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"Cessar fogo!"

A voz rouca do furriel Sousa foi reconhecida no meio de fuzilaria e de imediato obedecida pelos seus homens. Os comandos suspenderam o tiro e um estranho silêncio abateu-se sobre a estrada. O

inimigo também havia deixado de disparar e o mato tornara-se imóvel. O capim apenas ondulava ao sabor da brisa escaldante, o cheiro a pólvora queimada a fundir-se com o cacimbo.

"Segunda equipa", chamou o furriel. "Reconhecimento!"

Cinco homens desataram a correr curvados, as armas em riste, e mergulharam no capim. Os comandos observaram o movimento com grande atenção, os olhos a dardejarem em todas as direcções; esperavam o recomeço do tiroteio a todo o instante e sabiam que o fogo contrário denunciaria as posições hostis. Se identificassem esse fogo, identificariam o inimigo.

A espera prolongou-se por alguns minutos.

"Está limpo!", anunciou enfim a voz de um elemento da segunda equipa que partira em reconhecimento. "Os turras cavaram."

Os comandos ergueram-se com cautela, as G3 sempre a postos.

"Médico!"

Um soldado correu na direcção do furriel Sousa, que pedira assistência. Diogo olhou com atenção e percebeu que o chefe do grupo de combate, apesar de ainda dar ordens, se encontrava imobilizado.

Outras vozes levantaram-se a pedir auxílio e ele próprio foi lá ajudar. Um homem havia sido baleado e dois tinham sofrido ferimentos ao cair da Berliet; o motorista ficara mesmo sem a mão direita e tiveram de lhe fazer um torniquete e dar-lhe morfina. O caso estava difícil, mas Diogo recebeu entretanto ajuda do homem que fora prestar assistência a Sousa, o cabo Rosa, e que apareceu com uma maca que pousou ao lado do ferido.

"Seguras pelos pés que eu seguro pelos ombros", ordenou o cabo, assumindo posição. "Um...

dois... upa!"

Diogo e o cabo Rosa puseram o ferido na maca. O homem urrou de dor, pelo que fizeram um pequeno compasso de espera até erguerem a maca e arrumarem-no na Berliet mais próxima. O

camião militar estava transformado em ambulância improvisada.

"O que tem o nosso furriel?", perguntou Diogo, incapaz de conter a curiosidade. "Não se conseguia mexer..."

"Acho que partiu a bacia."

"O quê?"

"Caiu mal no chão e está cheio de dores", explicou o cabo Rosa. "Já o imobilizei numa maca, mas o gajo ainda acha que está operacional."

Diogo olhou para trás e viu o furriel dos comandos deitado na maca a inspeccionar o capim. Era incrível como, apesar de ter a bacia partida, Sousa estudava as posições que haviam sido ocupadas pelo inimigo. Viam-se palhotas lá ao fundo e, para as identificar, o furriel ordenou que lhe mostrassem um mapa. Um homem foi buscá-lo à mochila e estendeu-o no chão, ao lado da maca.

"Esta merda chama-se Corneta", constatou o furriel Sousa, os olhos colados ao mapa. Ergueu a cabeça e encarou os seus homens. "A primeira equipa que se junte à segunda e limpe a aldeia. Os outros estabelecem um perímetro de segurança aqui na estrada."

Diogo pertencia à primeira equipa, pelo que pegou na G3 e acompanhou os camaradas na batida até Corneta. Meteram pelo capim, evitando os trilhos por causa das minas, e cercaram a aldeia. Não se via vivalma. Os comandos avançaram com cautela, evitando expor-se, até penetrarem nas primeiras palhotas. Estavam desertas.

"Os cabrões cavaram", concluiu Samuel, que comandava a segunda equipa. "Vamos deitar fogo a esta merda toda." Fez sinal a Diogo e aos restantes membros do grupo. "Ponham-se a andar. Eu e o Isaías tratamos disto."

Diogo hesitou. Já que viera para os comandos queria ver tudo o que eles faziam; podia não ser bonito, mas ao menos era instrutivo.

