"Mas isso não pode ser assim!"
Protestou, mas dessa vez não retirou a mão que lhe afagava a perna direita, pormenor que não escapou à rodesiana.
"O que pensa você que todo o mundo faz em Tete ou no Songo?", murmurou a loira com infinita doçura. "Eles andam metidos com elas e elas com eles. E só joguinhos, meu bem. Ué, e qual o problema? É uma maneira legal de a gente se entreter..."
"Eu não sei o que os outros fazem", ripostou José, as palavras mais firmes do que o tom em que as pronunciou. "Sei que nós temos de..."
Calou-se porque a mão de Nicole se desviara da perna para o monstro e, exercendo pressão com os dedos, sentia-lhe o volume em crescimento. Com um sorriso oblíquo, a rodesiana intuiu nesse instante que tinha a partida ganha.
"Essa droga não tem piloto automático?", quis saber, indicando o painel do cockpit.
"Tem, claro."
Já totalmente senhora da situação, ela correu-lhe o fecho das calças e, com um movimento esfaimado, puxou-lhe o monstro para fora.
"Liga ele."
Foi a última coisa que a rodesiana disse antes de mergulhar nele e José, pairando naquele firmamento infinitamente azul de sensações inebriantes, perceber que só havia uma coisa a fazer antes de o corpo tomar totalmente conta da sua vontade e deslizar para as profundezas escaldantes daquela mulher.
Ligou o piloto automático.
Vistas do ar, as palhotas pareciam fundir-se com a terra e o capim, e apenas os telhados cónicos de colmo e dois fios de fumo que serpenteavam para o céu, ateados evidentemente por fornos de cozinha, tornavam evidente a José que se escondia ali uma aldeia.
"Cazula."
Lançou um olhar para os mamilos rosados e erectos de Nicole, sugerindo-lhe que se vestisse, e manobrou os comandos de modo a preparar a aterragem. Verificou o sentido do vento e a posição da faixa de capim que funcionava como pista e posicionou o avião, enquadrando-o frontalmente com o rectângulo rasgado na terra. O Piper Cherokee balouçou ao vento como uma folha e perdeu altitude aos solavancos, como se descesse os degraus de uma escada invisível. O médico-aviador carregou num botão e ouviu-se o claque seco do trem de aterragem a abrir.
Uma figura apareceu lá em baixo a correr e posicionou-se no meio do rectângulo do capim, pondo-se a agitar os braços num frenesim, como se fizesse sinais desesperados para o avião.
"Que é isso?", admirou-se a rodesiana enquanto apertava o soutien com as mãos atrás das costas
"Quem é esse cara?"
Depois de uma hesitação, José puxou a manche do avião.
"Não querem que aterremos."
O motor do Piper Cherokee rugiu e o aparelho ganhou de novo altitude, abortando a aterragem.
Nicole estava intrigada com o que acabara de acontecer e questionou o amante, mas José não respondeu. Recolheu o trem de aterragem e manobrou o aparelho de modo a completar uma curva completa, posicionando-se de novo contra o vento e enquadrado com o rectângulo. Voltou a perder altitude, mas desta feita não desceu o trem de aterragem e passou em voo rasante sobre a pista de maneira a observar o que se passava lá em baixo.
Viu alguns homens a escavarem a pista e apercebeu-se de um deles a extrair um disco metálico da terra.
"Minas!", exclamou. "A pista está minada!"
A informação atingiu Nicole com a força de uma bofetada.
" What? ", admirou-se, colando os olhos incrédulos ao vidro do avião para tentar analisar melhor o que se passava lá em baixo, mas a pista já ficara para trás e tudo o que via nesse momento eram embondeiros. "Minas? Tem minas na pista?"
"Às vezes acontece", assentiu o médico-aviador com um encolher indiferente de ombros.
"Algumas pistas de aterragem aparecem minadas, sobretudo nas zonas por onde andam os turras.
É a guerra."
