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"Quanto tempo vamos ficar aqui?"

"O tempo suficiente para vos arranjar um destino." Floriano contemplou a fachada, que já lhe era familiar, e vacilou, como se as palavras do recém-chegado lhe tivessem levantado uma dúvida.

"Não gosta do hotel?"

"Gosto, gosto."

O director dos Serviços de Saúde apontou para um outro edifício de esquina, este de três pisos, situado na mesma rua.

"Veja lá! Se preferir, posso pôr-vos ali no Carlton." Indicou um terceiro edifício de esquina, também ao lado. "Ou ali no Savoy. É como queiram."

"Não, este está bem."

Floriano contemplou a fachada com satisfação.

"Pode ficar descansado que aqui o Hotel Central é muito jeitoso. É asseado e encontra-se muito bem localizado." Indicou o lado de onde vinham, a Praça 7 de Março e a Capitania do Porto. "Como vêem, situa-se na zona comercial, a dois passos do porto." Apontou na direcção oposta. "Ali em frente, trezentos metros adiante, está a Praça Mac Mahon, onde temos a estação de comboios."

Depois voltou a mão para outro ponto. "E, duzentos metros para ali, naquela direcção, encontra-se o Mercado Municipal."

Cruzaram a porta e dirigiram-se à recepção com os grooms no encalço.

"Já sabe para onde nos vai transferir?", perguntou José Branco.

"Estamos a estudar várias possibilidades, mas não lhe vou dizer nada enquanto não existir uma coisa concreta. Tenho em vista um sítio que vai perder um médico e pode ser que o doutor seja colocado lá."

"Ai sim? O colega que lá está vai-se embora?"

"Vai."

"Volta a Portugal?"

Floriano fez um gesto largo, abarcando a rua e tudo o que se encontrava em redor.

"A Portugal? Meu caro, Portugal é tudo isto."

"O que eu queria dizer era se ele voltava à Metrópole..."

Com um trejeito um tudo-nada teatral, o superior hierárquico esboçou um ar admirado.

"Voltar à Metrópole? Para quê?"

"Bem", atrapalhou-se José. "Podia não se ter adaptado, sei lá..."

"Oh, doutor! Quem aqui chega já não quer voltar."

"Ora, como pode ter tanta certeza?"

"Porque esta é a terra mais bonita do mundo."

Permaneceram no Hotel Central durante alguns dias, período que lhes serviu para se habituarem à vida em Lourenço Marques.

O casal Rouco deu notícias logo na manhã seguinte e desafiou- os para um passeio pela cidade.

"Primeiro queria tomar o pequeno-almoço", disse Mimicas, eternamente esfaimada. "Mas aqui no hotel coisa-se tão mal!... Não haverá por aí um sítio onde a comida seja boa?"

"Ah, Mimicas!", retorquiu Domingos. "Aqui boa comida é mato!"

Mimicas arregalou os olhos, chocada com a notícia, e pôs a mão escandalizada na boca.

"O quê? Só no mato é que se arranja boa comida? Que horror! Como é que vamos viver assim?!"

Os dois Rouco soltaram uma gargalhada.

"Quando dizemos que uma coisa é mato, isso significa que há muito dessa coisa", explicou Albertina. Apontou para a rua. "Por exemplo: carros é mato. Isto quer dizer que há muitos carros, percebes?"

"Ah, bom!", exclamou a amiga, com alívio. "Ufa! Já estava a ficar assustada!..."

"Se têm fome, vamos então ali ao Scala matabichar", decidiu Domingos. "Depois seguimos para a Pinheiro Chagas. As senhoras dizem que é do melhor para as compras."

"Ai sim? E aqui perto?"

"Não, Mimicas. Temos de apanhar o machibombo."

O casal Branco esboçou um novo esgar interrogativo.

"O quê?"

Os Rouco riram-se de novo e Domingos pousou as mãos nos ombros dos dois amigos.

"Vocês precisam de se habituar aos moçambicanismos, pá", aconselhou ele num tom paternal.

