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"Aprendeu português por causa dos seus namorados da Beira?"

Ela fechou-se num olhar enigmático; parecia sedutor, mas talvez fosse apenas nostálgico.

"Tenho uma perdição por homens mediterrânicos", revelou. "Claro que aproveitei quando vinha cá de férias. Mas naquele tempo eu ainda era muito garota e bem-comportada. Não havia nada das coisas que existem agora, está vendo?"

O médico abanou a cabeça, sem compreender.

"Que coisas?"

Nicole soltou uma risadinha comprometida e sacudiu o tronco como se dançasse, abanando os seios opulentos e desprendidos sob o tecido leve do vestido azul.

"Não havia The Beatles a cantar Ali You Need is Love, não havia a pílula, não havia o LSD..."

Sem que José se apercebesse disso, a imaginação escapou do seu controlo e deu por ele a imaginar como seria uma inglesa na cama. Nunca tivera uma estrangeira entre os braços e sentiu a curiosidade espicaçá-lo. Seria envergonhada ou extrovertida? Já era suficientemente experimentado para saber que entre os lençóis não havia duas mulheres iguais. Se era assim com as portuguesas, por que razão haveriam as bifas de ser diferentes? Analisou Nicole e ela não lhe pareceu ingénua. Mas qual a sua atitude perante um homem? Passiva ou activa? Gemeria? Teria facilidade ou dificuldade em alcançar orgasmos? E como seria em relação a...

Abanou a cabeça, num esforço para afugentar aqueles pensamentos. Era um homem casado e os dias de folia haviam terminado quando casara com Mimicas. Mesmo que assim não fosse, raciocinou, nada lhe garantia que a rodesiana se pudesse interessar por ele. Porém, apercebeu-se que era mesmo essa a impressão que Nicole começava a dar-lhe. Desde que se haviam conhecido, no final dessa manhã, que ela não parara de lhe sorrir. Pensou inicialmente que o fazia por mera cortesia ou até traço cultural. E certo que não lhe constava que os Ingleses fossem especialmente sorridentes ou calorosos, mas que conhecia ele desse povo além dos turistas sul-africanos que observara à distância na marginal de Lourenço Marques e dos rodesianos que vira ao longe na praia da Beira?

Agora que se encontravam ali à mesa do Zambe e falava com ela e a observava com mais atenção, apercebia-se de que raros eram os sorrisos que Nicole lançava na direcção de Martins. Fez um esforço de memória e tomou consciência de que a maior parte das perguntas que a rodesiana havia formulado durante a visita ao hospital não haviam sido dirigidas ao director, mas a ele. Ou talvez o tivesse feito porque achasse que José é que era o operacional e teria porventura mais respostas. Se calhar ela apenas sorria por simpatia e ele, tolo, já se pusera a imaginar coisas. O facto, porém, é que a rodesiana divagava sobre os seus antigos namorados portugueses e os homens mediterrânicos e sobre o amor livre dos Beatles e sobre a pílula e as drogas. Onde quereria ela chegar? Seria tudo aquilo inocente?

"Está todo o mundo bancando de silencioso outra"vez", protestou Nicole de novo, desta feita fazendo beicinho. "Ué, que é isso? Não estão gostando da companhia?"

"A companhia é óptima", apressou-se José a esclarecer. "Estamos talvez um pouco cansados..."

A rodesiana sacudiu o cabelo dourado para trás; não era longo, mal tocava os ombros, mas ondulava como seda, aveludado e abundante.

"Ah, compreendo. Isto da barragem significa que vem aí muito trabalho, não é?"

"Ui, nem imagina."

"Estive lendo informação sobre este projecto em Cabora Bassa e há uma coisa que não estou entendendo", disse ela, pensativa. "A barragem fica a uns meros duzentos quilómetros da Zâmbia, país amigo dos terroristas. Quando ela estiver pronta, a energia terá de ser transportada ao longo de oitocentos quilómetros por território moçambicano, o que exige a construção de uns seis mil postes que estarão vulneráveis a sabotagem. Além do mais essa energia mal poderá ser gasta em Moçambique, que não tem produção industrial que a justifique, nem sequer é indispensável para a África do Sul, que dispõe de fontes alternativas. Ou seja, é um investimento caro, não é imprescindível e está cheio de riscos. Por que razão, nestas condições, se vai construir a barragem?"

