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"Ah, isso já me parece mais difícil..."

"Você duvida, Branco?", escandalizou-se o inspector da PIDE. "Então o Benfica não ganhou duas Taças dos Campeões Europeus? Então nós não derrotámos hoje o campeão da Europa? Com a armada moçambicana, o Eusébio, o Coluna e o Costa Pereira, mais o Torres e o resto da malta, não vejo porque não haveremos de estar em Inglaterra!..."

A satisfação pelo triunfo no relvado criou entre os convidados, e sobretudo no seu anfitrião, o ambiente propício para que José visse ali a oportunidade de suscitar a questão mais imediata que a todos verdadeiramente preocupava.

"Talvez tenha razão", admitiu o médico. "O facto é que derrotámos os Espanhóis. Mas sabe do que precisávamos mesmo? Era de derrotar os terroristas."

Aniceto fez com a língua um estalido contrariado, desagradado por lhe falarem de trabalho em momento tão festivo.

"Ai os turras, os turras!...", exclamou, deixando a voz perder-se na repetição. Era a primeira vez que os presentes ouviam a expressão turra como referência aos guerrilheiros. "Esse, meu caro doutor Branco, é um outro campeonato!"

"Disso ninguém tem dúvidas! A questão é saber como está ele a decorrer. Já viu? Os tipos fizeram agora o primeiro ataque aqui no distrito. Onde irá isto parar?"

O inspector da PIDE respirou fundo, como se ponderasse o que poderia ou deveria dizer diante de toda aquela gente; sabia que era uma pessoa temida na cidade e não estava habituado a ser interpelado em público sobre assunto tão sensível. Por outro lado, porém, tinha de transmitir algumas mensagens, sob pena de deixar que a boataria alarmista se propagasse ainda mais pela comunidade branca de Tete, e aquela oportunidade pareceu-lhe tão adequada como qualquer outra.

"Oiçam, os turras estão a tentar desestabilizar o Norte de Moçambique", reconheceu. "Temos informações, que os senhores farão o favor de manter reservadas, de que o plano deles é criar problemas em todas os distritos a norte do Zambeze: Niassa, Cabo Delgado, Zambézia, Moçambique e Tete. Querem insurreição em toda a parte."

"Ah!", exclamou o médico. "Então sempre é verdade que o estado de emergência foi declarado aqui no Norte!..."

Aniceto Silva esboçou uma careta contrariada.

"Não vou desmentir isso. Mas posso garantir-vos que a coisa só está a pegar no Niassa e em Cabo Delgado. Esta bandidagem não tem hipóteses no resto do território."

"Tem a certeza?"

O inspector estendeu a mão e desligou a voz do rádio, que se alongava já nos comentários ao jogo da tarde.

"É tão certo como nós irmos ao Mundial! Os tipos possuem a ajuda da Tanzânia e podem assim assegurar a retaguarda e o apoio logístico. Além disso, têm os macondes na mão. E por isso que andam tão activos ao longo da fronteira tanzaniana. Mas não conseguem descer devido aos macuas, que estão connosco. Por outro lado, é importante termos presente que eles não dispõem de muitos homens. Terão uns trezentos, no máximo."

"E aqui em Tete?"

"Nas actuais condições parece-me difícil que os gajos nos criem muitos problemas nesta zona.

Lembrem-se que Tete não faz fronteira com a Tanzânia. Os turras têm a Zâmbia do seu lado, mas precisam também da colaboração do Malawi para poderem vir até aqui, e aí... azar! O presidente Banda está do nosso lado." Fez um gesto na direcção do aparelho de rádio onde haviam escutado o relato de futebol. "O Banda é o nosso Eusébio!" Inclinou-se para a frente, conspirador. "Vou contar-vos uma coisa: o gajo autorizou-nos a andar pelo Malawi a recolher informações sobre o inimigo!"

Endireitou-se e contemplou o efeito que a sua revelação produzira nos presentes. "E só para verem.

