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"Então lance pelo menos uma bomba pequena", argumentou o comandante dos comandos.

"Precisamos dela para estabelecer a confusão."

"Nem pequena nem grande! Não há bombas da Força Aérea contra aldeia nenhuma."

Angelino, que se esforçava por manter a postura tranquila, aclarou a garganta.

"Desculpe, meu capitão, mas só se for nova política da Força Aérea", disse. "Há uns tempos vi uma aldeia com o chão coberto de crateras de bombas lançadas pela Força Aérea. Algumas eram tão grandes que cabia lá uma Berliet."

O capitão Telles olhou-o com desconfiança.

"Onde foi isso?"

"Na serra Mapé, em Cabo Delgado. Como sabe é uma zona totalmente contaminada, mas na aldeia viviam populações. E as crateras estavam bem no meio da povoação."

"Eu não tenho nada a ver com as operações da Força Aérea em Cabo Delgado", rugiu o oficial aviador. "Aqui em Tete nós não..."

"Meus senhores!", sobrepôs-se a voz do coronel Varela, impondo o silêncio. "A Operação Marosca decorrerá conforme planeado." Lançou um olhar ao capitão Telles. "A Força Aérea irá bombardear o alvo, como consta dos requisitos operacionais." Virou a cara para Angelino e para o major Ponces. "Dois grupos de comandos e um de caçadores estarão em posição a norte e logo a seguir ao bombardeamento avança de sul um terceiro grupo de comandos nos Alouettes." O

movimento da cabeça terminou no inspector Aniceto Silva. "A PIDE acompanhará este terceiro grupo de comandos e conduzirá os interrogatórios." O coronel calou-se e voltou a encarar os quatro interlocutores um a um, como se indicasse que a hora da discussão já terminara e aquelas instruções eram finais. "Entendido?"

Os quatro anuíram com movimentos afirmativos de cabeça. O chefe militar de Tete voltou a consultar os documentos onde a operação estava planificada.

"O bombardeamento dos Fiats será efectuado às sete da manhã do dia 18 e logo a seguir..."

"Tem de ser amanhã", cortou Aniceto Silva.

O coronel Varela arregalou os olhos, espantado com a interrupção.

"Como?"

O inspector da DGS tinha uma expressão convicta no rosto.

"Se queremos ter a certeza que apanhamos os turras, temos de avançar amanhã o mais tardar."

"Amanhã?"

"lá, amanhã."

O coronel suspirou; parecia um pai a lidar com o capricho de uma criança.

"Inspector, todos queremos antecipar a operação", disse. "Mas ninguém quer antecipá-la assim tanto. Porquê essa urgência?"

"Já lhe expliquei, senhor coronel", argumentou o inspector da DGS. "Se queremos ter a certeza de que apanhamos os turras, temos de avançar amanhã o mais tardar."

"Mas porquê amanhã? Porque não dia 18?"

"Porque são essas as informações de que disponho, senhor coronel. Estou a falar de informações seguras."

Angelino apoiou-se noutra perna, impaciente e irritado com tanta certeza.

"Eu conheço muito bem as informações seguras da PIDE!", exclamou o chefe dos comandos num tom de desprezo. "Estou farto de andar à caça dos gambozinos à custa das vossas informações seguras! Ainda noutro dia a PIDE nos garantiu que havia no Zoboe um acampamento de turras e, quando lá chegámos, só vimos impalas!"

"Estas informações são seguras", insistiu Aniceto Silva, quase rangendo os dentes.

"Seguríssimas!"

O coronel Varela inclinou-se sobre a mesa, apoiando-se nas mãos.

"lá, mas seguras a que ponto, senhor inspector? O nosso alferes tem razão. Não tem conta o número de missões que enviamos à custa das informações seguras da PIDE e que se vêm a revelar um completo fiasco..."

O inspector suspirou.

"As nossas informações indicam a presença do Raimundo na zona." A referência ao nome teve o condão de calar os quatro militares na sala, garantindo ao inspector a melhor atenção. "Não preciso de vos recordar o prestígio desse chefe maconde que veio aqui para Tete desestabilizar o distrito, pois não?"

