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"Sim, meu coronel."

O chefe militar de Tete voltou a inclinar-se sobre a mesa, analisando as posições identificadas no mapa.

"Qual é o ponto de encontro marcado pelo Raimundo com o Mendes? Vai ser em Corneta?"

O inspector da DGS abanou a cabeça.

"Corneta encontra-se demasiado exposta por causa da estrada que passa ao lado", disse Aniceto Silva. "Além disso foi destruída há pouco pelos comandos, como aqui o senhor alferes teve a amabilidade de nos explicar." Indicou um espaço no mapa mais a norte. "Os turras estão numas aldeias ali mais para o interior." Dobrou-se também sobre a mesa e ajeitou os óculos, procurando uma referência mais exacta. Consultou umas anotações que extraiu do bolso da camisa e comparou-as com as legendas registadas no mapa. "As coordenadas da zona onde os turras se encontram são... deixe cá ver... 3334.1618... 3337.1618 e... e 3334.1621." Indicou um triângulo imaginário com os vértices assentes nas três coordenadas. "E aqui dentro."

"Que aldeias estão aí?"

O inspector identificou-as com o dedo.

"São estas."

Aniceto Silva ergueu os olhos e viu os quatro militares voltados igualmente sobre o mapa, esforçando-se por reconhecer as legendas aí assinaladas.

"Chawola e... e Juwau?"

"Sim, senhor coronel", confirmou o inspector, deslizando de seguida o dedo para um terceiro ponto. "Mas o Mendes ficou de entregar a farinha e o sal nesta outra aldeia."

O olhar do chefe militar deslizou para o nome da terceira referência.

"Willamo?"

O chefe distrital da DGS abanou a cabeça e corrigiu-o.

"Wiriyamu."As pás das hélices cortavam o céu a um ritmo cadenciado e trepidante, invisíveis mas perceptíveis, tão rápidas que sobre o aparelho apenas se destrinçava uma vaga ondulação, como se ali estivesse uma lente a desfocar o firmamento. Angelino Melro acariciou a espingarda automática e, dominando a tensão, verificou as munições pela terceira vez no último minuto; tudo lhe parecia em ordem. "Ali!"

Ergueu os olhos e viu o piloto gritar-lhe qualquer coisa e apontar para a frente. O ar reverberava, abafando a voz do piloto, pelo que não entendeu o que lhe era dito. Teve de alongar o pescoço num esforço para perceber o que se passava. Lobrigou duas colunas de fumo negro a erguerem-se do arvoredo e a serpentearem pelo ar até se esbaterem nas alturas; pareciam vulcões a vomitar da planície fios de carvão em pó. Analisou o solo de onde o fumo se alteava e apenas vislumbrou árvores. Procurou as palhotas e enxergou-as um pouco mais aquém do local de onde jorrava a fumaça."Filhos da puta!", praguejou entre dentes. "Estes gajos da Força Aérea não têm emenda!"

"Que foi? O que aconteceu?"

Olhou para Diogo, que lhe fizera a pergunta, e depois desviou a atenção para o piloto, certificando-se de que ele nada ouvira. O homem aos comandos do Alouette mantinha-se concentrado na sua tarefa, o que o tranquilizou. Mas teria de se controlar; o helicóptero era da Força Aérea e aquele momento não era o adequado para iniciar uma altercação com os tipos.

"Que foi?", insistiu Diogo. "Passa-se alguma coisa?"

Angelino fez com a cabeça sinal para as colunas de fumo lá adiante.

"Os sacanas não bombardearam o centro da aldeia", disse. "Deitaram as bombas no mato.

Cabrões de merda, eu sabia que não se podia contar com estes gajos!"

A observação deixou Diogo desconcertado e o seu alcance só foi plenamente apreendido por Samuel, que se encontrava sentado ao lado e que assentiu sem pronunciar palavra. O Alouette aproximava-se em velocidade do teatro de operações e Angelino espreitou para os lados, certificando-se de que tudo corria bem; os outros quatro helicópteros seguiam em formação, não havia problemas.