Ela pôs a mão sobre a boca e virou a cara para o amante, os olhos azuis arregalados de terror.
"My God! E agora? Vamos embora, né?"
José abanou levemente a cabeça.
"Esperamos."
"Esperamos? Esperamos o quê?"
"Esperamos."
A rodesiana emudeceu, sem entender o procedimento mas presumindo que o médico-aviador sabia o que fazia. O Piper Cherokee voltou a ganhar altitude e pôs-se a completar círculos sobre Cazula, como uma ave de rapina gigantesca à espera do momento para cair sobre a presa. O piloto manteve a atenção colada às figuras minúsculas que formigavam na pista, atento ao seu comportamento.
Ao fim de uns dez minutos viu as figurinhas afastarem-se do rectângulo e uma delas fazer com os braços novos sinais para o céu. Nesse instante posicionou mais uma vez o aparelho contra o vento e, no enfiamento do rectângulo de terra, começou a perder altitude e voltou a baixar o trem de aterragem.
"Que está fazendo?", inquietou-se Nicole. "Vai aterrizar?"
"Claro."
"Você está biruta?", alarmou-se, elevando a voz. "Essa pista está minada. Ninguém pode aterrizar nessas condições! Não tem como! Vamos embora!"
Ignorando os protestos da rodesiana, José manteve a direcção e os procedimentos e o avião continuou a descer. Nicole começou a gritar, desesperada, e só se calou quando, instantes mais tarde, o aparelho estremeceu com violência perante o impacto duro das rodas na terra e ela foi confrontada com a realidade.
Tinham aterrado.
A consulta em Cazula decorreu bem, apesar do evidente nervosismo da população e dos homens que administravam o posto. Tinha sido assinalada a presença da guerrilha na zona e dois dias antes um grupo de comandos fora largado ali perto para dar caça ao inimigo. Nessa noite havia sido escutado tiroteio e algumas explosões à distância.
"Tivemos de minar a pista", explicou o chefe do posto, limpando com as costas da mão a transpiração que lhe escorria pela testa sob o sol ardente da manhã. "Foi para impedir que os turras entrassem por este lado durante a noite." Respirou fundo e desviou o olhar ansioso para os embondeiros que se alinhavam no horizonte para lá da pista, como sentinelas silenciosas. "Não ganho para isto, doutor. As coisas estão a ficar maningue más. Qualquer dia pego na minha preta e pisgamo- nos para a Beira."
Considerando que a pista estivera minada e os receios que vislumbrava no rosto das pessoas, José achou que poderia haver mais gente a necessitar de cuidados médicos e que não se tinha atrevido a aproximar do avião. Já em ocasiões anteriores havia constatado que a presença do perigo tornava as populações mais tímidas, pelo que fez sinal a Nicole de que o seguisse.
"Ande", disse, pondo o chapéu rodesiano. "Vamos dar uma volta por aí."
"Para quê?", espantou-se ela, relutante em abandonar o avião. "Não temos de continuar a viagem?"
"Temos, pois. Mas primeiro vamos certificar-nos de que não há mais ninguém a precisar de ajuda."
Abandonaram de jipe o pequeno aeródromo improvisado na savana e foram até à povoação.
José andou de palhota em palhota e localizou de facto alguns velhos e mulheres que requeriam assistência e não se tinham atrevido a ir até à pista onde se encontrava o avião.
Quando ia sair de uma das derradeiras cubatas, aprestando-se a regressar ao aeródromo para retomar viagem, o médico apercebeu- se de um vulto que apareceu de repente a cortar-lhe o caminho.
"Doutor Branco", interpelou-o o homem. "Pode vir connosco?"
O indivíduo era barbudo, tinha gotas de suor a'deslizar-lhe com abundância pelo rosto negro e vestia uma farda caqui que a transpiração colava ao corpo no peito e por baixo dos braços. O que mais se destacava nele, porém, era o objecto que trazia na mão, uma mistura de um engenho metálico com um apoio rudimentar feito de madeira.