O coronel Varela cruzou os braços e mordeu o lábio inferior, considerando a informação.

"Tem a certeza de que o Raimundo está neste sector?"

O rosto do homem da DGS abriu-se num sorriso sibilino.

"Quem mais se atreveria a atacar os comandos à luz do dia?" Fez uma pausa, deixando a ideia germinar na mente dos militares. "Ele comanda trezentos guerrilheiros que se infiltraram nas aldeias desta área. E eu sei que o tipo vai estar amanhã numa delas."

Angelino soltou uma gargalhada céptica.

"Como pode o senhor saber uma coisa dessas? Falou com ele?"

Aniceto Silva estreitou ligeiramente os olhos, com ar de quem estava na posse de matéria confidencial.

"É uma informação que tenho."

"Desculpe, senhor inspector", interveio o coronel Varelíu "Considerando o que está aqui em causa gostaria de saber qual a fonte dessa informação."

O responsável da DGS respirou fundo, sabendo-se derrotado.

"é o Mendes", disse. "O gajo foi esta manhã comprar cabritos às aldeias e os turras apanharam-no."

"Qual Mendes? O da Toyota vermelha?"

"Esse mesmo."

"Os turras apanharam-no?"

"Sim, mas não lhe fizeram mal", apressou-se o inspector a esclarecer. "Os tipos disseram-lhe que não o matavam mas que precisavam de ser abastecidos de farinha e sal e mandaram-no ir a Tete buscar esses produtos e entregá-los amanhã na aldeia." Consultou uma anotação. "Marcaram encontro junto a uma pedra chamada... tombonhapangara... ou lá como se diz essa merda! Só sei que o coitado do Mendes apanhou um cagaço dos antigos! Foi a correr para Tete e veio logo falar comigo."

Os quatro militares estavam boquiabertos, os olhos presos no inspector; era demasiado bom para ser verdade! Passada a surpresa inicial, o coronel Varela acercou-se de Aniceto Silva e desferiu-lhe uma sonora palmada nas costas.

"ó homem, porque não disse isso mais cedo?", exclamou com indisfarçável entusiasmo. "Você tinha uma informação dessas e estava calado?"

Apanhado de surpresa pela palmada, o inspector cambaleou e esboçou um esgar de dor.

"Mas, senhor coronel, é o que eu estava a tentar fazer", defendeu-se. "Eu disse que tinha informações seguríssimas de que o Raimundo estava localizado, não disse?"

O chefe militar soergueu o sobrolho.

"Muito bem, você sabe onde os turras vão estar amanhã. Mas como tem a certeza de que o Raimundo estará lá?"

"Certeza ninguém tem de nada, mas foi o que o Mendes me disse", explicou Aniceto Silva.

"Parece que os tipos da aldeia estavam todos em respeito por terem o Raimundo com eles. Diziam que estava ali o dalepa e que com o gajo ninguém se metia."

Todos reconheceram a referência. "Dalepa", ou "bicho que cheira mal", era o inconfundível nome de guerra do lendário Raimundo, o guerrilheiro maconde que andava a desestabilizar o distrito de Tete. Enfim convencido, o coronel Varela desferiu um murro inflamado na palma da mão.

"Muito bem, pessoal!", exclamou. Encarou o comandante dos comandos e apontou-lhe o dedo para enfatizar as suas ordens. "Esta zona é para limpar, percebeu alferes? Para limpar! Quero tudo limpo de uma vez por todas!"

Era a primeira vez que Angelino recebia uma ordem daquelas, mas nem sequer pestanejou. No seu dicionário, "limpar" significava limpar. Sabia que essa ordem já havia sido dada em operações envolvendo outras companhias e sempre imaginara que alguma vez teria de lhe caber a ele. A hora chegara e não havia que duvidar, até porque um comando obedecia a ordens e ele era o melhor da sua companhia.