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Um toque na porta interrompeu-lhe o raciocínio. Os olhares do médico e da freira voltaram-se para a entrada do gabinete e os dois viram uma cabeça loira espreitar.

"Dá licença?"

Era Nicole.

"Entre, entre", convidou o director, hesitando entre os deveres de hospitalidade e o receio de que a rodesiana fizesse ou dissesse algo de inconveniente. "Está tudo bem?"

"Tudo legal", devolveu a médica, as mãos escondidas atrás das costas. "Vim lhe dar uma prenda."

"Uma prenda?", admirou-se José. "Para mim?"

Nicole mostrou as mãos e exibiu-lhe um chapéu de aba larga e voltada para cima, como os usados pelos cowboys nos filmes.

"E um chapéu que usamos nas farmes da Rodésia. Você gosta?"

O director pegou no chapéu e observou-o com atenção. Tinha uma faixa de pele de leopardo em redor. Assentou-o na cabeça e voltou-se para as duas mulheres.

"Fico bem?"

"Muy guapo!", elogiou a irmã Lúcia.

"Parece o Clint Eastwood", disse Nicole. "Promete que você vai usar quando estiver no mato."

"Garantido."

A rodesiana esboçou uma súbita expressão inquieta.

"Estou com um problema", revelou. "Os helicópteros se foram e vou precisar de pegar uma carona para voltar para o Songo."

José tirou o chapéu e coçou a cabeça.

"Uma boleia para o Songo? Oh, diacho!" Considerou a questão e teve uma ideia. "Se calhar é melhor falar com a tropa", disse, pegando no telefone. "Acho que eles vão organizar uma coluna para depois de amanhã..."

A rodesiana inclinou a cabeça e respirou fundo, como se não aprovasse a sugestão.

"Você não vai fazer o seu serviço aéreo essa semana?"

"Iá. Saio amanhã pela manhãzinha."

"O seu avião não passa pelo Songo?"

Com o telefone ainda na mão, José hesitou, começando a perceber onde ela queria chegar.

"Quer dizer... iá. Mas só na quarta-feira. Vou começar amanhã pelo Furancungo, depois sigo para Vila Coutinho e por aí fora."

"Então me leva!"

O médico ainda abriu a boca para rejeitar a sugestão, nem pensar naquela ideia, mas viu um enorme sorriso desenhar-se no rosto da irmã Lúcia e não teve coragem de dizer que não.

"Está a ver, doutor?", perguntou a freira espanhola com uma expressão triunfante. " Dios nos ajuda quando necesitamos. Aqui a doutora vai consigo y yo fico a tratar dos feridos."

A armadilha fechara-se.Quando o Piper Cherokee levantou voo da pista do Zobué, José temia o pior. O primeiro dia havia decorrido com absoluta normalidade, como de resto seria de esperar considerando que traziam mais um passageiro. O doutor Arroz também aproveitara a boleia do Serviço Médico Aéreo e acompanhara-os ao longo de toda a jornada de segunda-feira, com paragens no Furancungo e em Vila Coutinho, até aterrarem ao anoitecer no Zobué para pernoitar.

Arroz estava colocado num posto especialmente criado nesta povoação para combater a tripanossomíaze, pelo que ficou por aí.

Na madrugada seguinte José e Nicole entraram no avião e acharam-se sozinhos pela primeira vez desde a inesquecível noite no Hotel Cardoso.

"Onde vamos hoje?", quis saber a rodesiana.

O médico-aviador tinha o mapa aberto no cockpit e apontou para uma localidade no Oeste do distrito.

"O destino final é o Fingué", indicou. "Mas no caminho vamos parar em Cazula e Bene."

"E quando chegamos ao Songo?""Sexta-feira. Normalmente seria amanhã, mas planifiquei a viagem de modo a deixar o Songo como última escala da semana, para que você me possa ajudar em todas as povoações onde aterrarmos. É muita gente para ver e sozinho não consigo dar conta do recado."

