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A mesma postura seria aliás de esperar do comandante dos comandos, Angelino Melro, mas o coronel sabia ler os homens e descortinava no alferes, sob a máscara de uma impavidez obviamente simulada, a ebulição de um operacional impaciente por entrar em acção. Não era preciso ser um génio para perceber aquela impaciência; o governador sabia muito bem que o sangue do alferes fervia por causa da emboscada que os comandos haviam acabado de sofrer na estrada. Se bem os conhecia, não descansariam enquanto não ajustassem contas com os turras.

Os olhos do chefe militar de Tete desviaram-se para o quarto homem, que se remexia com impaciência e mudava amiúde a perna em que se apoiava. O coronel estreitou as pálpebras, tentando interpretar aquela postura corporal. Conhecia o pequeno inspector da DGS havia algum tempo e já tinha notado que, quando Aniceto Silva se apresentava assim agitado, era porque rebentava de novidades. Estava na hora de as conhecer.

O coronel Varela pousou a chávena na borda da mesa e pôs as mãos à ilharga, como fazia nos seus tempos de operacional pára-quedista quando se preparava à porta de um avião para se lançar no abismo.

"Meus senhores", começou por dizer no tom de quem abre formalmente a reunião. "Como sabem, os turras andam a ganhar cada vez mais atrevimento e já chegaram à entrada de Tete." Fez um gesto na direcção da janela, exibindo a planície seca que se estendia pelo horizonte amarelado.

"Os gajos estão, aliás, a meia dúzia de quilómetros aqui da ZOT e ameaçam Tete e a estrada do Songo para Cabora Bassa. O general Kaúlza anda muito preocupado com a situação e já me ligou várias vezes nas últimas semanas. É imperativo garantir a segurança de Tete e de Cabora Bassa e barrar-lhes o caminho para Vila Pery e para a Beira. Mas, além da grande importância estratégica do que está em causa, é bom lembrar que a própria honra das Forças Armadas se encontra em jogo.

Se nós nem os arredores de Tete controlamos, controlamos o quê? Precisamos, pois, de pôr ordem nisto! Para lidar com este problema andamos há uma semana a planear a Operação Marosca. A ideia era lançá-la depois do Natal, mas parece que surgiram umas novidades que nos poderão forçar a antecipar a acção planeada." Indicou Angelino. "O nosso alferes sofreu agora uma emboscada a poucos quilómetros daqui, não é verdade?"

O comandante da 6.3 Companhia de Comandos inclinou-se sobre o mapa e apontou para uma aldeia junto à estrada.

"Foi aqui em Corneta, meu coronel", indicou. "Eu não estive lá, as coisas aconteceram com os meus camaradas do segundo grupo. Eles tinham ido pernoitar ao aldeamento Mandie para fazer esta manhã um golpe de mão no aldeamento Cebola e capturar o régulo e os filhos, conforme as ordens que tínhamos recebido, e foram emboscados na estrada no caminho de regresso. Sofremos seis feridos, incluindo o furriel Amaro Sousa, que ficou com a bacia fracturada. Os nossos homens bateram a aldeia situada ao lado do ponto da emboscada, mas ela estava deserta e limitaram-se a queimar as palhotas."

O coronel Varela comparou no mapa a distância de Corneta à ZOT e à cidade de Tete.

"Porra, os cabrões estão mesmo próximo!", constatou. Desviou o olhar para o impaciente inspector Aniceto Silva. "Quais são as informações de que a PIDE dispõe sobre esta zona?"

"Está totalmente infiltrada pelos turras, senhor coronel", retorquiu o homem da DGS. "O que o alferes Melro acaba de contar confere com o que tem acontecido nas últimas vinte e quatro horas nesse sector. Ainda agora o Guerra apareceu a queixar-se de que, quando vinha de avião e descia para aterrar em Tete, foi alvejado de umas palhotas." Fez um gesto em direcção ao ponto no mapa a assinalar Corneta. "A avioneta fez a aproximação à cidade por sudoeste e, pelos meus cálculos, os tiros vieram justamente desta zona."

