"Oi!", exclamou uma voz atrás dele. "Você já chegou?"
O sotaque anglo-brasileiro era inconfundível. Virou-se e viu Nicole aparecer do quarto de banho no meio de uma nuvem de vapor e envolvida numa toalha do hotel; o cabelo loiro molhado parecia palha que lhe descaía sobre os ombros nus e os olhos azuis expressivos apresentavam-se dilatados, como berlindes gigantes.
"O que está aqui a fazer?"
A rodesiana esboçou uma expressão fingidamente infeliz.
"O meu banheiro quebrou", lamentou-se. "Não tinha água e tive de vir aqui tomar um banho.
Você não se importa, pois não?"
José olhava-a com incredulidade, ainda sem perceber o que sucedia.
"Mas... mas como?", gaguejou. "Como entrou no quarto?"
"Falei com o mocinho e banquei de distraída. Disse para ele que tinha perdido a chave e que você era o meu namorado e que precisava muito de entrar. Aí ele abriu a porta."
O médico manteve o olhar preso nela enquanto raciocinava. O quarto de banho de Nicole ficara sem água e ela viera para o dele tomar banho? Aquela história não batia certo. Aliás, bastava vê-la enrolada na toalha, descontraída e sorridente, para perceber que nada daquilo tinha sido um acaso.
Teve vontade de a mandar vestir-se e sair, mas apercebeu-se de que o seu corpo vibrava de excitação, alheio à sua vontade. Foi como se a mente se tivesse dividido. Uma voz prudente lembrou-lhe que era um homem casado e que o tempo para aquelas folias já passara, mas depressa outra sublinhou que ele nunca tinha tocado numa estrangeira e que aquela se oferecia toda e Mimicas não estava ali e que teria de ser mesmo um grande tolo e um totó do tamanho da Torre dos Clérigos se não aproveitasse aquela ocasião única para saborear uma mulher tão invulgar quanto esplendorosa.
Sentia-se dividido. Foi como se a rodesiana tivesse intuído o seu conflito interior porque, mesmo no auge da dúvida, quando o dilema o dilacerava e ele procurava ver claro na névoa entorpecedora do desejo, Nicole deixou tombar a toalha aos pés e revelou o corpo sinuoso e os seios desproporcionadamente grandes adornados por mamilos largos e rosados, como chupetas gigantes, e a púbis dourada como José nunca tinha visto nem sabia existir.
"Tenho frio", murmurou ela.
Com um movimento inesperadamente rápido e descarado, apalpou-o entre as pernas e ronronou, obviamente agradada com o que sentia na mão. Aproximou o rosto devagar, os olhos expectantes e a boca entreaberta numa expressão lasciva de gata com cio, e com um novo gesto súbito esticou a língua ardente e lambeu-lhe os lábios. Foi o golpe de misericórdia.
Incapaz de se controlar mais um segundo que fosse, a vontade derretida pelo calor da sedução, José abandonou-se ao monstro que lhe tomou conta do corpo.A vida desportiva de Diogo Meireles adquiriu tons triunfais com a gloriosa camisola azul e branca no corpo. Os campeonatos pelas cores do FC Porto sucediam-se e as internacionalizações também. Num só ano foi juvenil, júnior e sénior, vencendo todas as competições nacionais que disputou.
Assumiu-se como a vedeta da equipa e as suas conquistas, impressionantes nos campos de voleibol, estenderam-se de repente a outras modalidades. Graças ao seu olhar terno e às longas patilhas à Beatles de cabelo castanho rebelde, tornou-se a principal atracção das espectadoras.
É verdade que as raparigas do Liceu de Gaia, com uma ou outra excepção, nunca lhe suscitaram grande interesse; as batas escolares tornavam-nas banais, quase assexuadas. No entanto, as espectadoras dos jogos eram diferentes. Muitas aperaltavam- se para assistir às partidas do FC
Porto, exibindo profundos decotes e vestidos justos que lhes acentuavam as formas. No final das partidas, algumas aguardavam-no à saída dos balneários para pedir um simples autógrafo ou até a querer tirar fotografias ao lado dele."Gosto muito de te ver jogar", disse-lhe uma morena, pestanejando os olhos verdes, uma das primeiras vezes que Diogo se viu assediado à porta do balneário. "Tens muito estilo."