"Posso ficar a ver?"

O pedido surpreendeu Samuel.

"Estás parvo ou quê?", exclamou o comando negro. "Os turras fugiram mas devem ter os morteiros apontados para aqui. Logo que virem o fumo a subir das palhotas, os gajos põem-se a despejar granadas sobre a aldeia. O grupo tem de sair daqui antes que eu e o Isaías peguemos fogo às cubatas."

"Eu também posso ajudar-vos a lançar o fogo", propôs Diogo. "Com três homens até é mais rápido!..."

Samuel encolheu os ombros, consentindo. Os homens abandonaram Corneta e os três soldados que ficaram para trás caminharam para a ponta mais longínqua da aldeia, acenderam os fósforos e colaram as chamas a várias tochas. Depois arrancaram em corrida e lançaram as tochas para dentro das palhotas, correndo sempre na direcção da saída da aldeia. Em poucos instantes o fogo alastrou, transformando as habitações cilíndricas em piras dançantes, e os três tinham já deixado Corneta quando as granadas de morteiro começaram a cair na aldeia em chamas.

"Olha para eles!", observou Isaías com um sorriso fatigado, já junto à estrada, enquanto as explosões se sucediam na aldeia, transformada num lençol de fogo e fumo. "Devem achar que somos parvos."

A Berliet com os seis feridos partiu em direcção a Tete e os comandos montaram nos restantes camiões e arrancaram com destino ao quartel do Mazoi. Os homens iam de semblante carregado, furiosos com o que acontecera e com vontade de ir atrás dos turras lá onde eles estavam a lançar os morteiros, mas permaneceram calados. A excepção era Samuel, o grande negro de Moatize, o único que verbalizava a revolta que a todos ruminava no peito.

"Filhos da puta!", rugiu em voz baixa. "Isto não vai ficar assim!"A Berliet chiou ao travar, elevando uma nova nuvem de poeira, e Angelino apeou-se de um salto logo que a viatura se imobilizou por completo e o motor se calou. Diogo, que ia ao lado, apressou-se a seguir no encalço do amigo.

"Eh pá, espera por mim!"

Sem olhar para trás, Angelino ergueu o braço e exibiu o relógio.

"é uma e um quarto da tarde!", exclamou. "Está quase na hora da reunião e um comando nunca chega atrasado."

O edifício para onde caminhavam, uma estrutura de um único piso com um telhado de zinco e um alpendre a todo o comprimento, situava-se no complexo militar da estrada à entrada de Tete. O

calor apertava, jorrando do Sol impiedoso. O ar escaldante ondulava sobre o fundo amarelo e castanho do capim que se estendia até ao horizonte, o mar de erva seca apenas cortado pela ocasional maçaniqueira ou por embondeiros colossais.

Dos dois lados da estrada erguia-se o complexo militar da Zona Operacional de Tete, o local de onde se coordenava aguerra em todo o distrito. Era a primeira vez que Angelino tinha sido convocado para uma reunião na ZOT. Quase por hábito espiou de relance as sentinelas e os portões e não pôde deixar de se admirar com o dispositivo de segurança existente no comando militar.

"Olha para isto", exclamou quase com desdém, indicando a Diogo o portão por onde haviam entrado com a Berliet. "Bastava um grupo de comandos para tomar esta merda em dez minutos."

O amigo olhou e nada disse. Depois do que vira nas últimas semanas, não tinha a mínima dúvida de que isso era verdade. Mas também sabia que qualquer outra força suficientemente treinada e determinada que contasse com o factor surpresa poderia tomar conta do complexo, embora talvez não por muito tempo.

Entraram no edifício que lhes havia sido indicado na ZOT e sentiram o alívio da sombra. Fazia calor ali dentro, mas não era nada comparado com a fornalha que fervia no exterior. Os visitantes foram acolhidos por uma sentinela em continência e dirigiram-se à recepção. A ordenança sentada ao balcão pediu-lhes os documentos e levantou-se, fazendo-lhes sinal de que a acompanhassem no percurso até à sala de planeamento operacional.