Depois passou os olhos pelos quatro operacionais que iam no seu Alouette. Dois eram homens seus; tratava-se de Diogo e de Samuel, um soldado negro que encarava como irmão porque nos comandos a maioria dos homens era negra e entre todos a cor não contava; os outros dois eram os tipos da DGS que o inspector Aniceto Silva lhe impingira.

Estudou-os com curiosidade. O chefe era Francisco, um matulão de quem se dizia ter combatido noutras guerras ao serviço dos Espanhóis. Já o outro, Maurício, era um lomué da confiança de Francisco. Havia muitos negros a trabalhar para a DGS, sabia Angelino; não constava que fossem mais meigos do que os brancos.

O facto, porém, é que ele não gostava de operar com a DGS; as informações que os pides davam à tropa revelavam-se pouco fidedignas e resultavam amiúde em trabalho infrutífero. Mas ordens eram ordens e, como por vezes sucedia, tinha de os aturar nesta missão; o comando impusera-os porque os considerava fundamentais para recolher informação — e a verdade é que aquela zona de operações estava totalmente contaminada pelos turras e informação era decerto coisa que por ali não faltava.

"Prontos?"

A voz do piloto trouxe Angelino de volta à realidade do momento. O comandante dos comandos fez um sinal a Samuel e Diogo e os três posicionaram-se junto às portas do Alouette.

Angelino destravou a G3 e encarou o piloto, indicando-lhe que estava a postos.

O aparelho perdeu imediatamente altitude e começou a rasar as copas das árvores, aproximando-se a grande velocidade de uma clareira que se abria antes das primeiras palhotas. O

catacatacata das hélices em rotação dominava tudo; o capim girava em círculo por baixo do helicóptero, bailando ao ritmo frenético das pás em espiral, soprado pelo vento que ao mesmo tempo erguia revoadas de poeira alaranjada em remoinho.

O Alouette abrandou sobre o centro da clareira e desceu até pairar pouco menos de dois metros acima do solo.

"Vai!"

Diogo viu Angelino saltar e foi a seguir. Sentiu o chão travar-lhe a queda, verificou que os restantes homens pulavam igualmente dos outros helicópteros como sementes lançadas nas machambas e desatou de imediato a correr em direcção às palhotas. As pessoas fugiam em debandada, cada uma para o seu lado; eram coelhos a tentar ludibriar a rede que sobre eles se fechava.

Os comandos enchiam a clareira e os helicópteros já se afastavam, levando consigo a vibração do ar e tornando-se um zumbido cada vez mais distante.

"Por ali e por ali!", gritou Angelino, apontando direcções aos seus homens. "Quero o perímetro imediatamente estabelecido!"

Os comandos espalharam-se com rapidez, um grupo pela direita e outro pela esquerda conforme as ordens, contornando a orla da aldeia de modo a selar a zona de operações. Todos sabiam que este movimento era crucial para os proteger de ataques de flanco e para impedir a fuga da população. Mas os aldeãos tentavam desesperadamente furar o cerco. Com Diogo colado a ele, Angelino viu um homem escapulir-se à sua direita e apontou-lhe a arma.

"Alto!"

O homem continuou a correr e o comando certificou-se de que o aldeão se encontrava na sua mira.

Crack.

O fugitivo tombou desarticulado ao lado de uma palhota. No mesmo lugar viu uma mulher a correr com uma criança nos braços.

"Alto!"

Cega de medo, a mulher não parou e o comandante dos comandos voltou a disparar, derrubando-a sobre o capim. Por esta altura o tiroteio era generalizado e toda a gente abria fogo; os comandos davam ordens para parar e quem não obedecia era de imediato abatido. No meio daquela confusão, Diogo viu e ouviu pessoas a correr, vozes a gritar, o trovejar raivoso das G3 e corpos franzinos a rolarem pelo chão; alguns eram homens, outros mulheres, também crianças.