De modo que, sem o Malawi a ajudá-los, o mais que os turras podem fazer aqui no distrito são umas acçõezinhas da treta, só para dizerem que já chegaram a Tete." Bateu no ombro do médico.

"Não se preocupem, meus caros. Está tudo controlado."

Por esta altura instalara-se o mais absoluto silêncio no quintal da casa, com todos os convidados a escutarem o homem da PIDE. O assunto era da mais elevada gravidade e pessoa mais bem informada do que o inspector seria difícil encontrar em Tete. Se ele parecia despreocupado e garantia que não havia problemas, quem poderia duvidar? Um murmúrio de alívio percorreu por isso o grupo e os sorrisos afloraram por toda a parte.

"Portanto", insistiu José, "os terroristas não vão entrar em Tete?"

"Nem pensar."

"E isto que eles estão a fazer, na sua opinião, o que é? São assaltos para roubar coisas?"

Aniceto Silva remexeu-se na cadeira, manifestamente incomodado com a pergunta. Passou os olhos em redor e viu as atenções cravadas nele, aguardando o seu veredicto. Pegou numa garrafa de Johnny Walker red label e despejou o whisky no copo.

"Eu não iria por aí", acabou por dizer, contemplando o líquido dourado a balouçar no vidro baço. "Temos de nos capacitar de um facto: a situação que enfrentamos é igual à de Angola e à da Guiné."

"Acha?"

Com as gotas de transpiração a deslizarem-lhe pela testa, o inspector bebeu o whisky até metade e soltou um longo "ahhhh!" quando pousou o copo. Depois voltou a olhar para os convidados e arreganhou os dentes, como se tentasse sorrir e não conseguisse.

"Estamos em guerra."

E engoliu o resto da bebida.O visitante, homem cerimonioso e bem-educado, só se sentou no sofá quando o anfitrião lhe fez sinal de que o fizesse. Diogo não conseguia tirar os olhos dele. Mal acreditava que tinha em sua casa o treinador do grande FC Porto.

Todavia, sabia que não deveria estar surpreendido, uma vez que a inesperada vitória do Orfeão da Madalena no campeonato fizera disparar a cotação voleibolística dos principais jogadores do clube, e dele próprio em particular. Impressionado com a qualidade dos jovens, o professor Puga viera nessa manhã ao Rego da Água e fora bater-lhes à porta.

A primeira visita havia sido feita ao mestre Melro, que aceitara a transferência do filho Angelino para as Antas. Agora era a vez de o técnico tentar contratar Diogo.

"Quer um cálice de vinho do Porto?", ofereceu Lourdes.

O professor Puga fez um gesto enfático com a mão.

"Nunca fora das refeições."

Joaquim acomodara-se na sua poltrona de chefe de família, colocada bem de frente para o televisor, e remexeu-se, impaciente por ir direito ao assunto. Sabia já da visita do treinadordo FC Porto ao mestre Melro, pelo que estava perfeitamente a par do motivo da presença do professor Puga em sua casa, mas as formalidades eram para se cumprir e as explicações para ser dadas, até porque havia alguns aspectos importantes a limar.

"Então conte lá o que se passa, mister."

Aquele mister era uma expressão que o pai de Diogo lera nos jornais em referência aos treinadores de futebol. Em boa verdade ignorava se ela se aplicava aos técnicos de outras modalidades, mas o facto é que o professor Puga, ou porque a referência era adequada ou meramente por boa educação, se comportou como se achasse natural ser referido naqueles termos.

"Penso que não surpreenderei ninguém se disser que o vosso filho provocou esta temporada uma enorme sensação no campeonato", começou por dizer. "É um rapaz cheio de potencial para o vôlei, devido sobretudo à sua enorme elasticidade e capacidade de elevação. Se ele chegou onde chegou numa equipa como a do Orfeão da Madalena, imaginem o que não fará no FC Porto.

Atenção: longe de mim qualquer intenção de beliscar o trabalho do mestre Melro, que foi extraordinário para quem não tem formação específica nesta área. Mas estou convencido que é possível polir o vosso Diogo até à perfeição e fazer dele um dos melhores voleibolistas do país."