O coronel franziu o sobrolho.

"Andaram a disparar desse sector contra a geringonça do Guerra?"

"Sim, senhor coronel. Foi ontem."

"E o que fez o senhor?"

"Mandei o Chico ver o que se passava. Ele foi lá esta manhã perguntar à população se os turras andavam por ali."

O chefe militar soltou uma gargalhada.

"Quando viram o Chico devem ter apanhado um cagaço, não? Eu, se desse com um brutamontes daqueles, confessava logo tudo!"

Aniceto Silva não acompanhou o riso.

"Pois eles não confessaram coisa nenhuma", retorquiu com secura. "Aquilo está tudo infiltrado pelos turras, senhor coronel. Tudo." O inspector inclinou a cabeça na direcção de Angelino. "Aliás, os comandos foram há pouco emboscados naquele sector pouco depois de a população ter garantido ao Chico que ali não havia turras. Mas a emboscada prova que os turras estão lá e que a população nos anda a mentir."

O coronel Varela endireitou-se e pegou na chávena de café. Sorveu um gole quente e respirou fundo, avaliando as suas opções. O quadro que lhe havia sido traçado era claro e cabia- lhe a ele tomar as decisões que se impunham. Pousou a chávena e afinou a voz, como sempre quando se preparava para dar ordens importantes.

"Muito bem, vamos então antecipar a Operação Marosca", decidiu. Virou-se para o comandante da Força Aérea. "Como sabe, capitão Telles, o plano prevê que a operação seja desencadeada pelos

Fiats."

"Pode contar connosco, meu coronel."

O chefe militar de Tete voltou-se para o comandante da 3 Companhia de Comandos.

"Depois avançam os comandos", indicou, consultando as folhas onde a Operação Marosca se encontrava planificada. "São necessários três grupos. Dois serão inseridos a norte e terão de estar em posição pelo final da manhã." Apontou para o major Ponces. "O Batalhão de Caçadores 17 terá uma força a apoiar os comandos emboscados a norte." Indicou um ponto no mapa a assinalar a estrada. "O terceiro grupo de comandos encontrar-se-á aqui no entroncamento da estrada do Songo com os Alouettes que os levarão para a borda sul do sector."

"Eu conheço o plano, meu coronel", retorquiu Angelino. "Precisava é que o bombardeamento dos Fiats incidisse em pleno centro da aldeia, para obtermos maior efeito."

"No centro da aldeia?", estranhou o capitão Telles. "Isso está cheio de civis!..."

"É verdade", confirmou Angelino. "Mas a confusão que o bombardeamento irá gerar entre a população é a mais propícia para a entrada em segurança das nossas forças."

O comandante da Força Aérea abanou a cabeça enfaticamente.

"Não, nem pensar!", declarou. "A Força Aérea não bombardeia populações civis. Dêem-nos um alvo militar e tudo bem, mas não posições civis!"

"A aldeia é um alvo militar", atalhou o inspector Aniceto Silva, intrometendo-se na conversa.

"Os turras estão infiltrados no sector e contaminaram as populações civis."

O capitão Telles ergueu o dedo, como quem diz que dali não arredava pé.

"Repito que a Força Aérea não bombardeia alvos civis!", sentenciou. "Dêem-nos um alvo militar e podem contar connosco, mas não alvos civis!"

"Os alvos civis são alvos militares", insistiu o homem da DGS. "Não percebe o que se passou ali esta manhã? Os comandos foram atacados naquele local pouco depois de a população ter garantido ao Chico que por ali não havia turras! Isto mostra que toda a zona está infiltrada!"

O capitão Telles voltou a abanar a cabeça, irredutível.

"Os bombardeamentos aéreos são indiscriminados", explicou. "Não podemos largar bombas no meio de uma aldeia cheia de civis."

"Mesmo estando ela infiltrada de turras?"

"Mesmo assim."

Aniceto Silva abanou a cabeça, agastado. O bombardeamento aéreo, porém, era sobretudo um requisito táctico, o que levou Angelino a tentar encontrar uma solução que contornasse a recusa obstinada do homem da Força Aérea.