Voltou a vê-la no jogo seguinte e, vencendo a timidez, arrancou-lhe o nome.
"Chamas-te Julieta?", admirou-se Diogo, que viu ali pretexto para um piropo. Sentiu-se ruborizar, sem saber se teria coragem para o lançar. "Eu... sabes o que gostaria?"
Ela fitou-o com expectativa, o verde dos olhos a luzir de emoção.
"O quê?"
Atrever-se-ia?
"De ser o teu Romeu."
Não era dos piropos mais originais que Julieta alguma vez ouvira; na realidade o nome de Romeu tendia a vir à baila sempre que ela se apresentava a alguém, mas já se resignara àquela sina shakespeariana e a frase infinitamente batida em nada diminuiu o seu interesse pelo rapaz de olhar sonhador e cabelos revoltos.
Palavra puxa frase e daí a pouco estavam ambos a tomar um cimbalino num dos cafés mais frequentados da zona das Antas. O cimbalino no Café Bom Dia transformou-se numa francesinha para o lanche no Café Velasquez e a sobremesa veio quando Diogo venceu enfim a timidez e lhe saboreou os lábios trémulos e a língua escaldante que lhe soube a doce e lhe abriu o apetite para outras sobremesas.
O pavilhão das Antas estava nessa noite encerrado, mas com a cumplicidade do roupeiro o craque da equipa de voleibol levou a sua Julieta para o balneário das equipas adversárias, onde se sabia à vontade, e entre gemidos e suspiros descontrolados perdeu a virgindade sobre a marquesa das massagens.
A relação com Julieta parecia promissora, até porque se tratava de rapariga meiga e divertida, mas logo três semanas depois uma tal Margarida pediu-lhe um autógrafo à saída do pavilhão de Espinho. A Guidinha, como fez questão de ser chamada, também era morena, mas de olhos castanho-claros e um peito que fez o rapaz sonhar com a Gina Lollobrigida.
Não resistiu à força da dupla argumentação e, após uma refrega intensa no banco traseiro do
Vauxball Viva dos pais dela, num recanto escondido entre pinheiros junto à praia de Espinho, decidiu trocar de namorada. Isto, claro, até conhecer a Laura da boca marota no intervalo de um jogo com o Leixões, a meio do mês seguinte.
A verdade é que nenhuma destas relações sucessivas teve consequências duradouras; as moças queriam romance e estabilidade, ele preferia ficar-se pelo sexo e pela novidade. O que lhe valia é que, atrás de cada rapariga vinha sempre uma nova para fruir, elas atraídas pelo esplendor que o galã da equipa irradiava, ele garantindo à custa disso que as experiências novas prosseguiam sem cessar.
As coisas corriam, pois, de feição a Diogo. Até ao dia em que, em vésperas de uma deslocação à Argélia para defrontar a selecção local, chegou a casa e ouviu a mãe chamá-lo da cozinha.
"Diogo?! És tu?"
"Sim, mãe. O que é?"
"Chegou correio para ti."
Pensou que fosse uma carta de Angelino, o amigo não lhe escrevia havia já algum tempo, e apressou o passo até à cozinha. Mas quando cruzou a porta e surpreendeu os olhos húmidos e avermelhados da mãe desconfiou. Tinha estado a chorar. Desviou de imediato a atenção para o envelope que lhe dançava entre os dedos nervosos e sentiu um baque cortar-lhe o ar. Más notícias, percebeu. Teria havido uma tragédia? Teria alguém morrido? Um turbilhão de hipóteses aflorou-lhe à mente em catadupa, cada uma mais terrível do que a outra, como se tivesse mergulhado numa cascata de medos.
"O... o que foi? De quem é essa carta?"
A mãe estendeu-lhe o sobrescrito com uma expressão triste a toldar-lhe o olhar.
"É das Forças Armadas."A rua inclinava-se para cima mas a rapariga não desanimou e continuou a correr em passadas largas, a mente fixa na hora a que terminavam as visitas. Não completou muitos passos porque a inclinação ascendente começou a pesar-lhe nas pernas; as coxas tornaram-se tão pesadas que lhe pareciam cimento e os pulmões ardiam com o ar quente.