"Vamos primeiro tomar o mata-bicho, não é? Depois apanhamos o machibombo porque a Pinheiro Chagas é maningue mato longe." Tirou do bolso uma pequena embalagem vermelha de pastilha elástica. "Vai uma chuinga? Iá, olhem que é naice!..."

Tomaram um pequeno-almoço no Café Scala tão bem servido que no final, e depois de se ter alambazado com quase metade da comida que tinha vindo para a mesa, Mímicas olhou horrorizada para os pratos vazios diante dela e abanou a cabeça.

"Ai, comi de mais", gemeu. "Estou tão arrependida..."

Apanharam o autocarro mesmo em frente ao café e ao longo do caminho observaram com curiosidade a catedral, a câmara municipal e depois o casario a desfilar em redor. A cidade parecia-lhes bem ordenada e espaçosa, cheia de luz e amplos espaços verdes; a arquitectura variava entre o estilo colonial e as linhas modernas, o que lhe conferia uma graça singular.

A viagem prolongou-se até chegarem a uma fileira de grandes avenidas. Floriano havia-lhes dito que Lourenço Marques não passava de uma povoação pequena, mas não era isso o que constatavam; embora não fosse maior do que Lisboa, a verdade é que a cidade se revelou de uma dimensão apreciável e manifestamente bem planificada, com longas avenidas paralelas, à americana, e arborizadas.

"É aqui."

Apearam-se na Pinheiro Chagas, uma dessas avenidas largas e compridas, dominada por edifícios enormes. Demoraram um instante a admirar as fileiras de prédios; nunca tinham visto nada daquilo na Metrópole. No entanto, a admiração depressa cedeu lugar às coisas práticas. As senhoras enlaçaram os braços uma na outra e foram ao Salão Girassol arranjar o cabelo, deixando os maridos com um aceno e uma recomendação.

"Portem-se bem!"

A primeira coisa que os dois homens fizeram logo que se viram sozinhos foi comprar no quiosque a edição dessa manhã do Notícias, o principal jornal da cidade. José queria saber pormenores da grande vitória alcançada dois dias antes pelo Benfica diante do Barcelona e que lhe valera a conquista da Taça dos Campeões Europeus. Folhearam o jornal no meio do passeio e vitoriaram a imagem de José Aguas em ombros com a taça nas mãos, mas os sorrisos desvaneceram-se quando, terminada a leitura pormenorizada da página desportiva, passaram os olhos pela primeira página e se depararam com um título sobre o que se estava a passar em Angola.

"Tenho uma irmã a viver em Luanda e ela anda em pânico", observou José, de repente taciturno. "A Lourdes mandou-me uma carta a dizer que a cidade se encontra em estado de sítio e que nem sai do bairro do quartel. Coitada, está muito assustada."

"Eu tinha-te avisado", disse o amigo. "A guerra era inevitável."

"Mas assim? Os tipos andam a matar mulheres e crianças à catanada! Achas que isso está certo?"

Domingos abanou a cabeça.

"Acho que está muito errado", admitiu. "Não me entendas mal. Não aprovo de modo nenhum essas carnificinas. Mas isso não significa que não compreenda. A culpa é o MPLA foram criados em 1956, Zé. Isto significa que existem há cinco anos. Andaram cinco anos a tentar falar com as autoridades portuguesas sobre o futuro de Angola. O que deu essa tentativa?" Fez um "O" com o polegar e o indicador. "Zero." Encolheu os ombros. "Depois admiram-se!..."

Agastado com a notícia, José dobrou o jornal e recusou-se a conversar mais sobre o assunto. O

tema perturbava-o, sobretudo porque acabava de chegar a África e já via as coisas a andarem para trás. Observando-o desalentado, e tentando animá-lo com referências à grande vitória do Benfica sobre o Barcelona, Domingos decidiu levá-lo à Casa Bem Fica, uma camisaria situada na Rua Salazar, para adquirir camisas de safari.