diogo ouviu a explicação mas não pareceu convencido.

"E como damos com esse pessoal? Metemos pelo mato e fazemos figas para ter sorte?"

O amigo riu-se de mansinho.

"Achas que estamos a avançar ao acaso?"

"Parece."

Angelino deteve-se e apontou para a esquerda.

"Olha para ali", disse. "Estás a topar aquilo?"

Diogo fixou a atenção na direcção indicada e, após algum esforço, destrinçou efectivamente algo de irregular; pareceu-lhe uma linha estreita em que o capim estava tombado e que corria quase paralelamente ao percurso que os comandos seguiam.

"lá."

"É um trilho."

O significado da linha pisada tornou-se claro.

"Pois é!", constatou. "E porque não vamos por ali? Sempre era mais fácil do que irmos pelo meio do mato!..."

O comandante retomou a marcha.

"Estás parvo ou quê?", repreendeu-o. "Os tipos davam com as nossas pegadas, pá. Além do mais, aquela merda pode estar minada. Mas o mais importante é que os turras usam o trilho.

Vamos vigiá-lo um bocado e pode ser que tenhamos sorte."

"Eles andam ali? Porquê, se está minado?"

"Não te preocupes com os gajos. Os cabrões sabem muito bem onde esconderam as minas."

Caminharam mais umas centenas de metros. Diogo ia observando o trilho distante, quase fascinado. Será que veria turras aparecerem por ali? A ideia produziu nele sentimentos ambivalentes; por um lado, ansiava pela excitação de um recontro, mas por outro receava as consequências de tal situação.

"Já alguma vez deste com um turra nos trilhos?", quis saber Diogo.

"Eu? Claro."

"Ai sim? Como foi?"

Angelino riu-se baixinho.

"Eh, pá! Foi uma cilada bem montada!... Pusemo-nos todos a andar no trilho durante um ou dois quilómetros e a determinada altura eu fiz um sinal e demos todos um passo para o lado, pisando o capim. Depois escondemo-nos e ficámos à espera, emboscados no trilho. Passada meia hora vimos aparecer um gajo com uma kalash a andar devagar e curvado, de olhos nas nossas pegadas. Até que chegou ao ponto onde elas acabaram. O turra ficou atarantado e pôs-se à procura da continuação. Foi aí que o Sousa lhe mandou uma bojarda e acabámos com ele."

A memória da história provocou um largo sorriso no comandante dos comandos, evidentemente orgulhoso com o engenho da emboscada. Todavia, Diogo não se riu; não porque não achasse graça à história, mas porque estava a imaginar-se no lugar do turra.

Lançou um olhar desconfiado ao trilho.

"Olha lá, e se eles nos toparem agora?"

Angelino encolheu os ombros, quase indiferente.

"Isso é pouco provável", retorquiu. "Nós estamos fora do trilho."

"Sim, mas e se toparem?"

"Se toparem, toparam." Indicou o grupo de comandos que progredia em fila pelo mato, um homem aqui e outro lá atrás.

"Estás a ver o espaço entre nós? É um procedimento elementar de segurança, uma vez que assim, se derem connosco, dificilmente conseguirão disparar sobre mais de dois."

Diogo observou os comandos a progredirem isoladamente pelo mato e ponderou o que o amigo lhe explicara.

"Então se calhar era melhor fazermos o mesmo, não?"

Angelino riu-se.

"Estás com medo?"

"Não, mas...", atrapalhou-se Diogo. "Enfim..."

"Tens razão, é melhor respeitarmos o procedimento de segurança."

Acto contínuo o comandante apressou o passo, distanciando-se do amigo. O par desfez-se e a fila de comandos alongou-se pelo mato, contornando elevações e arbustos; pareciam formigas num carreiro espaçado.

Um burburinho alguns metros adiante despertou a atenção de Angelino. O comandante aproximou-se da dianteira da fila e viu Samuel a falar com duas pessoas. Era uma mulher envolta numa capulana já muito gasta, embora limpa, e uma menina que não deveria ter mais de sete anos.