José e Martins entreolharam-se e riram-se.

"Tem toda a razão!", exclamou o director do hospital.

"Pois tenho. Mas não responderam à minha pergunta. Porque vão construir esta barragem?"

"Por razões políticas", atalhou José. "E só por isso."

Nicole esboçou uma expressão inquisitiva.

"Não estou a perceber. Que razões políticas poderá haver?"

O médico ajeitou os talheres diante dele, mais para ocupar as mãos do que para corrigir a sua disposição na mesa.

"O projecto de Cabora Bassa é uma espécie de ponta de lança da estratégia portuguesa para a guerra", começou por dizer, falando devagar, como se pesasse cada palavra. "O governo espera que o projecto atraia para o distrito de Tete cerca de um milhão de colonos brancos, alterando assim decisivamente toda a demografia da região. Se o Norte de Moçambique tiver muitos brancos, o inimigo terá dificuldade em movimentar-se." Largou os talheres e cravou os olhos na interlocutora.

"Mas o mais importante é que, com este grande investimento internacional, Portugal atrai para o seu lado a alta finança e os interesses do mundo ocidental. Os Estados Unidos têm apoiado os turras, mas terão dificuldade em continuar a fazê-lo se o interesse dos grandes grupos económicos ocidentais estiver do lado português."

"Está dizendo que Cabora Bassa só existe por causa da guerra?"

O empregado aproximou-se da mesa a equilibrar os pratos fumegantes nas mãos. Os comensais inclinaram-se para trás para deixar pousar os pratos, e antes que começassem a comer José deu a resposta.

"Nem mais."

Ao sair do Zambe após o almoço os médicos passaram pela mesa onde se sentavam os dois homens da PIDE e, por cortesia, apresentaram-lhes a sua convidada rodesiana. Aniceto Silva fez uma vénia a Nicole e beijou-lhe a mão, gabando-lhe a beleza com grandes floreados oratórios que arrancaram um sorriso da médica.

"Os homens dos serviços de inteligência sempre foram uns grandes galanteadores", observou ela.

"Serviços de inteligência não", corrigiu o inspector, sempre exigente no bom português. "No sentido dos serviços que presto à nossa causa, a palavra inglesa intelligence traduz-se em português por informação." Inclinou a cabeça, num aparte. "Não é que a inteligência seja despiciente no nosso trabalho, se me é permitido dizê-lo."

"Decerto que sim", assentiu a rodesiana. "Estou segura até que, com tanta gente inteligente, esta guerra está ganha."

"Não diria tanto, minha senhora."

A resposta desconcertou Nicole.

"Porque diz isso? Acha que será perdida?"

"De modo nenhum!", afirmou Aniceto Silva com um gesto enfático. "Os turras apenas nos estão a criar alguns problemas em Cabo Delgado e no Niassa. O resto está controlado."

"Aqui em Tete também, presumo."

"Com certeza. Nestes quatro anos que a guerra leva já houve um ou outro incidente aqui no distrito, mas em geral a situação em Tete permanece tranquila."

"Acha, portanto, que não vai haver problemas com a construção da barragem..."

O homem da PIDE esboçou uma careta, como se essa ideia lhe suscitasse reservas.

"Há quem pense assim, mas eu desconfio."

"Ai sim? Porquê?"

Aniceto Silva bateu com o indicador na ponta do nariz.

"É cá um faro que tenho", disse. "Os turras já anunciaram que vão fazer tudo o que estiver ao seu alcance para travar o desenvolvimento do vale do Zambeze. Consideram que Cabora Bassa é um grande perigo e disseram que travar a construção da barragem é agora a sua prioridade.