Um brilho de aprovação perpassou pelo olhar marinho de Nicole.

"Legal."

O aparelho ganhou altitude e rumou para oeste, em direcção a Cazula. Um imenso azul iluminava o céu, suave e translúcido, interrompido apenas aqui e ali por trapos isolados de nuvens.

A terra seca estendia-se lá em baixo como uma ampla manta alaranjada salpicada de minúsculos pontos castanhos; eram os embondeiros que ali de cima se assemelhavam a pequenas bolotas espalhadas pelo chão.

Visto daquela perspectiva o mundo parecia sereno e imperturbável. Não fosse o ronronar monótono do motor e dir-se-ia que a paz abraçava o céu. Como tantas vezes lhe sucedia quando voava, o médico foi assaltado por uma doce e reconfortante sensação de bem-estar. Teve vontade de desligar o motor e deixar o avião planar em sossego, entregando-se àquela vasta placidez benigna como um bebé que se rende ao peito acolhedor da mãe, mas sabia que isso não passava de uma fantasia e fez um esforço para não se deixar embalar por aquela ilusão e concentrar-se nos comandos do aparelho.

Foi Nicole quem quebrou o silêncio.

"Você alguma vez experimentou?"

"O quê?"

Ela lançou-lhe um olhar cheio de segundas intenções.

"Fazer amor no céu."

José sentiu um rubor subir-lhe ao rosto e engoliu em seco.

"Vamos lá, não comece."

Um sorriso maroto formou-se na face da rodesiana. A mão dela deslizou para a perna do piloto, carregada de provocação.

"Estou vendo que a ideia já lhe ocorreu..."

José sacudiu-lhe a mão.

"Quieta!"

Ela esboçou uma expressão contrafeita, como uma menina mimada a quem acabaram de privar de uma boneca.

"Ai! Que ruim! Naquela noite no Cardoso você não me mandou ficar quieta, se lembra?"

"O Cardoso foi há dois anos", retorquiu o médico-aviador com secura. "Desde então nunca mais nos vimos."

"Mas, acredite, eu não esqueci!" Fez um esgar nostálgico e suspirou, como se a simples lembrança do que acontecera fosse uma emoção demasiado forte. "Meu Deus, nunca imaginei que existisse homem com um... uma... enfim, assim tão grande. Minha nossa, o que tenho pensado naquela noite!"

José abanou a cabeça em desaprovação.

"Estivemos dois anos sem nos vermos e agora você chega aqui e quer brincadeira outra vez?

Pensa que isto é o quê?"

"Não nos voltámos a ver porque me mandaram regressar a Salisbúria", retorquiu ela em tom justificativo. "Que poderia eu fazer? Mas agora, com as obras de Cabora Bassa a avançar em força, vou ficar colocada no Songo, bem pertinho de você. E aí vamos nos ver mais vezes, né?"

"Vai ficar no Songo? Porquê? O Coutinho não serve?"

"E muita gente para um médico só. O doutor Coutinho é legal, mas os engenheiros que falam inglês precisam do apoio de um médico que domine a língua na perfeição, você entende?"

Vê-la assim ao seu lado, de camisa desabotoada o suficiente para deixar ver o peito sardento e o rego dos seios, e sobretudo a língua molhada na boca entreaberta e o olhar oferecido, foi de mais para José. Parecia que alguém lhe tinha ligado um botão entre as pernas, porque com um clique inesperado o monstro despertou.

"Oiça", tentou argumentar, num esforço desesperado para combater o desejo que lhe atiçava já o corpo, "eu sou um homem casado e tenho de respeitar a minha mulher."

Nicole revirou os olhos azuis, como se dispensasse a lição.

"A vida aqui em Tete é um saco!", exclamou. "Não tem televisão, não tem praia, não tem nada!

O que vamos fazer para nos entreter? Crochet?" Voltou a deslizar com a mão para a perna dele.

"Porque não tiramos partido do maior entretenimento que a natureza nos deu? Há algum mal nisso? Sua mulher não precisa de saber nada..."